MÃE(baseado em fatos reais)

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M Ã E

Não há no mundo alguém

Que você julgue mais santa

Mesmo sendo ela má,

Prostituta, sacripanta,

Você, o filho, acredita

Em seu caráter impoluto

Se alguém a ela ofende

Você revida o insulto.

Mãe Santa do Altar

Mãe Santa da cozinha

Aquela mulher ditosa

Sempre tão boazinha,

Que cuida tão bem do filho

Dando amor e seu carinho,

Mesmo estando interessada

Em flertar com o vizinho.

Ela não mistura as coisas,

Sabe de suas funções

Ser mãe é uma delas

E tem outras emoções,

Mas para cada setor

Ela age de uma forma

Sempre dentro da lei

Acatando esta norma.

Namorado é namorado

Filho é coisa que fica,

Não importa se é pobre

Muito menos se é rica,

A mãe se apega a sua cria

E dela não se separa

Seu bebê é para ela

A coisa mais doce e cara!

Os filhos por sua vez

São cheios de preconceitos

Não vêem que sua mãe

Também tem seus defeitos,

Querem que a coitada

Se isole de tudo

E sempre mostre a todos

Um rosto triste, sisudo!

Lindaura era fogosa

Doidinha por um baião

Quando no rádio tocava

Rebolava no salão

O filho dizia, mãe

“Fique com o corpo parado

pois eu morro de ódio

desse seu peneirado”!

Seu motor já não é novo

E isso é muito feio,

Quando a senhora começa

É uma coisa sem freio,

Seu acelerador, coitado!

Vai a mais de cem

Chia e estala

Com os defeitos que tem!

O marido de Lindaura

Era tão cheio de moca

Não queria que a mulher

Se metesse em fofoca

“Seu lugar e na cunzinha

ajeitano o dicomê,

no tanque lavano roupa,

assim é que deve ser”.

Lindaura não se importava,

Tinha sonhos e fantasias

E pensava, com prazer

Realizá-las um dia.

Sonhava estar em Marrocos

Dançando a dança do ventre

Ou na boate do Zehn

Enrolada em uma serpente!

Ninguém pode impedir

A nossa imaginação

Não há barreiras que possa

Impedir o coração

De palpitar, prazeroso

Pelas coisas de emoção

É forte, muito forte

O impulso da paixão.

Rosimira era outra

Excelente professora

Tinha voz muito bonita

Pretendia ser cantora,

O marido possessivo

A ela disse um não

Afirmando que a mulher

Já tinha uma profissão.

Nos tempos das eleições

Pensou ser vereadora

Arranjando muitos votos

Sempre tão encantadora!

O marido revoltado

Disse-lhe: pare com isso

É comigo e com seus filhos

Que você tem compromisso

Ditosa era outra velha

Largada do marido

Mas sonhava encontrar

Um namorado querido,

Encantou-se ao ver

Um tal de Seu Vicente

Um velho todo fogoso

Sem a metade dos dentes.

Os filhos quando souberam

Armaram uma confusão!

Amarraram a pobre velha

Lá nas bocas do fogão

E um deles disse assim:

“Vê se agora se endireita

Com um castigo desses

A senhora se ajeita!”

Ditosa falava alto

Externando seus pensamentos

Os filhos que ela amava

Lhe davam só sofrimentos.

Perguntava a si mesma:

“Será que eu estou errada?

Será que meu pecado

É estar apaixonada?”

Seu Vicente quando soube

Do sofrer de sua amada

Mandou-lhe mais que depressa

Uma carta apaixonada:

“Minha doce querida

Seu penar hoje finda,

Quer fugir comigo

Lá para Nova Olinda?”

Ditosa pulou o muro

Com muita dificuldade

Cheia de reumatismo

Coisas mesmo da idade

O que levava na bolsa

Pra usar durante a fuga

Era uma camisola preta

E um creme anti-rugas.

Amor de velho é tão forte,

É pior que o de novo

Conheço bem a matéria

Reverencio e louvo.

Se vai por dentro do mato

“Nos peitos torando a jurema”

Não há nada perigoso

Que o apaixonado tema.

O velho ao ver Ditosa

Disse “a noite hoje é de festa!”

Eu vou começar meu bem

Dando um beijo em sua testa,

Vamos sair daqui

Desse lugar escuro

Vou colocar você

Em um lugar bem seguro!

Os filhos quando souberam

Que a velha tinha fugido

Queimaram a sua roupa

Fazendo grande alarido:

“Nem mermo em mãe

Se pode mais confiar

Arrigule por aí

Cuma é que o mundo

No outro dia encontraram

Uma bela anotação

Lá na lavanderia

Numa barra de sabão:

“Adeus filhos queridos

Vocês já estão criados

Vou seguir o coração

E as pegadas do amado”.

Os comentários na rua

Eram os piores possíveis,

Falavam de Ditosa

Tantas coisas horríveis!

Diziam que a coitada

Tinha um caráter tão baixo

Que mesmo com o marido

Ela andava atrás de macho!

Foi por isso que Seu Caindo

Deixou aquela nojenta

Levá chife desse jeito

Hôme ninhum agüenta,

Partiu para São Paulo

E num veio mais de lá

Deixando um monte de fio

Pela sozinha criá!

“Cada um tem um pai”

Dizia outra pessoa,

___ Ela sempre foi tarada

Uma muié a toa!

Só vivia de bucho

E do marido num era,

Isso é lá jeito

De uma muié séra?

Outro caso muito triste

Foi o caso da Celinha

Que gostava de usar

Umas roupas bem curtinhas.

Seus filhos disseram: “Veia

Vê se veste outra roupa

Pois de sua bunda mucha

Os hôme tão vendo a popa!”

Celinha não gostou

Da propaganda negativa.

“Sou mio que suas muiés”,

Disse com voz altiva.

“Vocês mim respeite

E ouçam mais uma vez,

Eu sou mais aprumada

Qui a minha nora Inês!”

Os filhos pegaram sua roupa

Desmancharam o abanhado

Rasgaram os shorts dela

Foi pano pra todo lado,

Mandaram trazer a burka

Lá do Afeganistão

Pra ela sair à rua

Também veio um camisão.

Detinha apaixonou-se

Por um rapaz de trinta

Um garoto folgazão

E muito boa pinta,

Os filhos quando souberam

Foi o maior barraco,

Quase pegam a velha

E transformam ela em caco.

“Ele só quer o dinheiro

De sua aposentadoria

Depois deixa a senhora

E sai fazeno anarquia,

Vai dizer: papei a veia

E tomém o dinheiro dela

E agora bem quietinho

Eu saio pela janela”.

Dêxe de se incomodar

Eu tô muito sastisfeita

Mermo que ele um dia

Me faça uma tá desfeita

Nada é eterno

E eu também num sô

Quero neste momento

Curtir o meu novo amô.

Parabéns mulherada

Pelo que vocês têm feito

Continuem assim

Buscando os seus direitos.

Nós também somos gente

Temos alma e coração

Não somos objetos,

Rádio ou televisão.

E assim cada uma de nós

Vamos enfrentando a vida

Mas nunca nos demos

Esta luta por perdida.

Vamos de bandeira branca,

Buscar um lugar ao sol

Há sempre uma esperança

Nesse novo arrebol.

09/06/2002 ____ Lumdore