O REINO ENCANTADO DO MARFIM.
O REINO ENCANTADO DO MARFIM.
OU
A DIFICIL PROVA DA VIRTUDE.
I
Aconteceu essa história
Que aqui passo a narrar
Numa terra bem distante
Que fica dalém do mar
Pra onde um barco não sai
E a pé lá ninguém vai
Pra lá só vai se voar
II
Num tempo que havia rei
Conde, condessa, sultão.
Cavalheiros virtuosos
Caçadores de dragão
Aventureiros da sorte
Que caçoavam da morte
Em qualquer situação
III
Essa história sucedeu
Pertinho dum povoado
Que tinha a quinta florida
Por um riacho banhado
Ladeado de floresta
Onde cantava em seresta
Um jovem príncipe encantado
IV
Nas noites de lua cheia
O vento tangia a loa
Da mata pra o povoado
Que o infeliz entoa
Nos solfejos de lamento
Contava ali o tormento
Que passa a sua pessoa:
V
Para que me serve um reino?
Se eu não posso reinar
Ou a princesa mais bela
Se eu não posso abrassar
E o meu cavalo alado
Arriado e bem ferrado
Também não posso montar
VI
Quisera voltasse eu
A pisar na minha terra
Pra viver com minha gente
Feliz no topo da serra
Desfrutando a natureza
Humilde na singeleza
Distanciado da guerra.
VII
Nessa toado plangente
Com a voz melodiosa
Fazia muitas promessas
Cada qual mais vantajosa
Pois o seu reino daria
Em troca da valentia
Da pessoa corajosa
VIII
Que lutasse em seu favor
Para quebrar o encanto
Libertando-o das cadeias
Que o maltratava tanto
Mas quem sua voz ouvia
Um grande risco corria
De se prender no quebranto.
IX
Assim contavam os antigos
Que muitos homens partiram
Noite adentro na floresta
E por lá mesmo sumiram
Nas grutas da cachoeira
Outros viraram poeira
Mais de lá nunca saíram.
X
Forasteiro eu andava no lugar
Ao ouvir a lamuria esquisita
De repente minh’alma se agita
Nisso então eu parei para escutar
Em seguida pensei investigar
Dei a volta aproando assim o vento
Muita coisa passou-me ao pensamento
Cá comigo eu disse é agora
Que eu meto no cão a minha espora
Ou eu volto e me interno num convento
XI
Pois eu fiz e guardei como uma jura
Que pra casa ligeiro voltaria
Se na luta feroz do dia-a-dia
Eu de medo tivesse uma frouxura
Desde então eu procuro uma aventura
Neste mundão perdido de meu Deus
Entre gregos troianos e judeus
Tenho dito e jamais peço segredo
Cara feia, frescura, manha e medo.
É pra quem não tem bagos como os meus.
XII
Sendo assim, eu cruzei o povoado
E cortei o riacho pelo meio
Nem notei que o danado tava cheio
De barreira a barreira alagado
E chegando ali do outro lado
O clarão do luar iluminava
Que uma agulha sem fundo eu enxergava
Mesmo que ela tivesse num palheiro
Como um cão que procura pelo cheiro
Ali dentro da mata eu procurava
XIII
Desvendar o que tinha acontecido
Pra sanar aquela situação
Pois um dia encarei como missão
Resgatar e salvar quem stá perdido
Logo após de um tempo percorrido
Percebi o lamento mais distante
Mas rumando pras bandas do levante
Deparei-me no centro de um jardim
Nisso um velho chegou perto de mim
Com a voz tremula, falou-me ofegante.
XIV
Admiro do homem a coragem
Elemento motriz para virtude
E diante da sua atitude
Mostrarei para ti uma passagem
Pelo veio que cessa na rodagem
Que te leva ao reino do Marfim
Lá verás por que eu fiquei assim
E serás muito bem recompensado
Mas primeiro você será provado
Para então retornares até mim.
XV
Tu terás que passar por mais três provas
Eram quatro, mas uma tu passaste.
