“GLÓRIA” CANTADA EM VERSOS -80 ANOS DE EMANCIPAÇÃO POLÍTICA

Peço licença aos senhores,

Poetas do meu sertão,

Versejadores guerreiros,

Que expõem a vida em cordão,

Valorosos menestréis

Que da lira dos cordéis

Retiram seu ganha-pão.

Para a seara de versos

Do trovador popular

De minha terra a história

Pretendo agora cantar,

Pois é seu aniversário

E é justo e necessário

Suas glórias relembrar.

Essa Senhora formosa,

Que em versos homenageio,

Tem agora oitenta anos.

É por isso que anseio,

Rebuscando na memória,

Descrever-lhe a trajetória

Sem fazer muito rodeio.

Inspirados pela Musa,

Sublimes sejam meus versos.

Que toquem os corações

Dos patrícios mais diversos

E os convidem a celebrar

Sua terra e seu lugar

Nestes tempos adversos.

No ano de vinte e oito,

Ela foi emancipada.

Nossa Senhora da Glória,

Foi assim denominada.

Crescendo na região,

Por Capital do Sertão

Já é hoje consagrada.

Acontece que a história

É um pouco mais antiga:

Não começa em vinte e oito,

Meu amigo, minha amiga.

Oitenta anos contados

São só os emancipados

Dos anos desta cantiga.

Era o último quartel

Do século dezenove.

Tangido pelos tropeiros,

O gado se locomove

Desbravando a região.

Adentra mata e sertão,

Coragem que nos comove.

Os tropeiros, no entanto,

Temiam seguir viagem

Durante a noite, com medo

De topar com uma visagem.

E ali faziam pousada,

Na boca da mata armada,

Assombrados com a paisagem.

Pernoitavam ali na boca

Da mata alta e fechada.

Então, por Boca da Mata

Começou a ser chamada.

E os que iam pro sertão,

Ao passar na região,

Já conheciam a ranchada.

Francisco Teles Trindade,

Conhecido por Xixiu,

Dizem que foi o primeiro

Que por ali residiu.

Foi dele a primeira casa

Com fogão de lenha e brasa,

Assim contava quem viu.

Nossa primeira capela

Em mutirão foi erguida.

Seu Xixiu doou o chão

Onde ela foi construída,

Elevando a auto-estima

Deste povo, e Padre Lima

Agradeceu toda a vida.

Francisco Gonçalves Lima

Trouxe o sino da capela,

A imagem da santa, e disse:

- Louvaremos muito a Ela:

Nossa Senhora da Glória!

O fato ficou na história.

Eu digo e não é balela!

A chegada desta Santa,

Para nos abençoar,

Deu origem a uma festa

De beleza singular:

A Festa da Padroeira,

Que é mostra verdadeira

Das tradições do lugar.

Mil novecentos e cinco,

Um ano que fez história:

Aconteceu a primeira

Das Festas de Reis em Glória,

Com bazares, cabacinhas,

Quermesses e ladainhas,

Que ficaram na memória

E sete anos depois,

Um bispo, em Santa Missão,

Fundou nosso Apostolado

De amor, de fé, de Oração.

Era Dom José Thomaz,

Que, feliz, trazia a paz

Pela nossa devoção.

Boca da Mata crescia,

Já não era um arraial.

E em dezoito foi criada

Nossa Banda Musical.

Maestro Brás comandava

E a banda executava

Melodias sem igual.

No ano de dezenove,

A feira foi transferida.

E deixou a Rua Velha,

Dando à Rua Nova vida.

Crescia, tinha fartura,

Ali, onde a Prefeitura,

Em trinta, foi construída.

Boca da Mata era ainda

O nome do povoado,

Só mudou em vinte e dois,

Pois passou a ser chamado

Nossa Senhora da Glória.

Foi a linha divisória

Do presente com o passado.

Ainda assim, tudo em Glória

De Gararu dependia,

Pois ainda era comarca

Dessa dita freguesia.

Contenda judicial

E até matrimonial

Aqui não se resolvia.

Nossa Emancipação

Só depois aconteceu.

No ano de vinte e oito,

Foi então que ela se deu.

Quando vila nos tornamos,

Foi aí que começamos

A fazer nosso apogeu.

Mas as marcas do progresso

Já se faziam notar:

Bem antes de vinte e oito,

Primeiro, se viu chegar

A Agência dos Correios,

Satisfazendo os anseios

Do povo deste lugar.

No ano de vinte e quatro

Começou a funcionar,

Foi Dona Aurora Doufina

A primeira titular.

Cartas iam e chegavam

E as famílias se animavam,

Para se comunicar.

