MANOMÓVEL
Foi ele, junto com o negro, sofredor de cada dia
Sem fundo de garantia, nem seguro desemprego.
O bom automóvel que não poluía,
Sob a luz do dia ou sob o luar,
Em duras jornadas de prantos e dores
Prestou mil favores, de graça a lutar.
De tudo ele fez com assaz prontidão:
A estrada de chão ganhou calçamento
A cana chegou, bem ao pé do engenho
Mandioca e o lenho, no aviamento.
Ele fez de tudo naquelas veredas
Entre labaredas, corisco, trovão
Transpôs os desertos de sol causticante
Num inferno de Dante, fez centro o sertão.
Transportando pedra, tijolo, cimento
Sofrendo o tormento do lombo ferido;
Mas, bem orgulhoso, manteve o padrão
Té que o caminhão tivesse surgido.
Com tal advento, pensou descansar
Mas esse pensar se tornara lamento;
Nem da amizade obteve o cultivo:
– Pra que deixar vivo nas ruas jumento?
Ó Jegue, meu mano, valoroso amigo
Tangeste comigo o progresso um dia;
E agora que está de pé meu país,
Fincam o teu nariz sob a terra fria!