Hoje é o dia de minha morte.

Meu caro Brás Cubas,

Tenho que compartilhar contigo essa angústia. Hoje é o dia de minha morte.

Acordei, não quis me levantar. Levantei, não quis olhar pela janela. Olhei pela janela, mas não queria me importar como seria o dia. Importei-me e fiz todo o balanço diário de como seria o meu dia. Ouvi ao longe o som de um pássaro, que honestamente, não sei lhe dizer qual é, provavelmente seja um simples pardal - pardal, canta? - e nunca importância para ele. Foi justamente aí que percebi que hoje é o dia de minha morte. Passei a procurar o pássaro. Não encontrei. Desisti e retornei a minha rotina.

Sempre ouvi dizer, que sabemos o momento de nossa "hora". Por ficarmos mais sensíveis, perceber coisas que nunca demos importância. É certo! Hoje é o dia de minha morte.

Queria não ter que trabalhar, ter contato com ninguém, encarar chefes, subordinados, politicagens, nada! Quero morrer em paz (mesmo!).

No decorrer do dia, a angústia tomou conta de mim. Descobri que tenho medo da morte e já não tinha mais certeza se queria ficar sozinha realmente. Foi justamente neste momento, que me vi sozinha; sem amigos, nenhum telefone atende, funcionários foram embora, nenhum problema emergencial, ninguém no caminho de volta para casa, me parou para puxar conversar e questionar porque faz frio em pleno verão. Nem o motorista respondeu á minha cortesia de boa noite, antes de adentrar ao ônibus.

Eu estava sozinha, realmente. Percebi que não morreria em paz, justamente por estar sozinha.

De repente, vi que não realizei nada do que um homem deveria fazer na vida, pelo menos. Nunca plantei uma árvore. Nunca cheguei perto de ter um filho, aliás essa idéia sempre me repudiou. Várias tentativas frustradas de escrever um livro, ou seja, não escrevi um livro, por pior que fosse, nunca o fiz.

Não me contive, meu caro Brás, desatei a chorar. Incontrolavelmente. Chorava aos soluços.

Cheguei em casa e decidi antecipar a minha morte de uma vez e acabar logo com esse sofrimento. Não tive coragem. Receei que realmente os suicidas não têm seu lugar no paraíso mesmo. Que absurdo, nem religiosa nunca fui e agora estou me apegando á isso? Realmente, essa é a prova cabal, que hoje é o dia de minha morte.

Pelo menos, não deixarei problemas para ninguém: solteira, sem filho, sem dívidas, sem amores..., lamento por meus amigos e meus pais. Terei saudade deles! Aos montes.

Agora, faltam cinco minutos para meia noite. Daqui a pouco é amanhã. Tenho cinco minutos para morrer. A casa está quieta. Meu cachorro está na casa de meus pais - terei saudade dele também - silêncio na rua, estou sozinha com uma garrafa de vinho.

Não tenho idéia do que me espera. Não sinto medo mais, somente um misto de curiosidade com receio. Você sentiu isso também?

Ahhh! Como eu gostaria que você estivesse comigo para que eu pudesse me controlar mais.

Mas, um dia, quem sabe, poderemos sentar e conversar mais sobre esse assunto, não? Só não sei lhe dizer nem onde, nem quando.

Ironia da vida e da morte, não?

Bem, meu caro Brás, me despeço agora, que me resta apenas um minuto para concluir o meu destino/tarefa aqui. Realmente foi um prazer ler sobre ti, pude me preparar mais para este momento.

Obrigada e mande um abraço ao Machado por mim.

Até mais...