O ECOLOGISTA DO PÉ VIRADO

Se você entrar no mato

Prá cortar lenha ou caçar

Isso agora virou crime

Que pode lhe complicar

Pois tem muito ecologista

Tem IBAMA, paisagista

Que estão sempre a vigiar.

Ou pode até apanhar

Sem saber quem lhe bateu

Pois já existe até caso

De caçador que morreu

E o corpo foi encontrado

Todo de açoite cortado

E o autor se escafedeu.

Padre Anchieta escreveu

Em mil quinhentos sessenta

Essa história interessante

Que a caçador atormenta

Os índios deram o relato

De uma aparição no mato

Nua, crua e fedorenta.

Essa coisa escafedenta

É uma lenda brasileira

Descoberta por acaso

Na região pantaneira

Dentro da mata fechada

E hoje é acreditada

Por esta Nação inteira

Uma figura brejeira

Que tem forma de menino

Atormenta lenhadores

Com um assobio tão fino

Que deixa o sujeito moco

Já levou muito caboclo

À surdez ou ao desatino.

Pode ser no sol a pino

À tardinha, madrugada

Se notar que a floresta

Está sendo ameaçada

Entra em cena assobiando

Ao invasor assustando

Fazendo muita zuada.

Essa figura safada

Gosta de ganhar presente

Os índios lhe deixam arcos

Flechas, abanos, pingente

Os brancos lhe levam fumo

Materiais de consumo

Perfumes e aguardente.

Sua figura aparente

É controversa de mais

Baixinho, ruivo, careca

Não tem órgãos genitais

Orelhas grandes, pontudas

Pele bastante peluda

E os pés virados prá trás.

Carácteres regionais

De acordo com sua história

No pantanal é um demônio

No Sul um deus e se adora

No Sudeste é currupira

Lá no Norte é curupira

No Nordeste é caipora.

Os pés, segundo a história

São virados para trás

Prá criar caminhos falsos

Enganando os animais

Que estejam no seu encalço,

Quem quiser seguir seus passos

Se afasta mais e mais.

Nas florestas de Goiás

Ele tem dentes pontudos

Do Pará tem dentes verdes

No Nordeste é orelhudo

Esse levado da breca

Na Amazônia é careca

Com o corpo cabeludo.

Já fizeram até estudo

Pra conhecer a origem

Desse ente sobre humano

Que habita a mata virgem

Assustando caçadores

Açoitando lenhadores

Noutros causando vertigem

Já se sabe que a origem

Vem do índio do Brasil

Quer dizer curumim-pira

Foi do tupi que saiu

Um aparentado fino

De um corpo de menino

Com o de um macaco bugiu.

Quem navega pelos rios

Ás vezes ouve pancadas

Ou ver árvores tremendo

Dentro da mata fechada

Se diz que é o caipora

Conferindo se a flora

Tem alguma galha quebrada.

Ele bate na galhada

Prá ver se estão suportando

Uma provável tempestade

Que esteja se aproximando

É sua vida corriqueira

Está de qualquer maneira

Sua mata vigiando.

Também quem está viajando

Por estradas vicinais

Ver caçadores correndo

Saindo dos matagais

E escuta o assobio dele

Esteja certo que é ele

Protegendo os animais.

Lá pelas Minas Gerais

Onde ele tem atuado

Muito mais freqüentemente

Protegendo no cerrado

Lhe chamam de pai-do-mato

Onde há um grande aparato

De caçador de veado.

Precisam tomar cuidado

Os que gostam de pescar

Que ele é também homem-d’água

E gosta de balançar

Barcos de quem está pescando

Ou muambas traficando

Até o barco afundar.

Se o pescador descuidar

Sabe que terá problema

Se é barco de passageiro

Não terá esse dilema

Pois o nosso ecologista

Também é bom progressista

Manter a ordem é seu tema.

No Rio Parapanema

A notícia esparramou

Que lá tinha um homem-d’água

Perseguindo pescador

Foram conferir de perto

Prá poder contar de certo

E era nosso benfeitor.

Quem tudo faz com amor

Tem proteção do Divino

Damos glórias e louvor

A esse fantasma menino

Pois as matas brasileiras

Estão virando capoeiras

Por causa dos desatinos.

Nosso torrão nordestino

Está virando um deserto

Acabaram nossa flora

O solo está descoberto

Agora retiram rocha

E o pó que ali desabrocha

Queima a pastagem por perto.

Se acham que está certo

Pois agüente as conseqüências

Não reclamem dos castigos

Da Divina Providência.

Como podemos ter água

Se a Natureza é só mágoa

Por tamanha inconsciência?

A nossa jurisprudência

Comete indignidade

Permitindo esses desmandos

Com tamanha ingenuidade

Que leva por incompetência

O sertão à decadência

O solo a esterilidade.

