O cativeiro e o causo de Carmela e Zabelê

Nhá Tuda! num senta o relho no lombo do meu rebento!

Negrinho, que aperreio! Até já está lazarento...

Nhá Tuda, porque você está sovando o coitado?

Que mal que fez Zabelê pra modos de sofrê o condenado?

Carmela, você não tem jeito! Vá cuidar da tua vida

Esse moleque tem feito coisa que até Deus duvida!-/-

Mais é moleque, sinhá! Num carece ser castigado

Passa um pito qui nem padre faz na missa com o danado!-/-

Mulher! Você precisa ver as artes do desmiolado

Nem padre vai entender e perdoar o malvado!-/-

Num carece me dizer, isso tem que ter um fim!

Eu pergunto ao Zabelê, não bate nele assim...

Zabelê, seu desgraçado! Nhá Tuda vai te matar!

Pretinho desajeitado, num faz mãe Carmela chorar!

Que diabo tem dentro do tí seu moleque do inferno!

Como vou te defender se nem sequer te governo?

Você some na invernada, volta tarde esfomeado

Não brinca com a molecada, não fala , sempre avoado!

Carmela esse filho de cão tem parte co satanaz

Conversa com as criações que entendem bem demais

Mais hoje me tirou do sério! Estava lá no Mangueirão

Pedindo ao Zé Siverio não judiar da criação

Zé Sivério não gostou, deu um tapa no safado

Que pediu pro alazão dá um coice no malvado

Carmela, foi dito e feito!O cavalo enfeitiçado

Deu um coice bem no peito, escangalhou o cuitado!

Agora deu pra inventar quee os bichos Jesus que veste

Dá vontade de cortar a língua desse peste

Ameaçou Zé Siverio de chamá o Cramulhão

Pra levar pro cemitério e enterrar ele no chão!

Agora negra Carmela você ainda lamenta

Da surra que está levando esse filho de jumenta?

Zé Sivério padecendo com o peito todo estourado

por causa dos feitiços desse moleque infernado?

Nhá Tuda, perdão pro infeliz! Num faz meu Negrinho sofrer

Você fez Tereza, ele eu fiz! Num bate no meu Zabelê!

Com minha teta de preta criei tua filha Tereza

Na mesma teta ficavam os restos pra ele beber

Tua filha nÕ adoece, tem saúde e esperteza

Meu filho é lerdo ,sabemos, carece de entender!

Carmela negra chorona , fecha o diabo da matraca!

Esse neguinho é um porqueira, só coisa ruim ia ser

Toda vida eu te deixei ter o leite das minhas vacas

Você que não fez beber, o peste do Zabelê!

Mas vou soltar o safado pra gente não mais brigar

Você já falou tanta asneira que até quase vomito

Parar com as capetagens você precisa ensinar

Num pode viver assim esse negrinho maldito!

Carmela! Traz teu negrinho,decidi o que fazer

Para acabar de vez com essa aporrinhação

Assuntamos eu e o marido que fim dar pro Zabelê

Decidimos vender ele na feira de Santo Antão!

Pra que tanta judiação meu Jesus, meu São Ditinho

Vou até fazer promessa pra minha Nossa Senhora

Não deixar tanto castigo no lombo do negritinho

Santinha dos homens pretos me proteja nessa hora!

Vem cá pretinho danado do lado da sua mainha

Somos pretos sem destino, teu pai, meu pai tudo negro

Vem pra cá vamos rezar prà Mãe Maria Raínha

Pedi pra você um caminho e acabar o disassucêgo

Mainha! Sai do aperreio, num carece ficá sofrendo

Vou dizer todas as coisas que estão acontecendo

Preta vejo você, preto você está me vendo

Pois agora me escuta, mainha não sabe nada

Eu todo dia escapo e atravesso a invernada

fico lá no alto do morro espiando a passarada

Os bichinhos falam coisas que me rasgo na risada

Me contaram que lá longe, uns dez dias de viagem

tem um povo igual a gente vivendo na vadiagem

Num tem sinhô nem sinhá, só preto bom, de coragem

e um bando de negrinhos só fazendo mulecagem

Tem vaca, tem boi tem comida, tem fruta de todo jeito

O malvado do Zé Sivério não vai achar nosso eito

Pra chegar nesse lugar homem qualquer não tem peito

Mainha vai se gabar, vai ter filho de respeito

Não se avexe que estou grande , de homem estou quase feito

Carmela! onde você anda que num traz esse negrinho?

