O diálogo
A
Preciso ler este livro,
Com todo respeito, senhora!
Depois, talvez me livro.
Da paixão que me devora.
B
Sei, que você não ignora,
Que cada página tem um preço
E a vontade que em ti aflora
Não dá nem pro começo.
A
Então diga seu preço
Como quem não quer querendo
Tenha pena do que padeço
Não me deixe aqui sofrendo.
B
O preço não é horrendo
Desde o início você sabia
Saia logo daqui correndo
Credo em Cruz, Ave Maria.
A
Desculpe-me, a senhoria!
Mais lhe digo uma verdade,
De Deus quero a sabedoria
Pra curtir sua maldade.
B
Não sei com que autoridade
De má, me classificas.
Não és dono da verdade!
Seu julgo não justifica.
A
A julgo pela política
Da falta de compaixão
De um coração que palpita
Perante sua visão.
B
Não mantenha a ilusão
Neste livro você não pega
Não darás nem escorregão
Na página que escorrega.
A
Minha vontade só carrega
A força de um sentimento
Não queira ser as pregas
E me dê consentimento.
B
Tudo bem, mas o pagamento?
Como é que vais pagar?
Esse livro não tem lamento,
Vale o que custar.
A
Não quero regatear,
O preço a senhora diz
Pago até com um altar,
Ou com o risco de um giz.
B
Não sou nenhuma meretriz
Mais a oferta é muito boa
Me diga a diretriz,
Para eu ver como é que soa!
A
Com todo o respeito a pessoa
Lhe dou dois contos de réis
Que não foi juntado à toa
Suado da cabeça aos pés.
B
Agora já vi quem és
Pois isto não é dinheiro
Para os leitores fiéis
Que gostam do candeeiro.
A
Meu bolso de dois milheiro
Nuca teve um rico veio
Mais num acerto certeiro
Só leio até o meio.
B
Ai vem o meu receio
E logo, logo o meu protesto
Não entre em desvaneio
E queira ler o resto.
A
Antes de tudo eu manifesto
o desejo que em mim palpita
juro, e para provar o gesto
no meio amarro uma fita.
B
Que coisa mais esquisita,
Como é que pode ser
Como é que uma fita
Vai empatar do senhor ler?
A
Não está no meu querer
Mas a gente bem que podia
Para o contrato não esquecer
No lugar da fita uma rodia.
B
Quase que me convencia
Acredito num bom contrato
No lugar da fita, cera macia,
Só não pode quebrar o trato.
A
Trato é trato e trato é trato!
Pode deixar que vou lendo
Em voz alta de contralto
Da senhora nada escondendo.
B
Sua voz está parecendo,
Um hino pras oiças nossas,
Está aos poucos crescendo
E ficando bem mais grossa.
A
Isso em mim reforça.
O sentido do respeito.
Farei tudo que possa
No limite e do meu jeito.
B
Espero que tenha peito
De um compromisso quebrar
Como pode um sujeito!
Ir até o meio e voltar?
A
A senhora quis contratar
E eu aceitei é verdade
Agora vamos acertar,
O preço da outra metade.
B
Não é da minha vontade
Confessando estou, que errei
Por favor, por caridade
Leia o resto, eu gostei.
A
Devolva os dois que lhe dei,
Em cima deles mais dois
O risco de cera eu bem sei.
Faz muito tempo que foi.
15/01/2005