O rei vaidoso e o sábio que não mentia

Pedindo a sua atenção

Para a minha poesia

Faço voltar o passado

Por meio de analogia

Contando O rei vaidoso

E o sábio que não mentia

É a história de um rei

Que era muito vaidoso

E só sabia ouvir

O discurso elogioso

Declamando poesias

Se julgava talentoso

Baruki foi esse rei

Que só ouvia louvores

Sempre vivia cercado

De grandes bajuladores

Que ele não tolerava

Juízos opositores

Quando ele reunia

No salão palaciano

Figuras da sua corte

Do jovem ao veterano

Tudo ia aplaudir

Os versos do soberano

Ninguém ousava dizer

Que na sua monarquia

Era preciso limpar

A mancha da tirania

Porque ele abusava

Da sua soberania

Mas havia no seu reino

Um sábio de qualidade

Quando era consultado

Só dizia a verdade

E nunca ia ao salão

Bajular a majestade

De todos sábios do reino

Ele era o mais letrado

Farid por seus colegas

Era sempre consultado

Não deixava sem resposta

O que fosse perguntado

Um dia o velho Farid

Preparando seu almoço

Na beira de uma estrada

Misturava um caldo grosso

Cozinhando com legumes

belos pedaços de osso

O conselheiro do rei

Que prezava ostentação

E desprezava o sábio

Por não ser um cortesão

Passava pelo caminho

Trotando num alazão

Quando avistou Farid

Com a sopa na panela

E viu o sábio atiçando

O fogo embaixo dela

Parando aquele cavalo

Foi abrindo a goela:

- Farid, quando você

Por nosso rei for ouvido

E der para a majestade

O elogio devido

Nunca mais irá comer

Desse caldeirão cozido!

Aquelas palavras eram

Cheias de puro desdém

Por ser um homem exato

Que a honradez mantém

Mexendo no ensopado

Farid falou também:

- Kedari, quando você

Uma sopa der valor

Sabendo apreciar

Seu verdadeiro sabor

Nunca mais irá ficar

Na corte desse opressor!

Ouvindo aquela resposta

Kedari enraiveceu:

- Esse Farid não tem

Mais virtude do que eu

E um dia irá louvar

O rei no seu apogeu!

Então esse conselheiro

Usando de sutileza

Falou assim com o rei:

- O valor de Vossa Alteza

Já é muito conhecido

Em toda a redondeza!

Vosso estro de poeta

É por todos estimado

Só falta avaliação

Do nosso maior letrado

Farid precisa estar

No palácio convidado

Aceitando essa idéia

O governante real

Na primeira ocasião

Enviou um serviçal

Que foi convidar Farid

Para um grande sarau

A corte foi reunida

No salão palaciano

Pra uma declamação

Do poeta soberano

E até a vassalagem

Foi ouvir o suserano

O palácio foi tomado

Por nobreza e fidalguia

Confiante o monarca

Declamava a poesia

Ecoavam nas paredes

Os aplausos nesse dia

Farid foi ao palácio

Somente por convidado

Mas não viu nenhum um valor

No que era declamado

Não faria os elogios

Nem que fosse obrigado

Disse o rei: - Quero ouvir

Do grande estudioso

Se meu talento merece

O discurso elogioso

Diga a sua opinião

Que já estou ansioso!

Disse Farid: - Meu rei,

Isso não é poesia

Tenho que desconfiar

Que sua aristocracia

O elogio lhe dá

Por medo da tirania!

No salão palaciano

A surpresa foi geral

Tudo esperava louvor

Ao governante real

Como era o costume

Daquele tempo feudal

Baruki ficou furioso

Com esta declaração

Deu ordens para levarem

Farid para a prisão

Dizendo o dia exato

Da sua condenação

Os soldados o levaram

Para dentro da cadeia

Que além de ser escura

Era muito suja e feia

Com uma cama estragada

Toda coberta de teia

Os amigos de Farid

Apelando ao soberano

disseram que a sentença

Era um grande engano

Mas nenhum soube fazer

Baruki mudar o plano

Os dias foram passando

Com o sábio prisioneiro

Sabendo que a prisão

Era o leito derradeiro

Por causa da esparrela

Feita pelo conselheiro

Preciso agora falar

Do mancebo Martinez

O aluno mais leal

De todos que o sábio fez

Ensinando a andar

Na trilha da honradez

Voltando de uma viagem

Chegou nesse povoado

Esse jovem aprendiz

Que trazia um recado

Sem saber que o seu mestre

Estava aprisionado

Como não o encontrava

Perguntou a um plebeu:

- O sábio vive nas ruas

O que foi que aconteceu?

- Ele está num calabouço

Mais escuro que o breu!

- Por ter dito a verdade

O rei deu a punição

Se desse a mesma pena

Pra quem faz bajulação

De nobres e cavaleiros

Ficava cheia a prisão!

O aprendiz foi procurar

Seu mestre no cativeiro

Que já tinha até ficado

Amigo do carcereiro

Como havia urgência

Deu a notícia ligeiro:

- Meu mestre, você precisa

Ir visitar o seu pai

Que já ameaça dar

O seu derradeiro ai

E para baixo da terra

Num instante ele vai!

