O NEGRINHO DO PASTOREIO - UMA LENDA GAUCHA

Se perde tanto objeto

Por descuido ou imprecisão

Com muito empenho e procura

Alguns se encontra, outros não

Fica a perda consumada

Muitas vezes lamentada

Por ser de estimação

Muitos tipos de oração

Também ajuda a encontrar

Só depende a quem se reza

E a fé que vai no rezar

Santo Expedito, Longuinho

Santa Virgem dos Caminhos

São alguns prá variar.

Mas certeza de encontrar

Sem precisar de arrodeio

Basta acender uma vela

Sem ter susto, sem receio

Deixe em local presumido

E ofereça o pedido

Ao Negrinho do Pastoreio.

Vai ouvir nesse entremeio

Som de espora, de bombacha

O trotar do seu cavalo

Rondando naquela faixa

Pode ficar descansado

Seu objeto é encontrado,

Se ele não achar ninguém acha

É figura populacha

Lá pelo Sul do Brasil

Do Rio Grande a São Paulo

Muita gente já ouviu

Seu cavalo relinchando

Pelos pagos galopando

Só ele nunca se viu.

Tudo que você pediu

Prá ser por ele encontrado

Se estiver perdido mesmo,

Se é que não foi roubado

Só o Negrinho resolve

Procura encontra e devolve

O objeto procurado.

Vá dizendo compassado

Com muita fé nessa hora:

“Foi por aqui que eu perdi”

Que ele encontra sem demora

Coloca em algum lugar

Bem fácil de se encontrar

E trotando vai embora.

Leva prá Nossa Senhora

Sua querida madrinha

Como em agradecimento

O pedaço da velinha

Que você tinha acendido

Prá fazer o seu pedido

Cumprindo sua meisinha

Essa estória bonitinha

Do folclore brasileiro

É uma lenda gaúcha

Dos tempos do cativeiro

Que até já virou tema

De filmagens prá o cinema

Nacional e estrangeiro

Na lenda um estancieiro

Gaúcho de Cruzaltinha

Muito rico e avarento

Pior do que a murrinha

Nem água dava a ninguém

Para não fazer o bem

A alguém que com sede vinha

Esse pão duro só tinha

Olhos prá três criaturas

Um filho, um menino escravo

Sem nome, sem escritura

E um cavalo corredor

Que lhe deu fama e valor

Em diversas aventuras

A sua cavalgadura

Certa feita não ganhou

E ele perdeu muito ouro

Para o seu opositor

Seu jóquei era o negrinho

E o dono por desalinho

O pretinho castigou

Depois que muito apanhou

O filho do cativeiro

Teve que cuidar do baio

Num alto despenhadeiro

Sem água, sem alimento

E assim nesse sofrimento

Passaria um mês inteiro

Com fome e no desespero

Muitos dias padeceu

Dominado pela sede

Certa noite resolveu

Amarrou-se ao animal

Na cancela de um ramal

E cansado adormeceu.

Por acaso aconteceu

O que ele não previu

Guaraxains e raposas,

Algumas delas no cio

Fazendo grande algazarra

Cortaram ao dente a amarra

E o cavalo fugiu

Com ele também saiu

Todos cavalos que havia

O filho do fazendeiro

Quando amanheceu o dia

Passando pelo local

Não viu nenhum animal

Só o menino que dormia.

Chegando na moradia

Ao pai carrasco contou

Esse pegou o negrinho

De bater quase o matou

E obrigou-o a procurá-lo

Que juntou todo cavalo,

Nenhum animal faltou.

De novo o filho soltou

Com instinto de desordeiro

Nova surra no negrinho

Do malvado estancieiro

E amarra o negro aflitivo

Para ser comido vivo

Por um grande formigueiro.

Aí o estancieiro

Começa a ter sonhos ruins

Em sonhos ver a estância

Comida pelos cupins

Ver toda sua poltrilha

E o resto da família

Padecer terríveis fins

Raposas e guaxinins

Devorando seu dinheiro

Acorda sobressaltado

E corre pra o formigueiro

Onde o escravo amarrou

Pra enterrar o que sobrou

Do negro do cativeiro.

Qual não foi seu desespeiro

Chegando lá sem demora

E encontrando o negrinho

Naquela feliz aurora

Vivo, sem chaga, sem dor,

Brincando cheio de amor

Aos pés de Nossa Senhora.

Evadiu-se sem demora

Tornou-se um homem demente

Sorrindo o negrinho monta

Seu cavalo reluzente

E sai tocando a tropilha

Por aquela redondilha

Galopando alegremente.

Daí até o presente

Ele é lembrado e ouvido

Em seu alegre galope

Pelos gaúchos querido

Quem perde se lembra dele

E tem certeza que ele

Encontra o que foi perdido.

(SÉRIE LENDAS BRASILEIRAS - VOLUME 4)

Zé Lacerda
Enviado por Zé Lacerda em 16/04/2009
Reeditado em 19/11/2022
Código do texto: T1542588
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