Auto dos Parricidas

AUTO DOS PARRICIDAS

MEL - nasci em berço branco

cresci em negro véu

não vi as cores do meu ceu

BIA- não lamente tanto assim

veja o que sobrou pra mim

DAN - de que vale tanto pranto?

se não há quem me reclame

nem lamente meu destino

EDU - voce próprio é teu lamento!

DAN - cala-te ô insolente

veja tua própria sina

EDU - bem por isso eu te digo!

MEL- minha mãe não conheci

meu pai não esteve aqui

EDU - me fiz "homem" por si só

BIA - meu pai me fez "mulher"

DAN -que tristeza foi maior

que a minha própria sorte?

GIL - caminhei aos nove meses

que alegria para eles

cresci forte bem sadio

viajei o mundo inteiro

fiz feliz quem conheci

amei todos do meu jeito

até com seus defeitos

MEL- eu também me fiz assim

neste mundo tão mesquinho

só não pude bem cumprir

o que meus pais queriam

DAN - se bem me lembro

tinha sete anos

quando minha mãe me espancou

chorei tanto vários dias

foi então que eu mudei

BIA- minha sorte não foi pior

mas também não foi melhor

me perdi bem pequenina

nas esquinas desta vida

EDU - mas nem sempre foi assim

houve dias de alegria

GIL - mas o fato é crescemos

e quisemos ser maiores

bem mais fortes que os pais

MEL - eu saí pra não voltar

mas voltei esfomeada

DAN - eu que quis correr o risco?

não foi bem assim...

Eu queria ser "feliz"

BIA - conheci um grande "amor"

e pra ele confessei

meu desejo de ser "livre"

TED- eu ajudo voce nesse intento

artimanha eu invento

BIA- eles querem meu pesar

não me deixam namorar

TED - deixa comigo que eu ajeito

tua vida e teu destino

eu dou um jeito

BIA - eles saem toda noite

voltam tarde e nem me vêem

TED - abre a porta pra eu entrar

o resto faço sozinho

BIA - faço tudo que pedir

mas me livre desses dois

TED - só me passa as coordenadas

te garanto que não sobra nada

desses dois que te "maltratam"

BIA- eu confio em voce

e depois de tudo feito

sumimos daqui

TED - pode crer, assim será

GIL - eu li hoje no jornal

DAN - também li,

EDU - coragem é essencial...

MEL - finalmente liberdade...

BIA - eu pensei em ficar livre

mas não soube por onde ir

segui certa no incerto

me fiz jugo do poder

de quem quer me usufruir

TED - e eu vou sumir daqui

o problema agora é seu

eles eram os seus pais

não os meus...

BIA - abandono sinto agora

ninguém quer gostar de mim

já não tenho mais família

já não tenho alegria

vivo triste encarcerada

nesta vida desgraçada

onde nada me contenta

só a dor que me lamenta

de um erro sem retorno

de um pai que me amava

lutou tanto só por mim

que me quis protegida

e eu só lhe dei feridas

e por fim tirei-lhe a vida

Minha mãe sempre zelosa

conselhos não faltaram

mas envolvi-me com estranhos

que de drogas me falaram

e minha vida tornou-se droga

farrapo de sonhos desfeitos

uma grande dor no peito

de minha loucura e desejo

pensando que fosse isso liberdade

e agora nõa adianta saudades

TED - foi voce quem me pediu

em nome de nosso "amor"

eu te fiz um bom favor

já não deve sentir dor

pois tudo que aconteceu

foi um desejo seu

EDU- comigo nada foi legal

meu padrasto me amolava

bem pequeno me estuprava

minha mãe nada notava

certa tarde em nossa casa

ele veio me usar

num golpe feri seu membro

ele quis me matar

fugi de casa não sei pra onde

envergonhado e chorando

não podia mais voltar

minha mãe me procurou

e por fim me encontrou

De volta pra casa

tudo reiniciou

eu cresci nesse inferno

odiando aquele monstro

MEL - eu queria me formar

quem sabe até me casar

ter dois filhos bem amados

EDU - certa noite estava só

minha mãe trabalhava

ele veio me afagar

corri então mais uma vez

ele era forte e me agarrou

me usou a noite toda

e ainda me ameaçou

se contasse pra mamãe

MEL - eu não fui mais pra escola

acabei pedindo esmola

nas ruas e avenidas

lutando pela vida

Alguns homens me pediam

por alguns Reais

eu me entregava

EDU - jurei que isso não ia se repetir

que eu ia lhe ferir

até ele também sangrar

MEL - certo dia meu pai veio

"pedir" o meu "serviço"

encabulada entrei no carro

seguimos pela rua

ele já me punha nua

quando um ferro apanhei

de um golpe lhe feri

ali mesmo ele caiu

EDU - dois dias se passaram

ele veio me amolar

uma faca bem afiada

guardei em baixo do colchão

quando ele veio armado

todo cheio de tesão

empunhei aquela arma

e cravei em seu coração

DAN - eu queria ser engenheiro

fui até pro estrangeiro

mas não pude ser feliz

GIL - mas ninguém me perguntava

o que eu queria ser

me davam bom dinheiro

só pra eu me divertir

DAN - também eu era assim

mas um dia me faltou

um sentido bem maior

que festas e baladas

me sentia quase um nada

me drogava sem parar

MEL - hoje vivo aqui sozinha

numa cela de prisão

ainda jovem e sem vida

sem um rumo e direção

me perdi por um impulso

de uma vida e solidão

mas agora é que vejo

quanto doi estar na prisão

prisioneira de minha consciência

isso é mais que indulgência

EDU - sigo andarilho pela vida

nada mais me é igual

não tenho mãe

não tenho família

não tenho nome não tenho nada

só a solidão

o medo atroz que me devora

do assombro de outrora

de um monstro que eu matei

por violar minha inocência

MEL - se pudesse mudaria

todo o rumo de minha vida

mas agora que já fiz

o crime me revela

sou fruto da ignorância

de um bruto sem piedade

que nem mesmo sua filha

ele amou de verdade

GIL - agora aqui eu sou nada

um parricida desolado

sem saber o que contar

sem contar uma história sonhada

Hoje sou um condenado

na sociedade expurgado

valho a pena de cruel

não sou filho

nem sou pai

sou apenas um esquivo

daquilo que quis ser

MEL, DAN, BIA, EDU, GIL - de que vale tanta luta? Pra acabar em névoas sombras?

Somos agora excrementos de uma vida, como tantas que existem

Mais vale saborear um fél amargo, por um dia, que passar uma vida inteira mastigando a dor de um erro.

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*** escrevi este texto pensando nas diversas vidas, de crianças, adolescentes e jovens que são destruídas todos os dias, por adultos inconseqüentes, que visam apenas seu prazer, sua insolência e sentido de poder. Aqui vale um velho ditado, que serve para qualquer reflexão : "AQUI SE FAZ, AQUI SE PAGA" . Melhor, então repensarmos na educação de nossas crianças. O amor sincero transforma tudo... Neninha Rocha

NENINHA ROCHA
Enviado por NENINHA ROCHA em 20/06/2006
Reeditado em 09/08/2006
Código do texto: T178969
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