Glória, agora emancipada,

De um prefeito precisava.

Na época, era intendente

Que este se denominava.

Não havia a eleição

E era por indicação

Que este processo se dava.

Em vinte e nove assumiu

Nosso primeiro intendente:

João Francisco de Souza.

Este governou somente

Um ano de seu mandato,

Pois não era o candidato

Do lado do Presidente.

Embora não tenha sido

Muito longa essa gestão,

Foi no mesmo ano dela

Que se fez a invasão.

Quem participou da história

Não apaga da memória

O bando de Lampião.

Em abril daquele ano,

Bem no meio de uma feira,

Lampião entrou em Glória.

Essa história é verdadeira!

Teve gente, apavorada,

Fugindo bem apressada

Com medo da cabroeira.

Mas Capitão Virgolino

Não fez jus à sua fama

De alma torpe, perversa.

Não matou, não criou drama,

Pegou dinheiro e animais,

Tendo enchido os embornais,

Foi juntar-se à sua dama.

Os que viram até contam

Que ele aqui comprou fazenda,

Que deu moeda às crianças,

Até parece que é lenda!

Sua barba foi fazer

E, antes de anoitecer,

Partiu sem criar contenda.

Valdemar Bispo dos Santos,

O pai que meu pai amou,

Que era homem da volante

E nunca se amedrontou,

Foi em muita diligência,

Mas graças à Providência

Com Lampião não topou!

Bem pior que Lampião

Veio acontecer depois.

Falo da devastação

Da seca de trinta e dois.

Foi grande a calamidade:

Fome, dor, necessidade,

Perda de safra e de bois.

Em março de trinta e oito,

Pra nossa felicidade,

Por Decreto, nossa vila

Foi elevada a cidade.

Glória, ainda menininha,

Dez anos - era o que tinha!

Ganhava notoriedade.

A cidade foi crescendo

Pouco a pouco, mais e mais,

Revelando as mais diversas

Das tradições culturais:

Reisados e cavalhadas,

Penitentes, vaquejadas,

Mil belezas regionais.

Quem animava o reisado,

Era Dona Moreninha.

Saudosa Dona do Baile,

Mais animada não tinha!

O Mateu era Seu Bento,

Um Caboclo de talento,

Gente boa da terrinha.

A meninada adorava

Quando o Boi aparecia

Indo pra cima do povo

Que, em gargalhadas, corria.

Brincadeira divertida!

Parecia até que a vida

Era só festa e alegria.

Quem viveu naqueles tempos

De noites enluaradas

Lembra com saudade imensa

Das famosas Cavalhadas:

Cavaleiros enfeitados

Disputavam animados

As argolas penduradas.

Os cavaleiros saíam

Da frente da nossa igreja.

Galopavam apressados,

Na disputa, na peleja,

Desejosos da vitória.

Nobres orgulhos de Glória,

Da cultura sertaneja!

Por aqui ainda existem

Heranças das Cavalhadas.

São as corridas de argolas,

As famosas vaquejadas,

E as corridas de mourão,

Preservando a tradição

De terras abençoadas.

Um dos grandes predicados

Do povo deste lugar

Sempre foi a devoção,

Isso ninguém vai negar.

E as pessoas respeitavam

Quando, nas ruas, passavam

Penitentes a rezar.

De mortalhas, pés descalços,

Numa branca procissão,

Dirigiam-se à Igreja

Toda Sexta da Paixão

Muitos devotos ardentes,

Fervorosos Penitentes

Em profunda comoção.

Ninguém ouvia tocar

O sino naquele dia,

Pois o convite aos fiéis

Na matraca se fazia.

Missa não se celebrava,

O povo apenas rezava,

E o perdão a Deus pedia.

Todas essas tradições

De nossa rica cultura

Precisam ser preservadas

Para a geração futura,

Pois algumas se acabaram

Quando os velhos as levaram

Consigo pra sepultura.

Não podemos permitir

Que o tempo apague a memória

E se perca nas lembranças

Todo o passado de Glória,

Pois um povo só é forte

Quando escreve sua sorte

Nas tramas de sua história.

Alguns sábios glorienses

Sua parte estão fazendo

Não deixando que a cultura

Vá, pouco a pouco, morrendo.

Veja o trabalho eficaz

Que Dona Janete faz

E o reisado vem mantendo.

Um desses meus conterrâneos,

Com muita dedicação,

Guarda vestígios de Glória.

É Véio, nosso artesão.

Que, com afã visionário,

Num trabalho solitário,

Fez o Museu do Sertão.

O poeta Gauchinho,

Mestre da Literatura,

Nos cordéis faz sua parte:

Preserva nossa cultura.

