A VINGANÇA DO VAQUEIRO - Final

Não vi o sol indo embora

no céu a lua acordando

levado pela tristeza

um fantasma cavalgando

perdi o sentido da vida

a morte de minha querida

também ia me matando

Porém antes de sucumbir

algo precisava fazer

o que tinha pela frente

era trabalho prá valer

como podia descansar

se antes devia matar

quem um dia ousou nascer?

No trote do meu cavalo

à brisa do ódio voando

aquele grande casarão

de longe fui avistando

meu sangue ferveu nas veias

a aranha vomitou nas teias

logo o bote foi armando

Soltei as rédeas no frouxo

com o bridão aliviando

as patas viraram asas

as pedras no chão ciscando

como tiro disparado

o coração endiabrado

ligeiro ia chegando

Apeei endurecido

o punhal tocando a cintura

na porta da casa grande

encontrei logo a figura

da esposa do coronel

sentindo um gosto de fel

indaguei da criatura

"O coronel está em casa?"

"está, sim", respondeu ela

"vive rezando o rosário

debruçado na janela

é um homem religioso

da Bíblia estudioso

p'ros santos acende vela"

Agradeci, fui entrando,

também ela acompanhou

o coronel rezava o terço

para meu espanto e horror

santo pau oco, safado,

sujeito mais desgraçado

sorrindo, ele me olhou

"Maria mandou lembranças"

disse eu, arrepiado,

a voz saindo embargada

no peito afogueado,

e logo seu sorriso morreu

pois bem rápido percebeu

que estava condenado

O coronel avistou a morte

no olhar que eu lançava

ao tentar dizer palavras

só letras balbuciava

súbito, se ajoelhou,

por sua vida implorou

quando o punhal eu sacava

"O que está acontecendo?"

- gritou a mulher assustada -

"o que tu fizeste, Raimundo,

que coisa mais desgraçada,

tu perdeste o juízo,

foi tamanho o prejuízo

para ter a vida tirada?"

"Responda a ela, canalha!,

revele o seu desatino,

seja homem seu nojento,

nada muda seu destino,

conte sua safadeza

prá você não há defesa

não chore feito menino"

Ele só choramingava

como fazem os covardes

ante a mulher indefesa

gritou, provocou alardes,

agiu como um criminoso,

um tarado asqueroso

que a inocência invade

"Ele estuprou Maria",

- revelei angustiado -

"desgraçando a vida dela

esse amaldiçoado,

e ela, preferindo morrer,

pondo um fim no meu viver,

rasgou o seio imaculado"

Tendo o punhal na minha mão

urrando enfurecido

parti pra cima do monstro

porém logo fui detido

"não, a vingança será minha

bebo a ira dessa vinha

deixe, mato meu marido!"

Vindo na minha direção

numa força descomunal,

num gesto inesperado

ela arrancou-me o punhal

e qual loba enraivecida

pôs a arma enrijecida

bem no peito do animal

"No peito ela enterrou

o cego aço fulminante

vou no teu embainhando

este ferro lancinante

em mim,também no vaqueiro,

nesses corações, certeiro,

puseste ódio marcante"

Tudo foi muito rápido

como grande tempestade

que em pouco enche os rios

e vai destruindo a cidade

cravando a arma gritava

o nojento ela matava

sem traços de piedade

Pela casa ecoava

o grito do tal canalha

seu corpo dilacerado

como carvão em fornalha

todo agônico no chão

retalhado seu coração

como a fio de navalha

Dando o último suspiro

agarrado pela morte

sob o olhar carrancudo

da viúva ex-consorte,

eu atônito, parado,

inerte, abobalhado

refleti sobre o meu Norte

Tudo ali silenciou

ela com o olhar sumido

satisfeito seu desejo

de ter matado o marido

mas eu sem ter feito nada

porque a última jogada

me pegou desprevenido

Tal vingança não foi minha

meu ego ficou perdido

saí da casa correndo

parecendo ter morrido

me faltava uma ação

mesmo com dor no coração

sepultar o corpo querido

Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 06/07/2009
Reeditado em 06/07/2009
Código do texto: T1685325
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