Semiótica da loucura.

Já isso...

Chegou-me e fez-se despretendida. Averigüei-a por todos os recônditos, enquanto espalmava as mãos brancas, saltando fora do manto negro. Mandei que se despisse, despiu-se. Apalpei-a e a soturnidade invadiu-me o corpo. Cor e cheiro de morte: só podia ser a Morte!

Pôs-se a saltitar, fagueira, pelo caminho torto - toda de quatro na contramão que indiquei. Lasciva, cria enganar-me, e, delirava com uma saída para o infinito, um bom pedaço dos meus verdes mares. Dei-lhe. Desafinou a voz e se meteu no silêncio fundo a sonhar com um da raça superior.

Surrei-lhe inteira, espalhei esmegma em cada recanto da cara e avisei que ao primeiro sinal de recusa, tomar-lhe-ia as praias presenteadas. Cerrei os olhos, como a deixar a oxitocina inundar-me o espírito. Foi o bastante para esvair-se! Desapareceu. Chamei, chamei, chamei... Nada.

Mas, eu sentia sua presença lúgubre, o ruflar do manto preto, como feito em asas gigantes. Assustei-me e corri desvairadamente. Desejava livrar-me daquela sensação de estar sendo cuidado, ao alcance de alguém que tinha o poder de se encantar. Bati em retirada!

Quando as pernas não mais agüentavam o corpo exausto, desmoronei aos pés do angico seco. Ela, a Morte, embrulhou-me no seu manto funesto, e, feito um pacote, jogou-me aos ombros. Ruminei a agonia de nem poder chorar. Tão altivo, ferrenho, viril, pau na mão... De súbito, passageiro do pânico, empacotado, subserviente à carranca que me levava aos confins do nada, ao vácuo longo/escuro de não mais existir.

Uma gruta gigantesca cavada pelas garras da desertificação e dois penhascos descomunais, pedregulhos esmaecidos, detritos desbotados de vidas toscas... E ferindo o silencio, a insuportável retórica a estuprar-me os ouvidos. Preferia ao silencio que aqui/ali era interrompido por grunhidos quase satânicos. Pedi por deus, por todos os santos, entretanto, que retórica não, criatividade sim. Não desnudes – pedi – a parte que mais maquio na alma humana, nordestina sobremaneira: a bestialidade.

Prisioneiro da Morte que, agora, dormia. Dormia e transmutava-se: cresciam os dentes, ruídos barulhentos nasciam em seus ossos e eclodiam pelos poros, os pés agigantavam-se num formato redondo, os olhos arregalavam ameaçando saltar, da glabela surgia um chifre que foi crescendo, crescendo, até atingir boas polegadas. E dormiu, dormiu profundamente...

Vinha lá, vencendo os pedregulhos, entre árvores mortas – mais atrás o retábulo do inferno – uma moça, não era bem uma moça, era um rapazinho. Também não era um rapaz, era uma dessas criaturas que nascem nos becos do Brasil e afloram nas avenidas paulistanas. Lá vinha: quadril para a direita, quadril para a esquerda, como se hesitasse pisar aqui, melhor pisar ali; se nisso havia alguma diferença, só ele/ela sentia. Os braços, sem rumo definido, flutuavam derredor. Quem sabe pretendia voar? Cantarolava assim:

Medo, medo,

Meu boi morreu

Mande buscar outro

Maninha

No Piauí...

Óbvio que eu respondi que queria ajuda: desaprisionou-me e disse que eu fugisse, então, daquele lobisomem encantado, nojento.

Acordei louco para enfiar os caninos numa jugular!

Antonio Jota/UNIP

Redação/Simone