Registra fatos passados

Em seus versos engraçados,

Estimulando a leitura.

Falando em Literatura

Como posso não lembrar

Do grande Vicente Honório,

Um poeta popular

Que encantava nossa gente,

Vibrando seu verbo ardente,

Quando se punha a falar.

Os versos desse poeta

Nós podemos conhecer,

Pois José Carlos de Sousa,

Dedicado a escrever

Sobre os fatos da história

De Boca da Mata a Glória,

Registros veio a fazer.

Quem já veio à nossa terra

Participar de um leilão,

Dos mais famosos que havia,

Notórios, no meu sertão,

Ouviu os versos ligeiros

Do maior dos pregoeiros

De toda essa região.

Esse grande trovador

De nossa terra querida:

O saudoso Seu Noel,

Que Deus lhe dê acolhida!

Pois foi sempre muito honrado,

Um devoto dedicado,

Um grande exemplo de vida.

Seu Noel não tinha estudos

Nem anel de formatura,

Mas com os versos que fazia

Enriquecia a cultura

Deste pedaço de chão.

E a Capital do Sertão

Herdou-lhe a Literatura.

Ainda nestes meus versos,

Quero homenagear

Outro ilustre gloriense,

Compositor popular:

Nosso amigo Zé Pereira,

Que não é de brincadeira

Quando o assunto é versejar.

Mas voltemos à história,

Pois há muito pra contar.

Lá na década de trinta,

Como posso não falar?

Glória conheceu motores,

Os seus primeiros vapores

E o rádio, pra se informar.

Na década de cinqüenta,

Monte Alegre foi criado.

Perdemos parte das terras

Com o decreto sancionado.

Mas fomos desenvolvendo,

O comércio foi crescendo,

Fizemos nosso Mercado.

Quem construiu o Mercado

Mais que isso foi fazer,

Pastor Nelson Bonaparte,

Por missão e por prazer,

O povo daqui conquista

E funda a Igreja Batista

Fazendo a fé florescer.

Depois, em cinqüenta e nove,

A Paróquia foi criada.

Com nosso Padre Amaral

Começou sua jornada,

Aumentando a devoção

Do povo deste sertão,

Dessa gente abençoada.

Na década de sessenta,

Muita coisa aconteceu.

Houve abertura de estradas,

Glória então foi que cresceu!

Água encanada chegava,

Luz a todos animava,

E o progresso apareceu.

DNOCS abrindo açudes,

Nossa feira ia crescendo,

Foi a nossa educação,

Aos poucos, desenvolvendo,

Fundou-se o Colégio Glória,

O Vascore fez história,

Bancos foram aparecendo.

Foi o Banco do Brasil

O primeiro a chegar,

Movimentando o dinheiro

Do povo deste lugar.

A ANCARSE também chegou.

Seu trabalho começou

A agricultura ajudar.

Muita gente de valor

Pisou neste meu sertão:

Um ilustre brasileiro

Merece nossa atenção,

O maior dos sanfoneiros,

De todos os forrozeiros:

Gonzaga, o Rei do Baião!

Em plenos sessenta e quatro,

Gonzagão parou a feira,

Cantando a Triste Partida,

Calor de rachar moleira!

Se apresentou no coreto,

Não quis cantar Assum Preto,

Deu carão em Zé Pereira.

Na década de setenta,

A seca a tudo assolava,

Mas, para nos ajudar,

Da Bélgica ele chegava:

O Padre Leon Gregório,

Que, sem muito falatório,

As mangas arregaçava.

Pôs-se logo a trabalhar

Este padre abençoado.

Muitas obras sociais

Promovia, abnegado.

Não só das almas cuidava,

Também do corpo tratava,

Sempre muito dedicado.

Fez creche, jardim de infância

Para o seu povo carente.

Cuidou também da saúde,

Deu casa pra muita gente,

Distribuiu alimentos,

Atenuou sofrimentos,

Cuidou de são e doente.

No fim dessa mesma década

Nosso comércio crescia.

Com o G Barbosa chegando,

Novos empregos havia.

O BANESE também veio

Para atender ao anseio

De quem aqui investia.

No ano de oitenta e um

O BNB chegava

Abrindo linhas de crédito

Para quem necessitava.

Do pequeno produtor

E do grande agricultor

Projetos financiava.

O BNB chegou

Homenageando Glória.

Lançando um pequeno livro,

Contou nossa trajetória.

Registro muito importante,

Documento interessante,

Resgate de nossa história.

Na década de noventa,

Atingimos o apogeu.

Das cidades de Sergipe,

Foi Glória a que mais cresceu!

