Epílogo - A MORTE DE LAMPIÃO - O Paladino e a Donzela

À Donzela apaixonada

À virgem Mandacaru!

Pela volante chamado

Eu voltei para o sertão

Para a última batalha

Contra o homem Lampião

E em meu peito um aperto,

Do meu povo ele é irmão...

Eu selei o meu cavalo

E me pus em direção

Foi a mais triste viagem

Nas entranhas do sertão

Em Sergipe está escondido

Virgulino, o Lampião.

...

Foi na fria madrugada

Do mês de julho – escolhido.

Vigésimo oitavo, o dia

Trinta e oito, o ano corrido.

Tombaria Lampião.

Como se tomba um bandido.

...

O coração apertado.

O céu pôs-se enegrecido.

A volante preparada

O traidor escolhido.

Um brado! O cheiro da Morte...

Quem me dera ter morrido.

Oh! horrores. Oh! fantasmas.

Oh! ódio sem compaixão.

São Francisco está manchado

É o sangue de Lampião

Se é herói, ou se é bandido,

Eu não sei... é meu irmão.

A ordem nos fora dada

Atravessamos o Chico

Como fantasmas andamos

Até a Grota do Angico

Suspense e transe de morte...

A volante qual milico.

Numa oração à Senhora

A devoção do bandido

Pedia por suas almas

Pela vida, agradecido.

Lembrei-me de Santo Antão

No coração um pedido.

Ó meu Deus! Valei-me a prece.

Eu te faço nesse chão:

Não permita Deus que eu morra

Nem que eu mate Lampião.

Na volante, eu sou macaco

Pra Lampião, eu sou irmão...

...

Um baque... O primeiro tiro.

Um grito. Um salto. O pavor...

Numa rajada maldita

No acampamento o terror

Cercados por todo lado:

A caça do predador.

O serviço estava feito

Sem nenhuma reação.

O coiteiro qual um Judas

Comendo da sua mão

Por trinta moedas de prata

Entregou a Lampião.

No frio da noite, a morte.

Do sangue, o cheiro no chão...

E brigam pelos despojos

As hienas do sertão.

A justiça prevarica

Roubando os bens da nação.

E nos corpos mutilados

A glória e a degradação..

É o ouro. É jóia. É o dinheiro

É essa maldita ambição

Por um prato de lentilhas

Rouba os bens do seu irmão.

Caiu! Caiu Virgulino

Cangaceiro do sertão

As cabeças arrancadas:

O prêmio da legião

Os corpos abandonados

São esterco pra este chão.

Eu me prostro em uma prece

Mas me vejo emudecido

No Chico o cheiro da morte

São Francisco entristecido

As hienas digladiam

E o despojo é repartido.

Sobre o chão vejo um pedaço

De um papel vermelhecido

São pedaços de um poema

Eu o leio comovido.

É a voz de Lampião

O seu último pedido...

...

...

“Leitores sendo possível

Leiam com toda atenção

Este pequeno fascículo

Que vos dá explicação

Quem foi, quem é Virgulino

Pela alcunha de Lampeão.

Fui nascido em Pajeú

Por Lampeão apelidado

No município de Vila-Bela

No lugar denominado

Riacho de São Domingo

De Pernambuco no Estado.

Gado bravo para ele

Não estando mal montado

Sendo em cavalo bom

Julgava o bicho amarrado

Ou vinha pra o curral sadio

Ou com um quarto quebrado.

Até os 17 anos

Vivia calmo e sossegado

Até todos o conheciam

Por lutador honrado

E nessa idade os retrocessos

Fizeram-no mau e desgraçado.

Porém já sabem os leitores

Do mais antigo ditado

Que não se julgue feliz

O que vive em bom estado

Quem vem a naufragação

E acaba em mau resultado.

....

....

Se reuniram os três irmãos

Cada qual mais animado

Disse eu ao pai já velho

Bote a questão pra meu lado

E deixe estar que o meu rifle

É um bom advogado.

