Sob os caramanchões

Como acontecia com a TARDIS do "Dr. Who", a Casa da Lagoa era maior por dentro; muito, muito maior. Conduzida por sua anfitriã Eunice Littlefield, Williamina Camburn passou por um hall que lembrava a entrada para uma catacumba neogótica, e entrou no que parecia ser um salão de extensão infinita, preenchido com colunas de pedra que se uniam ao teto em delicados arcos raiados de branco e ouro, de onde provinha uma iluminação indireta.

- Uma vez aqui dentro, conseguirei encontrar o caminho para fora? - Indagou Williamina, nécessaire em punho.

- Desde que seja o que você quer... - redarguiu a anfitriã, sem parar de caminhar.

O Salão das Colunas possuía um fim, afinal de contas: um grande jardim interno, dividido por canais em quatro seções, cada uma delas contendo um caramanchão caracterizado por um tipo de trepadeira diferente: uma videira, coberta de flores rosas, um pé de maracujá, uma tumbérgia de flores azuladas e uma buganvília violeta. Globos de luz amarelada pendiam das vigas de madeira, e sobre o espaço aberto, um céu arroxeado crepuscular por onde transitavam fiapos de nuvens e brilhavam umas poucas estrelas brilhantes.

- Começaremos os festejos no caramanchão da buganvília, e depois seguiremos no sentido horário até o maracujá - discorreu Eunice, conduzindo Williamina para um cadeirão de braços colocado na cabeceira de uma mesa longa sob o citado pergolado. Criados de máscaras brancas, librés vinho e ouro, estavam a postos prontos para servir os convidados que ainda não haviam chegado.

- O que, exatamente, terei que fazer? - Indagou Williamina, tomando assento muito circunspecta, nécessaire no colo.

- O brinde inicial, dando início às atividades da noite.

E batendo palmas para os criados:

- Façam entrar os convidados!

E eles foram chegando por uma entrada oposta ao Salão das Colunas, todos homens e vestidos em vários tons de verde, como a própria Eunice; eram os Residentes, logo intuiu Williamina. Pela entrada por onde ela viera, chegaram em seguida as estudantes, quase todas usando branco ou tons pastéis. A única que vestia salmão era Williamina.

- Esta é a taça para fazer o brinde - disse a anfitriã, entregando-lhe uma pesada taça de ouro. - Um criado vai derramar vinho nela, você se levanta e diz "que sejam iniciados os festejos da noite", toma um gole e a ergue para que todos vejam. Depois, pode sentar-se novamente e aproveitar a festa.

- Está bem - aquiesceu Williamina.

Esperou que Eunice se afastasse para o lado, abriu a nécessaire e dela retirou uma lata de energético com o sigilo de proteção aplicado por Margeret. Encheu cuidadosamente a taça com o líquido e só então chamou o criado com a garrafa de vinho.

- Apenas faça o gesto de derramar o vinho na taça, mas não tire a rolha da garrafa - sussurrou.

Não podia ver a expressão do criado por trás da máscara branca, mas imaginou que ele estivesse surpreso; todavia, agiu como havia sido solicitado. Depois da encenação, Williamina ergueu-se do cadeirão com a taça na mão e proclamou:

- Que sejam iniciados os festejos da noite!

Em vez de apenas um gole, bebeu todo o conteúdo da taça, para só então erguê-la em saudação. Um rugido de aprovação ergueu-se dos convidados.

A festa havia começado.

- [28-10-2021]