SETE ASSASSINATOS

SETE ASSASSINATOS

A minha mãe, minha vô, e todos os meus amigos

que viveram estes tristes dias de absurdo em Monte Santo.

Amigos de minha terra

Quero agora lhes contá

Um fato que se encerra

Em minha cidade natá

Não foi sorte nem guerra

Mas vidas pré-natás.

As secas que aqui andaram

Deixaram nas mães o pavô

E os seus filhos largaram

A sorte que a vida deixou

As luzes da vida falaram:

Se é morte infantil é dor.

Era um mês frio de junho

Chovia como que faz sol

As minhocas faziam túnel

As borboletas faziam pó

Mas parecia não ser junho

Era seca verde sem sol.

Numa casa velha na roça

Dona Maria cozinhava

Suas filha lindas rosas

Mas pálidas como fantasmas

Eram cinco lindas toscas

Com sete anos cada.

Uma se chamava Joaquina

As outras iguais a mãe Maria

Maria Conceição, Maria Carminha

Maria Teresa, Maria Luzia

A penúltima era Crismina

A ultima igual a mãe Maria.

O pai sem muita educação

Era um homem de labuta

Seu nome era João

E nessa grande luta

De terra céu e pão

Vivia uma vida de surra.

Uma grande sorte bruta

Era sua vida ingrata

E a natureza com sua fúria

Trousse um tempo que secava

Nas mãos das meninas a cuia...

“Vamos ao açude encher a cabaça.”

Pra piorar a situação

E a luz que já não via

Num domingo de São João

Morri a caçula e linda Maria

Só por causa do patrão

E da comida que não via.

Passado todo o longo drama

Dona Maria e uma vigília

Foram ao cemitério leva rama

Ao tumulo do anjo Maria

Agora na cidade era fama

Sete crianças mortas por dia.

Era agora fama na cidade

Quem beija em pé de anjo

Fica com muita coragem

Tudo isso embaixo do pano

Pra esconder a verdade

Das milhares de mortes ao ano.

E numa quente segunda-feira

Que nem si via ventania

É encontrado na esteira

O corpo da pobre Crismina

Oh que vida mais sorrateira

Para a doce mãe Maria.

No natá nossas crianças

Esperam um presente do céu

E dona Maria tem esperança

De nunca mais pô o véu

E como se fosse uma vingança

Lhe rasgam mais um papel.

Na manhã de terça-feira

Luzia não quer comer

Seu João lhe trousse uma pêra

Isso só lhe faz sofrer

Nesta manhã de terça-feira

Luzia decide morrer.

Tão triste e o destino

Daquele flor tão inocente

Por sete dias tocam o sino

Por sete anos um lamento

Pelos fios que são tão finos

De João e Maria o sofrimento.

Em poucas semanas Teresa

Brincando em tanto quintal

Embutida dentro da sexta

Brincando de lobo-mau

Um barbeiro lhe corta a veia

Acabou seu lindo madrigal.

Talvez seus pais chorassem

A perda de sua linda filha

Mas mesmo que a amassem

Sabia de toda a sua sina

E de dentro veio a coragem

Pra tocá a louca vida.

A vida louca foi tocada

Mas o destino ali parou

Carminha flor foi levada

Para bem junto do senhor

A quinta-feira foi sangrada

Seus pais se rasgam de dor.

“Oh que vida tão doida

Que o mundo me guardou

Resolveu levar minhas filhas

E isso só nos fez a dor

Se ontem eu sorria

Hoje eu sou só pavô.”

“Ô Maria sei que choras

E é muito justo tu choras

Mas lembre-se da aurora

Levante o teu sonhar

Hoje aqui você choras

Amanhã sei tu se alegrarás.”

Sei bem que seria bom

Tudo aqui se encerrá

Mas neste triste tom

O sino fez-se ressoá

Era a Conceição que com

A morte hoje partirá.

Nesta noite de sexta-feira

Conceição ali sofreu

Sua vida fico a beira

Do caminho que tremeu

E as lembrança da ribeira

Todas elas as esqueceu.

É a morte de Conceição

Anunciava a preta velha

Com muita dor no coração

Seu pai acendeu a vela

Na luz frente um lampião

Sua mãe se descabela.

“O destino quis assim

De levá a Conceição

Para bem perto de si

Acalmai vossa aflição

Pois é feito para um fim

Esse nosso galardão.”

“Senhor vigário eu lhe digo

Nos resta ainda Joaquina

Que Deus lhe tenha consigo

E lhe ponha a mão divina

O senhor é meu amigo

Reze a luz que lhe ilumina.”

A mais de trezentos anos

Aqui se ergueu uma cruz

E por assim contar os planos

Aqui andou o Bom-Jesus

Acalmou nossos desenganos

Mas cortaram a sua luz.

Dizem o monte é santo

E essa cruz que ilumina

Mas a vida de desenganos

Foi para a pobre mãe Maria

Que como outros planos

Eram sete mortes por dia.

E o final de Joaquina

Foi como de suas irmãs

No sábado de tardezinha

Lembrará sua manhã

‘É a morte de Joaquina!

Acabou o gosto da maçã.

Um João mais uma Maria

Neste sertão de surdos

Sabiam como sofriam

As crianças como mudos.

Sete crianças morriam

Nas regiões de Canudos.

Morriam, morriam, morriam

Sete crianças sem nada

E os governantes sabiam

Dessa triste e tarda fala

E os pobres Joãos só ouviam

A tal reforma agrária.

2006

Paullo Monteiro
Enviado por Paullo Monteiro em 31/05/2011
Reeditado em 31/05/2011
Código do texto: T3004848
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