MENINO DE RUA

Com esse poema, Ismael Gaião, conquistou o 1º lugar na 4ª RECITATA (Concurso de poesia declamada) com nota 10 (dez), no Júri Popular, dentre os 92 (noventa e dois) poetas concorrentes.

Este evento foi organizado pela Fundação de Cultura da Cidade do Recife e foi realizado no Pátio de São Pedro, no período de 12 a 14 de agosto de 2009.

MENINO DE RUA

Eu vi sua indiferença

Quando você me olhou,

Mas por favor, pare um pouco

E pense no que eu sou.

Se eu sou pequeno assim

É que a vida não deu a mim,

O direito de crescer.

Eu vivo ao Deus nos acuda

E preciso de uma ajuda

Pra poder sobreviver.

Seu filho nasceu feliz,

Pois pra dormir teve berço.

Eu também seria assim

Se ao menos tivesse um terço,

Porém o que me sobrou

Foi a rua onde estou

E não as bancas da escola.

Sem estudo e sem comer

Ao invés de aprender ler,

Aprendi a cheirar cola.

Não me trate por bandido

Porque bandido eu não sou.

Se eu aprendi a pedir

A vida é que me obrigou.

Se eu pudesse escolher

Juro que eu queria ser

Um menino educado,

Filho de gente grã-fina,

Com casa boa e piscina,

Com saúde e alimentado.

Você passa no seu carro,

Da vida toda contente,

Me olha de cara feia

Como se eu não fosse gente,

Mas saiba que como os seus,

Também sou filho de Deus,

Apenas não tive sorte

De ser filho da senhora,

Por isso eu lhe peço agora:

Não deseje a minha morte.

Se não quer me fazer bem

O mal também não me faça,

Porque eu não sou culpado

De viver nessa desgraça.

Passando necessidade,

Vejo que a sociedade

Esta sim é a culpada,

Porque na sua ganância

Só quer tudo em abundância

Deixando o pobre sem nada.

Eu não sei o que é carinho

Porque mamãe não me deu,

Pois em toda sua vida

Sofreu tanto quanto eu

Vivendo pra trabalhar

Apenas pra sustentar

Os seus filhinhos com vida

Vive na infelicidade

E ainda na flor da idade,

Já é uma velha sofrida.

Eu sei que na sua casa

Tem uma linda cadela

E eu já seria feliz

Se vivesse igual a ela,

Pois ela tem boa vida

Carinho, banho e comida,

Cada qual no seu horário,

E também quando adoece,

Eu sei que logo aparece,

Um Médico Veterinário.

Enquanto o seu filho tem

Dentista, médico e hospital

E uma boa enfermeira

Se acaso passar mal.

Eu nunca fui ao doutor

E quando sinto uma dor

Aumenta mais o meu tédio,

Pensando que vou morrer,

Pois não tendo o que comer

Como vou comprar remédio.

Skates, patins, videogame

Seu filho tem desde cedo.

Eu em toda minha vida

Nunca ganhei um brinquedo.

Sou pequeno e magricela

Sem ter nenhuma chinela

Para proteger meus pés,

Vejo o seu filho lindo

Ganhando e sempre pedindo

O que já tem mais de dez.

Sem poder me alimentar

Mamãe me mandou pro mundo,

Mesmo guardando em seu peito

Um sofrimento profundo.

Eu hoje vivo a pedir

Sem ter para onde ir,

Pois meu teto é sol e lua.

Num mundo sem esperança

Sem direito a ser criança,

Eu sou menino de rua.

Recife, 17 de abril de 1993