O habitué

Aproximou-se do balcão com a nota do pedido pago, e pediu ao barista um caramel latte machiatto. O funcionário exibiu um sorriso profissional e indagou:

- O nome é Karl, não é?

- Eu mesmo - redarguiu o cliente, apontando uma mesinha com uma única cadeira num canto da cafeteria. - Vou aguardar ali.

Tirou o sobretudo, que pendurou nas costas da cadeira, e sentou-se, observando o ambiente sem demonstrar curiosidade. O salão não tinha muita gente àquela hora da noite, e os presentes não lhe deram atenção, absortos que estavam com suas telas portáteis. Instantes depois, o barista acenou do balcão.

- Karl!

Ele ergueu-se e foi buscar a bebida. Depois, voltou ao lugar e começou a beber, vagarosamente, expressão distraída. Foi então que a porta da cafeteria abriu-se e um policial uniformizado entrou; enfiou os polegares no cinto numa pose confiante, e olhou para o barista que parecia apreensivo. Este apontou Karl com o queixo.

- Boa noite, senhor.

Karl ergueu os olhos do copo alto de papelão encerado. O guarda o encarava de modo simpático.

- Boa noite, policial.

- Vejo que o senhor não tem uma tela.

- É verdade. Creio que a deixei em casa - redarguiu Karl com tranquilidade.

- O senhor costuma frequentar esta cafeteria?

- Sim; duas ou três vezes por semana, à noite. Por quê?

O guarda girou a cabeça para indicar o balcão.

- Os atendentes já perceberam que o senhor nunca consulta uma tela quando está aqui.

Os demais clientes aparentaram despertar ao ouvir estas palavras; aquilo soava muito, muito irregular. Olharam para Karl como quem desperta de um sonho.

- E é irregular não consultar uma tela num local público? Estou aqui apenas pelo café, posso consultar a tela em casa.

- Mas foi por isso que inventaram as telas portáteis, senhor - insistiu o policial num tom persuasivo. - O senhor mora com alguém?

- Não, moro só - redarguiu Karl, aprumando o corpo. - Isso é algum crime?

- Não senhor - redarguiu afavelmente o policial. - Mas reforça a necessidade de que ande sempre com sua tela portátil. Se sofrer um acidente e precisar de ajuda, o dispositivo dará o alerta aos serviços de emergência; sem a sua tela, dependerá inteiramente da intercessão de outras pessoas.

- As quais, provavelmente, estarão muito ocupadas com suas telas para notarem que preciso de ajuda - Karl usou um tom irônico, mas o policial não deu sinais de haver percebido.

- Viu como até o senhor reconhece a necessidade de ter uma tela?

- Para que saibam a minha localização em tempo real, a qualquer hora do dia...

O guarda sorriu.

- Apenas para a sua segurança.

- Naturalmente - Karl fez um aceno de cabeça.

- Termine seu café - solicitou o policial, retirando os polegares do cinto. - Minha viatura está lá fora; vou lhe dar uma carona para casa.

- É aqui perto, e sou perfeitamente capaz de ir sozinho - Karl estreitou os olhos.

- É apenas para a sua segurança - o sorriso ampliou-se.

Karl balançou a cabeça. Tinha que reconhecer que não adiantava discutir com um agente da lei.

- Está bem. Mais cinco minutos?

O guarda assentiu.

- Estarei lá fora.

Novamente só em sua mesinha, Karl olhou ao redor. Os demais frequentadores, cabeças baixas, refletiam novamente em seus rostos e óculos o brilho das telas iluminadas. Ninguém lhe dava mais atenção.

Karl acabou de tomar o café e jogou o copo numa lixeira. Amanhã, começaria a procurar uma cafeteria mais distante de sua casa; uma onde o atendente não soubesse o seu nome...

- [11-02-2022]