Com o comércio em expansão,

Conquistou a região

E o sertão desenvolveu.

Um salto de qualidade

Deu a nossa educação

Quando a Universidade

Chegou nessa região.

Quem conhece olha e vê

O papel que o PQD

Desempenhou no sertão.

Nossa feira continua

A maior da redondeza.

Quem viaja por Sergipe

Conhece nossa grandeza.

Nosso povo é educado

Trabalhador, dedicado

E honesto por natureza.

E assim Glória continua

Seguindo sua jornada.

Tem tudo pra crescer mais

E ser muito mais amada

Pelos filhos que gerou

E pelos que ela adotou,

Ao longo da caminhada.

É sempre bem recebido

Quem vem cá nos visitar.

O turista que aqui chega

Sabe, um dia, vai voltar,

Pois reconhece o valor

Deste povo acolhedor,

Das belezas do lugar.

Vem provar da umbuzada

Da famosa Dona Nena,

Vai ao Palácio das Artes,

Visita que vale a pena,

Vem comer jaca na feira,

Compra artigos de primeira

E volta de alma serena.

Come iogurte do leite

De nossa cabra leiteira,

Conhece o Museu de Véio:

Só Arte feita em madeira,

Se diverte e dá risadas

Com as histórias cantadas

Por Gauchinho na feira.

Há muitas coisas bonitas

Aqui para apreciar.

Não consigo falar todas,

Sempre algo vai faltar!

Só mesmo nos visitando,

Conhecendo e se encantando

Com nosso lindo lugar.

Nem tudo são maravilhas,

É bom mesmo que se diga!

Também há muitos problemas

Com os quais o povo briga,

Porém males, miudezas,

Os pesares e as tristezas

Não cabem nesta cantiga.

É momento de alegria,

De pura satisfação!

Nosso povo comemora,

Do fundo do coração,

De Glória o aniversário,

Iluminando o cenário

Da Capital do Sertão.

Glória agora é uma Senhora

Com oitenta anos de idade.

Em dois mil e oito todos

Comemoram à vontade

Sua história de sucesso

E a promessa de progresso

Pra o futuro da cidade.

Um de seus humildes filhos

Vem lhe homenagear.

Sem pretensões a poeta,

Mas, pondo-se a versejar,

Descreveu-lhe a trajetória:

Oitenta anos de Glória,

Para o povo se lembrar.

Jornada de luta e paz,

Onde o amor se fez vitória!

Roteiro que à luz nos traz,

Galante, forte, tenaz,

Este meu povo de Glória!

Há muito que esta história

Em meu peito pulsa forte!

Não é acaso nem sorte

Reviver esta memória!

Irmãos, nesta trajetória,

Queremos, sem preconceito,

Unir o certo ao Perfeito

E pedir: Deus salve Glória!

abril de 2008

SIGLAS UTILIZADAS

DNOCS – Departamento Nacional de Obras Contra as Secas.

ANCARSE – Associação Nordestina de Crédito e Assistência Rural de Sergipe, posteriormente denominada EMATER-SE, EMDAGRO e, atualmente, DEAGRO (Departamento Estadual de Desenvolvimento Agropecuário de Sergipe).

BANESE – Banco do Estado de Sergipe.

BNB – Banco do Nordeste do Brasil.

PQD – Projeto de Qualificação Docente – pólo da Universidade Federal de Sergipe que se instalou em Glória (de 1997 a 2007) e ofereceu cursos de Licenciatura a professores públicos da região.

BIBLIOGRAFIA

BEZERRA, Felte. Etnias Sergipanas. Aracaju, J. Andrade, 1984. (1ª ed. 1949).

DIAGNÓSTICO PARTICIPATIVO DE NOSSA SENHORA DA GLÓRIA. SEBRAE/DLIS. N. Sra. da Glória, 2001.

NOSSA SENHORA DA GLÓRIA. BNB. N. Sra. da Glória, 1982.

SOUSA, J. C. de. Discurso do Homenageado. Discurso proferido em Sessão Solene da Câmara Municipal de N. Senhora da Glória, em 30 de setembro de 2005, por ocasião da entrega da Medalha do Mérito Legislativo ao Sr. José Carlos de Sousa.

SOUSA, Leunira B. S. e LIMA, L. S. Nossa Senhora da Glória e Sua História. N. Sra. da Glória, 1978.

ENTREVISTAS

SANTOS, Antônio Maurício.

SANTOS, Valdemar Bispo dos.

SANTOS, Jorge Henrique Vieira. "Glória" Cantada em Versos. Aracaju: Gráfica Editora J. Andrade. 2008.

Copyright©2008 by Jorge Henrique Vieira Santos

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