Queremos chegar bem cedo na feira de Santo Antão

Vou me livrar desse inferno, aceito qualquer tostão

Eu devia ter matado esse pesteado no ninho

Traz logo esse vagabundo pra acabar a situação!

Sinhá eu to procurando não sei o fim que levou

O danado do negrinho escutou a nossa prosa

Junto as tralhas que tinha, levou até cobertor

Caiu no mundo o coitado, foi pros lados da vertosa

Carmela negra maldita! Deixou ele sumir

Acabo com tua raça, amarro você no tronco

Vou te dar uma pisa até você descobrir

Que vai morrer por causa de esconder aquele tonto!

Mãe! não judia da Carmela, é minha mainha de leite!

Cuida de mim desde a hora que você me pôs no mundo

Sou Tereza, tua filha, meu pedido você aceite

Já está parecendo que tens parte com o imundo!

Vou te vender velha besta impertinente!

Peste de menina está ficando independente

Agora já quer mandar até na vontade da gente...

Vai embora! Vai pra dentro! Sai daqui sua enxerida!

E você negra nojenta vai sumir da minha vida!

Senum achar aquele peste,filho de jumenta parida!-/-

Nhá Tuda já não carece de vender o meu neguinho

Ele até já ficou doido de falar com passarinho

Ninguém quer tee um maluco ainda mais sendo pretinho

Até Zé Sivério agradece dele sumir de mansinho!-/-

Mainha! o tempo passou , voltei ,vim te buscar

Agora sou homem feito, trouxe cem pra me ajudar

Todos pretos como nós! todos valentes que é só!

E aqui nessa fazenda só vamos deixar o pó.

Já cuidei de carregar os ossos teus desse chão

encontrei tua sepultura do lado do mangueirão

Apertei o Zé Sivério pra saber do teu destino

Me contou o que nhá Tuda Fez com mãe desse menino

Por causa do alazão até hoje tá tussindo

Mais mesmo assim fiz falar e não tive pena não

Depois eu mandei ele se encontrar com o cramulião

Cuidei também de nhá Tuda com muita satisfação

Coloquei ela no tronco e com minha própria mão

Dei uma pisa na maldita pra lembrar de Santo Antão

Fiz pagar tudo que fez num deixei nada faltar

Depois pendurei ela no pé do jequitibá

O patrão, velho medroso só fez se escafeder

Quando viu que o teu negrinho tava vingando você

Vou levar a bicharada que der pra se carregar

Depois os companheiros farão tudo isso queimar

Tereza eu vou respeitar porquê gostava de você

Mas vou levar pra ser mulher do teu filho Zabelê

Vou tratar como rainha, vai viver lá no quilombo

Lá eu sou o rei dos pretos que vieram do Congo

Lá eu não sou Zabelê , acabou a vida imunda

A negrada me respeita, me chama de Ganga Zumba...

*** Ganga Zumba ( Grande Chefe) surgiu em Palmares por volta de 1.630 não se sabe de onde, tornou-se chefe dos 11 maiores mocambos do quilombo e foi um árduo e respeitado lutador contra a escravatura, morreu por suicídio em 1.678

depois de perceber ter caído numa cilada armada pelos brancos.

Talvêz sua origem e história fosse assim...

Paulo de Tarso
Enviado por Paulo de Tarso em 08/08/2006
Reeditado em 16/10/2006
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