Convite

Os olhos brilham além das lágrimas.

Os joelhos já se acostumaram a estar cravados ao chão.

Os pés doem por sustentar o peso de um corpo que por muito tempo esteve morto.

O rosto treme, a voz falha e não há mais nada que eu consiga dizer.

Não procuro mais por uma justificativa, pelo fim da minha vida, por uma perda de consciência que me tire daqui, por uma resposta específica a um tormento constante... Não procuro mais por uma penitência que alivie minha culpa, já sei que não há nada que eu possa fazer por mim.

Cheguei a um momento em que nada mais me importa. Nem a vida, nem a morte, nem os anjos, nem os demônios, nem os problemas, nem as soluções, nem as presenças e nem as ausências... Nada, nada, nada mais importa ou tem algum efeito sobre mim.

Depois de tentar quebrar todos os meus muros, estou ajoelhada sob os meus pés, de cabeça baixa e as mãos estendidas como quem procura receber alguma coisa... Qualquer coisa. Não consigo mais pedir com a voz, só meu coração pode clamar por socorro. Choro como quem nem sabe mais porque está chorando. Quando abro os olhos, contemplo o chão e as palmas das minhas mãos servindo de recipiente para o produto de anos de busca: as minhas lágrimas caem lá, se acumulando e percorrendo as linhas onde um dia achei ter visto meu futuro. Não tenho nada a oferecer. Nunca tive.

Enquanto contemplo a cena que me parece um tanto poética – um breve resumo dos esforços de uma vida inteira – me vem a imagem de outras mãos, que se sobrepõe às minhas: elas trazem a profunda cicatriz de quando foram atravessadas para prender-se ao calvário.

Em uma fração de segundos, percebo que nunca foi sobre mim. As lágrimas caem com mais facilidade, com mais velocidade, o coração acelera e tudo toma seu lugar. Sou invadida por um milhão de sentimentos e, mesmo que minha cabeça esteja no lugar e cada pensamento seja racional, sei que estou lidando com o sobrenatural. Não é minha imaginação.

Eu nunca tive que ser nada, nunca precisei fazer nada – e mesmo se assim fosse, jamais seria merecedora. Mesmo assim, aquelas mãos perfeitas foram transpassadas quando as minhas mãos impuras é que deveriam estar marcadas pela condenação. A imagem da sobreposição coloca tudo em seu devido lugar.

Percebo que aquelas mesmas mãos me guiaram durante o todo o caminho, mesmo que nem sempre eu conseguisse vê-las. Me acalmaram, me firmaram, me protegeram e me tomaram para si.

Percebo que sempre foi sobre compaixão, amor, justiça e misericórdia. Nunca sobre eu ser suficiente, ou boa, ou má.

Percebo que tudo foi por mim, porque eu é quem preciso dEle – o amor de verdade é assim, salvador, livre de segundas intenções. É Ele quem toma a iniciativa quando sou incapaz sequer de dizer que "sim".

Não há como deixar que aquelas mãos se afastem de mim. Eu preciso ser sustentada por elas. Eu preciso sentir o seu toque mudando meu coração de lugar e me ensinando sobre como é maravilhoso o poder de ressuscitar. Eu preciso que as minhas lágrimas dêem lugar a uma voz que anuncia com toda alegria o abrigo que me foi dado por elas e mostra ao mundo que elas estarão ali para todos que quiserem, de todo seu coração, agarrá-las.

Não há como resistir. É impossível permanecer alheia.

Não há como voltar atrás. Quando se acha vida de verdade, nem a morte é mais uma ameaça.

Sinto uma aliança se formar ao redor dos meus dedos, antes enfraquecidos e castigados pelas inúmeras batalhas que tentei vencer sozinha. Com fogo e sutileza, sei que há compromisso.

Ao levantar, já não sou mais eu.