MÃE(baseado em fatos reais)
-01-
M Ã E
Não há no mundo alguém
Que você julgue mais santa
Mesmo sendo ela má,
Prostituta, sacripanta,
Você, o filho, acredita
Em seu caráter impoluto
Se alguém a ela ofende
Você revida o insulto.
Mãe Santa do Altar
Mãe Santa da cozinha
Aquela mulher ditosa
Sempre tão boazinha,
Que cuida tão bem do filho
Dando amor e seu carinho,
Mesmo estando interessada
Em flertar com o vizinho.
Ela não mistura as coisas,
Sabe de suas funções
Ser mãe é uma delas
E tem outras emoções,
Mas para cada setor
Ela age de uma forma
Sempre dentro da lei
Acatando esta norma.
Namorado é namorado
Filho é coisa que fica,
Não importa se é pobre
Muito menos se é rica,
A mãe se apega a sua cria
E dela não se separa
Seu bebê é para ela
A coisa mais doce e cara!
Os filhos por sua vez
São cheios de preconceitos
Não vêem que sua mãe
Também tem seus defeitos,
Querem que a coitada
Se isole de tudo
E sempre mostre a todos
Um rosto triste, sisudo!
Lindaura era fogosa
Doidinha por um baião
Quando no rádio tocava
Rebolava no salão
O filho dizia, mãe
“Fique com o corpo parado
pois eu morro de ódio
desse seu peneirado”!
Seu motor já não é novo
E isso é muito feio,
Quando a senhora começa
É uma coisa sem freio,
Seu acelerador, coitado!
Vai a mais de cem
Chia e estala
Com os defeitos que tem!
O marido de Lindaura
Era tão cheio de moca
Não queria que a mulher
Se metesse em fofoca
“Seu lugar e na cunzinha
ajeitano o dicomê,
no tanque lavano roupa,
assim é que deve ser”.
Lindaura não se importava,
Tinha sonhos e fantasias
E pensava, com prazer
Realizá-las um dia.
Sonhava estar em Marrocos
Dançando a dança do ventre
Ou na boate do Zehn
Enrolada em uma serpente!
Ninguém pode impedir
A nossa imaginação
Não há barreiras que possa
Impedir o coração
De palpitar, prazeroso
Pelas coisas de emoção
É forte, muito forte
O impulso da paixão.
Rosimira era outra
Excelente professora
Tinha voz muito bonita
Pretendia ser cantora,
O marido possessivo
A ela disse um não
Afirmando que a mulher
Já tinha uma profissão.
Nos tempos das eleições
Pensou ser vereadora
Arranjando muitos votos
Sempre tão encantadora!
O marido revoltado
Disse-lhe: pare com isso
É comigo e com seus filhos
Que você tem compromisso
Ditosa era outra velha
Largada do marido
Mas sonhava encontrar
Um namorado querido,
Encantou-se ao ver
Um tal de Seu Vicente
Um velho todo fogoso
Sem a metade dos dentes.
Os filhos quando souberam
Armaram uma confusão!
Amarraram a pobre velha
Lá nas bocas do fogão
E um deles disse assim:
“Vê se agora se endireita
Com um castigo desses
A senhora se ajeita!”
Ditosa falava alto
Externando seus pensamentos
Os filhos que ela amava
Lhe davam só sofrimentos.
Perguntava a si mesma:
“Será que eu estou errada?
Será que meu pecado
É estar apaixonada?”
Seu Vicente quando soube
Do sofrer de sua amada
Mandou-lhe mais que depressa
Uma carta apaixonada:
“Minha doce querida
Seu penar hoje finda,
Quer fugir comigo
Lá para Nova Olinda?”
Ditosa pulou o muro
Com muita dificuldade
Cheia de reumatismo
Coisas mesmo da idade
O que levava na bolsa
Pra usar durante a fuga
Era uma camisola preta
E um creme anti-rugas.
Amor de velho é tão forte,
É pior que o de novo
Conheço bem a matéria
Reverencio e louvo.
Se vai por dentro do mato
“Nos peitos torando a jurema”
Não há nada perigoso
Que o apaixonado tema.
O velho ao ver Ditosa
Disse “a noite hoje é de festa!”
Eu vou começar meu bem
Dando um beijo em sua testa,
Vamos sair daqui
Desse lugar escuro
Vou colocar você
Em um lugar bem seguro!
Os filhos quando souberam
Que a velha tinha fugido
Queimaram a sua roupa
Fazendo grande alarido:
“Nem mermo em mãe
Se pode mais confiar
Arrigule por aí
Cuma é que o mundo
No outro dia encontraram
Uma bela anotação
Lá na lavanderia
Numa barra de sabão:
“Adeus filhos queridos
Vocês já estão criados
Vou seguir o coração
E as pegadas do amado”.
Os comentários na rua
Eram os piores possíveis,
Falavam de Ditosa
Tantas coisas horríveis!
Diziam que a coitada
Tinha um caráter tão baixo
Que mesmo com o marido
Ela andava atrás de macho!
Foi por isso que Seu Caindo
Deixou aquela nojenta
Levá chife desse jeito
Hôme ninhum agüenta,
Partiu para São Paulo
E num veio mais de lá
Deixando um monte de fio
Pela sozinha criá!
“Cada um tem um pai”
Dizia outra pessoa,
___ Ela sempre foi tarada
Uma muié a toa!
Só vivia de bucho
E do marido num era,
Isso é lá jeito
De uma muié séra?
Outro caso muito triste
Foi o caso da Celinha
Que gostava de usar
Umas roupas bem curtinhas.
Seus filhos disseram: “Veia
Vê se veste outra roupa
Pois de sua bunda mucha
Os hôme tão vendo a popa!”
Celinha não gostou
Da propaganda negativa.
“Sou mio que suas muiés”,
Disse com voz altiva.
“Vocês mim respeite
E ouçam mais uma vez,
Eu sou mais aprumada
Qui a minha nora Inês!”
Os filhos pegaram sua roupa
Desmancharam o abanhado
Rasgaram os shorts dela
Foi pano pra todo lado,
Mandaram trazer a burka
Lá do Afeganistão
Pra ela sair à rua
Também veio um camisão.
Detinha apaixonou-se
Por um rapaz de trinta
Um garoto folgazão
E muito boa pinta,
Os filhos quando souberam
Foi o maior barraco,
Quase pegam a velha
E transformam ela em caco.
“Ele só quer o dinheiro
De sua aposentadoria
Depois deixa a senhora
E sai fazeno anarquia,
Vai dizer: papei a veia
E tomém o dinheiro dela
E agora bem quietinho
Eu saio pela janela”.
Dêxe de se incomodar
Eu tô muito sastisfeita
Mermo que ele um dia
Me faça uma tá desfeita
Nada é eterno
E eu também num sô
Quero neste momento
Curtir o meu novo amô.
Parabéns mulherada
Pelo que vocês têm feito
Continuem assim
Buscando os seus direitos.
Nós também somos gente
Temos alma e coração
Não somos objetos,
Rádio ou televisão.
E assim cada uma de nós
Vamos enfrentando a vida
Mas nunca nos demos
Esta luta por perdida.
Vamos de bandeira branca,
Buscar um lugar ao sol
Há sempre uma esperança
Nesse novo arrebol.
09/06/2002 ____ Lumdore