Black lives matter...?

Fortunato, com seus treze anos, sentia-se no melhor dos mundos. Após participar vitoriosamente de um programa de tevê, em que conseguira responder corretamente a todas as perguntas do apresentador, ganhara visibilidade e uma vaga de estagiário num Tribunal de Justiça da capital...

Estava feito. E com que alegria acompanhara a mãe para comprar o primeiro terno - com sapatos, inclusive - num brechó da cidade. Uns pequenos acertos ou apertos e ali estava o homenzinho da casa, pronto para ganhar uma vida digna e compensar a mãe pelos esforços para o educar.

E justamente no seu primeiro dia de trabalho, quanta alegria, quão promissora receptividade entre os engravatados e as alinhadésimas e cheirosas secretárias...Era quase um céu, ou quiçá, o caminho dele...

Hora do almoço, vale refeição no bolso do paletó, tomou o elevador apinhado, onde chegou a apertar polidamente o botão para agilizar o funcionamento de suas portas. O que não contava porém era com o aperto que lhe deu nos intestinos, justamente com o carro lotado...e inevitável, e ainda por cima estridente, foi a liberação do flato...

...logo seguido por uma ameaça tonitruante e demolidora, que tinha o peso de uma sentença de morte:

- Seu moleque safado, seu símio disfarçado, como é que o senhor ousa peidar na frente de minha mulher?

Humilde, respeitoso, mas sem papas na língua, Fortunato apenas respondeu ao irado

magistrado:

- Desculpa meu senhor - por sinal seu afável patrão naquele seu primeiro - e derradeiro dia... - como é que eu ia saber que a vez era dela...?

Hoje Fortunato circula sorrateiro, só, entre o morro e a cidade. Sua esperança virou pó...

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 05/11/2021
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