Com a coragem que tu me demonstraste
Fique atento, pois vou dizer as novas.
Ou irás fazer parte destas covas
Que enfeitam as margens desse horto
Se falhares também eu serei morto
És enfim, minha última esperança.
Tome leve e entregue esta aliança
Pra quem nunca da luz teve o conforto.
XVI
Para tanto, também tem o momento
Por que isso faz parte de uma prova
E a outra em seguida se renova
Isto eu digo e repito, fique atento!
Pois serás transportado pelo o vento
Até quando cruzares a passagem.
Nada leves pra ti como bagagem
A não ser no pescoço, essa aliança.
Lá chegando serás como criança
Mas agora ser homem e tem coragem.
XVII
Siga o veio de água na carreira
Cuja fonte é o centro do jardim
Antes mesmo que ele chegue ao fim
Desemboca uma altíssima cachoeira
Salte lá, bem no mei da ribanceira
Que um vento te toma qual tapete
E veloz muito mais do que foguete
Vai levar-te ao beiço duma estrada
Não será muito longa a caminhada
Mas pra ti, lá começa o provinête.
XVIII
Nisso eu fui de carreira me despindo
E soltando todo penduricacho
Avancei de cabeça no riacho
No lugar em que as águas vão caindo
Eu pensei em descer mais fui subindo
E num piscar de olhos eu fui notando
Um punhado de gente me espiando
Eu pelado na beira duma estrada
Por um pouco não pude fazer nada
Só pensei em dali sair andando
XIX
Uma voz irrompeu, ó rei bendito.
Nós ficamos por ti aqui velando
Quando estavas no monte guerreando
O teu povo também ficou aflito
E a turba gritava, está escrito!
Rei Ricardo é um grande soberano
Pelo povo ele venceu o profano
Seja grande o seu nome em toda terra
Evitou que o mundo entrasse em guerra
Derrotando Meleque, o rei tirano.
XX
Fui coberto na hora com um manto
Por um jovem gentil que me falava
Da princesa Sofi, que me esperava.
Que pra ela eu era como um santo
Que há dois dias seu rosto estava em pranto
Esperando seu rei ali chegar
Pra com ela na hora se casar
Como fora por ti convencionado
Entre tu e o tal famigerado
Que sozinho tivésseis que enfrentar
XXI
Eu calado somente ali ouvindo
Todo povo me ovacionando
E de longe eu fui observando
Os portões de um palácio se abrindo
E com salvas e um brado de bem vindo
A cidade inteira festejava
E pra ela eu tranqüilo caminhava
Sobre as rosas que em mim eram jogadas
E das pétalas que eram ali pisadas
Um perfume no ar se espalhava
XXII
Adentrei ao palácio calmamente
Um banquete estava preperado
Tudo limpo e bem ornamentado
Com o ouro mais fino do oriente
Diamantes, eu vi na minha frente
Como rosas floridas num jardim
Eu estava no reino do marfim
No momento eu pensei estar no céu
Quando vi encoberta só num véu
Uma ninfa sorrindo para mim
XXIII
Era a linda Sofi, que me esperava
Nunca nada na vida me abalou
Mas ali a minha alma balançou
Contemplando da moça a pureza
Fiquei pasmo diante da beleza
Que Sofi, no salão irradiava
Sua luz como um sol iluminava
Aos viventes nascidos nessa terra
Entendi o motivo da tal guerra
Que Ricardo, por todos pelejava.
XXIV
Mas em meio a tantas maravilhas
Eu lembrei-me do velho no jardim
procurei se a aliança estava em mim
No pescoço ela estava reluzente
E um filme passou na minha mente
Nele o velho dizia: eu repito!
Fique atento aos laços, no espírito
Estão postas as provas da virtude
Com coragem e prudência, as estude.
Com mais duas você vence o conflito.
XXV
Logo eu adentrei num aposento
Onde havia um trono elevado
Nele eu fui de repente acomodado
Para que eu julgasse no momento
Uma causa envolvendo um rebento
E as mães que por ele disputavam
Pois juraram pra mim, que o amavam
E a verdade, eu tinha que extrair.