...

...

Eu bem que disse a meu pai

Desta vez acreditei

Que advogado bom é rifle

Que com ele deportei

Todos nossos inimigos

Agora sim descansei.

...

...

Seus nomes estão anotado

Suas casas já queimei

Não poupei nem mesmo o gado

Nesta luta me empenhei

Para a qual fui empurrado

Estou bem certo do meu fim

Que ele bom não pode ser

Mato João Pedro ou Matim

E onde vou comparecer?

Já fiz tudo que queria

Que me importa de morrer?

...

...

....

Por minha infelicidade

Entrei nessa triste vida

Não gosto nem de contar

A minha história sentida,

A desgraça enche o meu rosto

Em minha alma entra o desgosto

Meu peito é uma ferida.

Quando me lembro senhores

Do meu tempo de inocente

Que brincava nos serrados

Do meu sertão sorridente

Sinto que meu coração

Magoado desta paixão

Bate e chora amargamente.

Meu pai e minha mãe querida

Quiseram me ensinar

No seu colo carinhoso

E ela ensinou-se a rezar

E a todos muito respeitar

E ele ensinou-me nos campos

E eu menino a trabalhar.

Cresci na casa paterna

Quis ser um homem de bem

Viver de meus trabalhos

Sem ser pesado a ninguém

Fui almocreve na estrada

Fui até bom camarada

E tive amigos também.

Tive também meus amores

Cultivei minha paixão

Amei uma flor mimosa

Filha lá do meu sertão

Sonhei de gozar a vida

Bem junto a prenda querida

A quem dei meu coração

Hoje sei que sou bandido

Como todo o mundo diz

Porém já fui venturoso

Passei meu tempo feliz

Quando no colo materno

Gozei o carinho terno

De quem tanto bem eu quis.

Meu rifle atira cantando

Em compasso assustador

Faz gosto brigar comigo

Porque sou bom cantador

Enquanto o rifle trabalha

Minha voz longe se espalha

Zombando do próprio horror.

Nunca pensei que na vida

Fosse preciso brigar

Apesar de ter intrigas

Gostava de trabalhar

Mas hoje sou cangaceiro

Enfrentarei o balseiro

Até alguém me matar.

Quando pensei que podia

O caso estava sem jeito

Vou dar trabalho ao governo

Enfrentar agora de peito

E trocar bala sem receio

Morrendo num tiroteio

Sei que morro satisfeito.”

Virgulino Ferreira, o Lampeão

........

.....

...

Nos sonhos de Virgulino

Não estava Lampião.

A injustiça no serrado

Quem gerou a esse Vilão

Mata-se o rei do Cangaço

Mas a lei ainda é um laço

Que corrói essa nação.

O Paladino

Grota de Angico, 28.7.38

...

O sol amanheceu triste

Os pássaros não cantaram

No macabro acampamento

Hienas regozijavam

Sob o céu, que taciturno,

Onde abutres revoavam.

As hienas, carregadas

Dos despojos, banqueteiam.

Cospem e urinam nos corpos

As cabeças, as bandeiam;

E nessa festa macabra,

Tomando leite de cabra,

A vitória alardeiam.

Minha boca ainda cerrada

Eu me afasto em agonia

Os meus olhos marejados

Uma dor. Melancolia...

O sertão se põe vermelho

Os meus olhos são o espelho

Dessa estúpida sangria.

Os meus passos se dirigem

Para o rio abençoado.

Ó Senhor! Ó São Francisco!

O que eu fiz de tão errado?

Tão distante da Donzela

Eu me encontro nesta sela

Também sou mais um culpado.

O Paladino

Grota do Angico,

Às Margens do São Francisco, 28.7.38

Moses Adam

F.Vasconcelos, 07.6.09

Obs: O texto entre " " (aspas) é um poema de Lampião, retirado do livro: Lampeão, de Optato Gueiros, 1953