Quem abastece as cidades

São nossos mananciais

Que estão secos, desprezados

Porque já não chove mais

Tornando-se por descapricho

Grandes depósitos de lixo

E outros materiais.

Quem tem dinheiro de mais

Fica a se vangloriar

Cavando poço e vendendo

Água a quem pode pagar

O lençol d’água afundando

E o solo esterilizando

Sem poder se evaporar.

Precisávamos juntar

Os caiporas do Brasil

Todos aqui no sertão

Prá enfrentar o desafio

Desses donos do poder

E botar todos prá correr

Na base do assobío.

A vida está por um fio

Não temos como negar

Novas doenças surgindo

Pela impureza do ar.

Cada vez mais poluído

Rarefeito, resumido

Sem mato para filtrar.

Só a Química pode salvar

Mas a química natural

O mato reflorescendo

Frutificando o ramal

O pássaro se alimentando

As sementes germinando

Replantando o matagal.

Reaparece o animal

Que já estava em extinção

A água do subsolo

Faria a evaporação

Novas nuvens se formando

Lá no céu se derramando

Para nossa salvação

O governo da nação

Economizava mais

Pagando salário digno

A policias florestais

Do que pagando emergências

Prá manter a incompetência

Daqueles que nada faz.

Não dar pra viver em paz

Com o lavrador precisando

Mendigar de porta em porta

De políticos nefandos

Que de promessa em promessa

Leva o pobre na conversa

E sai se beneficiando.

E o mundo vai girando

No compasso da mentira

Os donos d'água rezando

Pra o demonio Pomba Gira

Secar todos os regatos

Derrubar todos os matos

Pra não ter mais curupira.

Pra que tanta ziguezira

Se nada há de se levar

Nossa vida é passageira

E é preciso constatar

Que o homem, queira ou não queira,

Ao pó, à cinza, à poeira,

Cedo ou tarde há de voltar.

É tolice comparar

Ciência e religião

Somente a Ciência tem

As asas da perfeição

Não há causa sem efeito

Diante deste conceito

Não há outra explicação.

A Bíblia é quem tem razão

Segundo o grande profeta

Não pode haver perfeição

Onde a treva se projeta

O futuro é duvidoso

Daí o verso lastimoso

Deste rebelde poeta.

Nossa vida é predileta

Não deve ser combatida

A luz da vida é tão forte

Não pode ser destruída

Você que uma vida tem

Siga o Homem de Belém

Se não quer perder a vida.

O velho Matusalém

Viveu séculos imortais

Mas no seu tempo existia

Muita flora e animais

Hoje a vida é passageira

Como o fogo da pedreira

Queima nossos vegetais.

As ciências atuais

Quis civilizar a terra

E o mundo sente os efeitos

Do negro abismo da guerra

Com as leis da impunidade

Destruindo sem piedade

Rio, monte, vale e serra.

Prá que ciência na terra

Dizimando nosso chão?

Se a tendência dos homens

É a pura destruição!

O homem gera inclemência

Sempre em nome da ciência

Pela civilização.

Não pode existir razão

Prá instinto destruidor

Tangido pela ciência

Tornando o homem opressor

Repartindo sem clemência

Prá o rico tanta potência

Prá o pobre tanto clamor.

O homem fala de amor

Mas não passa de um fingido

Tudo na face da terra

É por ele perseguido

Agredindo a Natureza

Faz da ciência uma deusa

Prá depois ser destruído.

Lá no mato, entristecido,

Chora triste o curupira

Assistindo a morte lenta

Da fáuna que o homem tira

Da floresta dizimada

Dando lugar à estrada

Da verdade prá mentira.

Caipora, currupira

Curupira, curumim

Homem-d’água ou o que seja

Já se aproxima do fim

Com ele se vai a lenda

Sua fauna, rica vivenda

Seu bosque, rico jardim.

Quem quiser falar de mim

Tem minha autorização

E agradeço aos leitores

Que queiram me dar razão

Usei meu ponto de vista

De poeta cordelista

Prá dar minha opinião.

Tendo ou não tendo razão

Não quis ofender ninguém

Defendo o pobre que sofre

Porque sou pobre também

Na bonança ou nos apertos

Nos erros ou nos acertos

Razão se dar a quem tem.

Falem mal ou falem bem

Da razão ninguém me tira

Da vida cotidiana

Em nada contei mentira

O outro assunto eu terminei

Pois em poesia contei

A lenda do curupira.

SÉRIE LENDAS BRASILEIRAS - VOLUME 3)

Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 16/04/2009
Reeditado em 19/11/2022
Código do texto: T1542559
Classificação de conteúdo: seguro
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