Na espada falei vou repartir
Para ver se assim, se consolavam.
XXVI
Eu notei uma delas se alegrar
E dizer, nem pra mim nem pra ninguém.
Mas a outra dizia, pelo bem
Eu prefiro a criança entregar
Pra que viva, ela pode até levar.
Eu porém, ordenei para o meirinho.
Da pra essa, depressa o menininho.
E coloque essa outra na prisão
Para que ela aprenda esta lição
E respeite a justiça em seu caminho
XXVII
Nisso a boca da noite foi chegando
E com ela um grande movimento
Pois as sete, seria o casamento
E eu tinha que está lá esperando
Da capela eu fui me aproximando
E notei um negócio diferente
Um mendigo sentado num batente
Duma porta que leva ao patamar
Eu não pude dali me aproximar
Mas chamei o meu jovem intendente
XXVIII
Quis saber do que isso se tratava
Que me disse; ele é um estrangeiro
Que esmola um pouco de dinheiro
Pois de nada da luz ele enxergava
E que cedo ele a todos suplicava
Por alguém que o fizesse assentar
Donde sinta ele o cheiro do altar
Quando a noiva Sofi e o meu rei
Se casarem, dizia: eu serei
O plebeu mais feliz deste lugar
XXIX
Nisso irrompe o som dum carrilhão
Chega o chão da igreja estremece
E um coro real louvando em prece
A mais doce e sublime oração
Disparou o meu pobre coração
Pois a linda Sofi, já vinha entrando
E ali no altar eu aguardando
Para os votos daquela comunhão
Quando enfim segurei na sua mão
Dela um beijo na face eu fui ganhando
XXX
Uma voz no momento se ouvia
De um nobre ancião paramentado
Que há tempos estava consagrado
Para as bênçãos daquela homilia
Mas somente uma coisa ali eu via
A princesa Sofi, pra mim sorrindo
E o chão dos meus pés quase sumindo
No momento de por minha aliança
Logo veio na mente a lembrança
Da que eu tinha no peito reluzindo
XXXI
Mui ligeiro a puxei do meu pescoço
O pastor para mim ficou olhando
E bem alto assim eu fui falando
Mire em mim tanto o velho quanto o moço
Por um pouco se fez um alvoroço
Quando enfim o silêncio então reinou
E eu disse; em verdade eu não sou
O bom rei, que por vós é tão amado
Vosso rei, está bem aqui do lado
E o cego do chão se levantou.
XXXII
Eu andei e peguei na sua mão
E lhe fiz segurar a aliança
Em segundos voltou-lhe a semelhança
Eu também recobrei minha feição
Quando viram que eu tinha razão
Ouve brados de viva sem igual
Prosseguiu-se o cerimonial
Eu passei a palavra para o rei
Que me disse, bom homem te farei
Hoje, o príncipe da guarda imperial.
XXXIII
Cinco meses e mei durou a festa
Celebrando o grande acontecimento
O retorno do rei, o casamento.
Acabou-se nas matas a seresta
As saudades de lá é o que me resta
Das belezas do reino de Sofi
De lembrança só trouxe para aqui
Um cordão no pescoço pendurado
Pois voltei do Marfim, liso e pelado
Da maneira que eu fui tornei dali
XXXIV
Porém guardo comigo uma bagagem
Que não cabe em muitos caminhões
E o dinheiro de todos os barões
Comparado com ela é bobagem
Se fizessem pra ela uma embalagem
Faltaria no mundo até papel
Pra firmá-la também não tem cordel
Que pudesse a largura atacar
Mas de graça eu vou compartilhar
Com quem for corajoso e fiel.
XXXV
Eu terei mui prazer em entregar
Meu anel, e um grande galardão.
Para quem conseguir aprovação
Nas três provas que acabo de passar
Se as notas do teste te aprovar
Eu darei a coroa da virtude
E o dom da eterna juventude.
Corra agora mergulhe e faça o bem
Sem olhar o semblante de ninguém
Como eu, tome logo essa atitude. Fim.