- Martinez, agora mesmo

Vá ao rei pedir licença

Pra que eu possa ser levado

Hoje em sua presença

Pois eu quero lhe pedir

Que mude a minha sentença!

Martinez ao soberano

Foi fazer o seu pedido

Explicando que o sábio

Precisava ser ouvido

O monarca aceitou

Que ali fosse trazido

O sábio foi escutado

Numa breve audiência:

- Farid, o que vai querer

da minha benevolência?

- Um indulto especial

Peço a Vossa Excelência!

O meu pai adoentado

Preciso ir visitar

Mas voltarei à prisão

Minha palavra vou dar

Na minha sinceridade

O rei pode confiar!

- Quem disse que eu confio

Na sua sinceridade?

Quem tem o conhecimento

Nem sempre diz a verdade

Você nem reconheceu

O estro da majestade!

Os seus amigos vieram

Sua soltura pedir

Quem sabe se não estão

Querendo me iludir

Inventando um pretexto

Para ver você fugir?

O sábio já esperava

Por aquela altivez

Já sabia que o rei

Manteria a rigidez

Entendendo o motivo

Uma proposta lhe fez:

- Posso fazer a viagem

Pelos guardas escoltado

Com poucos dias depois

Nós já teremos voltado

E naquela enxovia

Continuo aprisionado!

- Os guardas vão com você

Por uma deserta estrada

Os seus amigos esperam

Pra fazer a emboscada

Fico desmoralizado

E a tropa humilhada!

Todo povo vai dizer

Que o rei foi enganado

E pelo sábio do reino

Um dia foi insultado

Desprezando uma sentença

Depois de ter escapado

- Eu espero por clemência

Que venha de Vossa Alteza!

Palavras duras falei

Perante sua nobreza

E o monarca preferiu

Rejeitar minha franqueza!

O soberano negou

Seu pedido de clemência

Mas o jovem Martinez

Reconhecendo a urgência

Fez ao rei uma proposta

Porque tinha consciência:

- Farid sai da cadeia

Pra fazer sua viagem

Eu fico no seu lugar

Na escura carceragem

É a vossa garantia

Que viaja sem vantagem!

No dia do enforcamento

Se ele não tiver voltado

Diante de todo povo

Aceito ser enforcado

Se o rei tinha razão

Isso ficará provado!

- Se é o que você quer

Aceito a sua proposta

Mas lembrando ao aprendiz

Que ela não foi imposta

Querendo correr o risco

O sim é minha resposta!

E naquela mesma noite

Farid teve soltura

Montado em um cavalo

Partiu para a lonjura

Deixando o seu aprendiz

Naquela cadeia escura

O desfecho da história

Todo povo esperava

Mas o jovem Martinez

No retorno confiava

Pois sabia que o mestre

Sua palavra honrava

Passada uma semana

Esgotado foi o prazo

O rei disse ao aprendiz:

- Não tolero o atraso

A minha ordem é lei

Não aceito o descaso!

O monarca ordenou

Imediato cumprimento

Na praça da execução

Foi grande o ajuntamento

Toda cidade foi ver

O triste acontecimento

O aprendiz de Farid

Foi levado ao cadafalso

Foi tido por inocente

E o seu mestre por falso

Só o moço atribuía

O atraso a um percalço

Quando o carrasco botou

A corda no seu pescoço

O povo todo gritava

No meio do alvoroço:

- O sábio devia estar

No lugar daquele moço!

O rei com a sua corte

Assistia da tribuna

E os vassalos no pátio

Alinhados em coluna

O conselheiro julgava

A sentença oportuna

De repente aconteceu

Uma estranha agitação

Era o sábio que chegava

No meio da multidão

Gritando para o carrasco:

- Parem a execução!

Subindo ao cadafalso

Disse quase num abalo:

- Vim na estrada cavalgando

Até morrer meu cavalo

E mesmo um velho não tem

A destreza de um vassalo!

Depois um carro me trouxe

Até o meio do caminho

E o restante do trajeto

Tive que fazer sozinho

Andando apressadamente

Evitando o remoinho

Foi essa dificuldade

O motivo da demora

Nunca pensei em trair

A esse jovem que chora

Pra cumprir a minha pena

Eu me apresento agora!

Diante daquele fato

O povo se comoveu

Tudo pedia clemência

Do vassalo ao plebeu

Exigindo a soltura

De Farid ao rei seu

O rei disse: - Este sábio

Deu provas de ser honrado

Voltando da liberdade

Pra salvar o condenado

Igual a um criminoso

Não pode ser condenado

Ordenando a prisão

Reconheço que errei

Ele tem os seus alunos

Para ensinar em toda grei

Hoje volta para as ruas

Com a permissão do rei!

Depois que o rei falou

Recebeu aplaudimento

E desse dia em diante

Sem nenhum impedimento

Ao sábio foi permitido

Expressar o pensamento

O sábio fez seu mister

Com honra e sabedoria

Agora chegou a vez

Do leitor da poesia

Que paga pelo folheto

Uma pequena quantia

FIM

Carlos Alê
Enviado por Carlos Alê em 04/10/2010
Reeditado em 30/08/2013
Código do texto: T2537703
Classificação de conteúdo: seguro
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