A ILUSÃO DE ANTERO

Em seu pequeno apartamento, Antero sentou-se diante do computador para dar continuidade a um romance que estava em fase de conclusão, mas sentia sua pressão arterial um tanto alterada e isso em nada contribuía para sua, até então, fértil inventividade literária.

Decidiu, então, apenas reler os capítulos já escritos e, aos poucos, foi se acalmando, tendo concluído que, muito possivelmente, aquele romance tenha sido o mais impactante e o melhor de todos os seus trabalhos literários: “Entre flores e abismos”.

Apesar do calor intenso que pairava lá fora, imaginou que alguma brisa pudesse vagar pelas ruas arborizadas do sossegado bairro e resolveu sair. Ao virar numa esquina surpreendeu-se ao reencontrar um poeta amigo, pois há muito tempo não se viam. Chamava-se Maxuel. Não era um poeta renomado e nem ganhador de concursos literários, mas possuía admirável criatividade e seus escritos agradavam, principalmente, por trazerem cenários belíssimos e diferenciados.

Há longos anos Antero havia se apaixonado pela irmã desse poeta, cujo romance não teve um final feliz, pois Antero parecia, por vezes, desligar-se da vida e, assim, embora a moça também o amasse, resolveu romper com o namoro fazendo com que Antero se tornasse um homem triste, pois nunca conseguiu esquecer a linda jovem.

Após os cumprimentos e de falarem sobre suas respectivas obras, Maxuel, por fim, argumentou:

- Igual a você, Antero, em relação ao seu romance, acredito que o meu novo livro de poemas irá agradar muito mais aos leitores, pois contém poesia pura, do começo ao fim, e os contextos são dos mais tocantes e envolventes. São poesias formuladas com esmero e lembram o requinte da era barroca. Entretanto, não sei por que, ultimamente estou tendo dificuldades para continuar escrevendo. Algo sempre me incomoda. E quando estou me sentindo bem, a inspiração me abandona.

- Acredito que isso seja fruto de circunstâncias passageiras e transitórias – respondeu Antero reconfortando o amigo - e ambos conversaram por mais algum tempo. Caminharam até próximo de uma banca de jornal e, por fim, se despediram com a promessa de novos contatos.

Passou-se apenas uma semana quando Antero soube, por intermédio de outro amigo, que Maxuel havia falecido. Esse acontecimento o deixou extremamente triste. Desde então, sempre que passava próximo daquela banca de jornal onde ambos conversaram pela última vez, Antero se lembrava do velho amigo - irmão do grande amor de sua vida - que partiu sem, no entanto, concluir a sua última e tão sonhada obra.

Antero que desde a juventude vez por outra delirava, como se em certos momentos houvessem breves suspensões do fluir do tempo, adoentou-se e, febril, sentia também náuseas e fortes dores de cabeça. Passou por consulta médica e se refez, mas, a partir de então, os seus delírios se tornaram bem mais agudos. Em desespero, imaginava que o seu fim, tal qual acontecera com Maxuel, também poderia estar próximo e seu romance poderia não ser concluído. A tortura da finitude nunca mais abandonou o seu pensar e isso fazia com que ele sempre voltasse, em vão, à sua escrita interminável.

Certo dia, repentinamente, despontou na sua mente a sensação de que via algo estranho, intrigante, algo que não parecia ser de todo verdadeiro.

Procurando refazer-se, saiu do apartamento com o fito de encontrar serenidade e elevadas palavras para abrilhantar a conclusão do sonhado romance. Entretanto, num átimo inusitado, aquele algo estranho surgiu-lhe à frente e, aos poucos, a imagem foi se transformando na figura de Clara, o único amor de sua vida, irmã do saudoso Maxuel. Concluiu, então, que deveria finalizar o romance o quanto antes, se possível, naquele mesmo dia, pois a proximidade da morte o assombrava implacavelmente. Desejava encontrar-se com Clara em outro plano de vida, com o romance concluído.

Embora sem a inspiração desejada, voltou ao apartamento, sentou-se novamente diante do computador e decidiu por terminar de qualquer forma o livro tão desejado.

Após muita entrega e dedicação, Antero acreditou ter finalizado a obra. Uma ardente e fulgurante alegria o dominou naquele momento. Paulatinamente, foi surgindo em sua mente um incontrolável desejo de sair à rua e mostrar ao maior número possível de pessoas que o seu romance havia sido concluído e que estava certo em considerar tratar-se do seu melhor trabalho. Assim o fez: saiu uma vez mais e, alucinado, atravessava as ruas ligeiramente, em passos largos, sem importar-se com o trânsito. Por vezes, parava e dizia em altos brados:

- Concluí meu romance entre flores e abismos. Vejam!

Na verdade, porém, Antero enlouquecera.

De repente, aconteceu o inevitável: o motorista de um carro de luxo não tendo conseguido frear o veículo em tempo hábil, atropelou o pobre Antero num choque violento causando-lhe morte instantânea.

Uma pessoa que a tudo presenciara perplexa de horror, em vista da figura que jazia no meio da rua, afirmou aos circundantes que, pouco antes do atropelamento fatal, aquele homem falava sozinho e trazia às mãos duas folhas de papel com as quais gesticulava dizendo ser um livro.

Os curiosos recolheram as tais folhas e, para surpresa e espanto de todos, em uma delas estava escrito em letras garrafais apenas o título do pretenso livro “Entre flores e abismos” e, na outra: “Florescem as flores nos cântaros enquanto abismos me alucinam”. E assim, Antero expirou numa tarde cinérea e triste.

Com esse conto fui agraciado com menção honrosa na categoria

regional do 23º Concurso Nacional de Contos Cidade de Araçatuba,

em 2021.

Antenor Rosalino
Enviado por Antenor Rosalino em 03/03/2022
Código do texto: T7464280
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