O recado

28 de Março de 1994. Meia noite. Cansado e com sono, depois de um dia inteiro de trabalho e das seis aulas do curso noturno, eu caminhava por uma rua deserta, quando algo muito estranho aconteceu.

A rua não estava com seu ar tipicamente refrescante, por onde vagavam minhas últimas dúvidas e reflexões do dia. Havia uma névoa esparsa encobrindo meus pensamentos e uma sensação profunda de medo me atordoava muito. Parecia um sonho, uma espécie de embriaguez da alma, que atingia meu subconsciente e o meu coração.

Uma mutação adversa às leis da ciência estava acontecendo. Meus olhos não absorviam mais a realidade e tudo que eu podia enxergar e sentir era uma escuridão e vazio profundos. Tive vontade de chorar, talvez por temer o que comigo acontecia. Era como se a vida e o mundo estivessem escorrendo pelas minhas mãos. Fechei meus olhos e, com muito esforço, resisti e não chorei.

Como em um grande passe de mágica, todos os momentos decisivos da minha vida voltavam à lembrança. Todos os acertos, os erros imperdoáveis, as vitórias, as derrotas... Tudo que se passara comigo, desde a infância estavam ali, dentro dos meus olhos fechados, numa grande reprise.

Uma suave emoção começou a tomar conta do meu ser, que agora estava calmo. Meu corpo parecia flutuar pelo céu guiado pela brisa do anoitecer, rumo a um lugar que eu desconhecia. Revigorado, abri meus olhos e me maravilhei.

Estava em uma espécie de jardim. Várias pessoas que eu não conhecia me cercavam sorridentes, parecendo uma recepção. Um senhor bem idoso veio ao meu encontro, quando perguntei onde estava e o que havia acontecido comigo.

Com ternura paternal ele afagou meu rosto e disse que logo tudo iria terminar. Ele tinha um recado dos meus avós paternos: que eles estavam bem, que nos amavam muito e que um dia estaríamos todos juntos novamente. Sem compreender o que estava acontecendo caí de joelhos ao chão e pus-me a chorar como uma criança. Escutei alguém dizer "fique em paz", mas não tive coragem de me levantar.

Quando parei de chorar, percebi que estava de volta a rua onde tudo começara, com uma lua magnífica assistindo a todo aquele transe. Levantei-me e corri o mais rápido que pude para casa. Ao entrar na sala, deparei-me com os meus pais abraçados e chorando. Finalmente eu compreendia o recado dos meus avós...

Aquela não era a hora de dizer o que comigo acontecera. As palavras seriam em vão. Calei-me. A única coisa que fiz foi abraçar meu pai fortemente, mostrando o quanto o amava e respeitava. E assim, ele se acalmou.

Após algum tempo eu contei aos meus pais sobre o recado dos meus avós. Tudo ouviram sem dizer uma única palavra. Meu pai, nitidamente abalado, beijou o meu rosto, agradeceu e disse: "Ainda bem que eu tenho vocês. A vida continua!"

Muitos anos se passaram e agora estamos nos mudando. Essa é provavelmente a última vez que passo por esta rua misteriosa. Vou embora com lágrimas no rosto, levando para sempre na mente e no coração, esta inesquecível lembrança.

Profeta dos Sonhos
Enviado por Profeta dos Sonhos em 29/01/2008
Reeditado em 30/01/2008
Código do texto: T837114
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