MINHA CASA, MINHA VIDA

 

Estou de pé, não sei como consegui, mas estou de pé. Estou em minha própria casa, apesar de vazia. Por que não sei, pelo menos não consigo lembrar se algo aconteceu e nem eu sei se algo realmente aconteceu. O que me recordo vagamente é que dormi profundamente. E antes de cair em profundo sono nada daí prá trás me vem a mente. Esquecimento? Demência? Como posso saber!? Mas tudo bem, estou aqui em pé, firme, dentro da minha casa, só não entendo porque ela está vazia se ainda ontem (acho que foi ontem, ou anteontem, não sei) ela estava com todos os móveis. A familia estava aqui, toda reunida, todo mundo alegre, conversando... peraí, começo a lembrar de alguma coisa! É isso! Senti algo estranho, será que passei mal? Mas estava todo mundo feliz, sorrindo, acho que comemorávamos algo, algum acontecimento, algum evento em família... Bem, o que importa é que agora estou bem, o que só me preocupa é a ausência do pessoal, da familia. Família? Eu disse família? Gente, acho que estou ficando louco, é isso. Mas enfim, estou em casa, mesmo sem nada dentro de casa, eu estou aqui, forte e firme, então vamos ver o que realmente está acontecendo, comigo e com minha casa.

 

As portas estão trancadas, janelas fechadas, a claridade, mesmo pouca, entra através das vidraças das janelas, duas que me lembro, uma que dar para a sala e outra lateral, que dar para o terraço. Lembro bem desse detalhe. E eu aqui parado fazendo o que? Vamos lá, rapaz, vamos explorar essa casa, adiante, abra a porta, escancare as janelas, vamos ver o que tem lá fora. Tentei, mas não consegui, chaves não tenho aqui comigo, como abrir então? Vá para as janelas, são só ferrolhos, abra-as - disse-me uma voz no meu consciente. E foi o que fiz, abri as janelas, mas esbarrei num problema, existiam grades de ferro, foi aí que me lembrei que eu mesmo mandei colocá-las por motivo de segurança. Impossível sair. Lá fora muito mato, ervas daninhas, algum lixo. Estranhei, pois eu gosto muito de limpeza e não ia admitir uma situação dessa. A frente da casa sempre esteve muito bem cuidada, capim aparado e agora vejo esse desmantelo. Outra voz soprou no meu ouvido, vá para a porta dos fundos, na cozinha. Fiz exatamente o que me mandou. Outra decepção, cadê abrir? Nada. Voltei prá sala, pelo menos estava arejada com as janelas abertas e dava para ver o mundo. Mas enfim, eu estava preso dentro da minha própria casa.

 

Me vi chorando com essa situação, me encostei na parede e deixei fluir todas as minhas lágrimas, estava entrando em total desespero. Fechei os olhos quando percebi que não existiam mais lágrimas, implorei para me recordar o porquê de tudo isso e instintivamente abri os olhos e me admirei, não estava mais dentro da casa e sim fora. Uma alegria repentina invadiu o meu peito, como foi possível isso? Mas isso não vem mais ao caso, o que interessa é que estou aqui fora, é hora de dar uma circulada e tentar entender tudo. Outra surpresa: me deparei com uma placa de "vende-se esta casa". Meu Deus, não é possível! Quem colocou essa placa aqui? Por acaso eu autorizei alguém vender minha casa? Que absurdo! Irritado tentei sem sucesso arrancar a placa e quem disse que consegui? Quiz voltar para dentro de casa, aí me lembrei que não tinha as chaves. Mas se eu saí, pensei, posso entrar também. Negativo, me enganei redondamente e ali fora fiquei imaginando uma forma de saber o que realmente estava acontecendo.

 

Fiquei horas ali sem nada poder fazer, a noite chegou, sono não senti, perambulei a toa, sem rumo, ali por perto, pois mais longe não conseguia. Vi a noite chegar, a madrugada também, o dia raiou e eu ali feito um desgramado, sem nada entender. Algum tempo depois vi que algumas pessoas se aproximavam e adentraram o jardim. Eram quatro pessoas, três homens e uma mulher e foram logo abrindo a casa, tentei intervir sem sucesso. Acompanhei-os e ouvi a conversa toda, diziam que o dono havia falecido há meses e que finalmente a casa foi vendida. Um dos homens saiu e retirou a placa e o pior de tudo é que ninguém me escutava e faziam de conta que não me viam. Estranhei tudo isso e aos poucos fui me acostumando e lembrando aos poucos o que de fato aconteceu. Ali, naquela casa, morou uma família, pessoas que foram felizes, porém chegou o dia que já era esperado e aquele que foi o dono dela, que ali nasceu e viveu, se apegou muito a ela e mesmo depois de morto nunca a abandonou.

Moacir Rodrigues
Enviado por Moacir Rodrigues em 27/04/2023
Reeditado em 27/04/2023
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