Boi de Carro (Final)

Confira a Primeira Parte: http://www.recantodasletras.com.br/cordel/3072711

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Com pescoço a arder

Sem ninguém lhe dar carona

E quando vem a inflamar

Usam óleo de mamona

Que a dor nada alivia

Somente a pele amacia

Para a canga pesadona

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O sofrer não vem à tona

Pois a ninguém interessa

Quando vai ficando velho

Até ao seu dono estressa

Sai da linha do desprezo

Só avaliam seu peso

A onde o valor começa

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Daí seu dono tem pressa

Dá comida e sombra fria

O boi velho tá cansado

Sem vigor ou serventia

O carinho dura pôco

E a pausa do sufôco

Se resume em covardia

19

O parceiro e a harmonia

Já se vai dando um fim

Cada um vai pro seu lado

Que seja bom ou ruim

Antes encangava os bois

Findando separa os dois

Ser boi de carro é assim.

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Quem merecia um jardim

Pra descansar da idade

Dão ração pra engordar

Num gesto de piedade

Com marcas da trajetória

Vai se indo a sua gloria

Com pesos da crueldade

21

Seu couro sem qualidade

Joelhos com peladura

Com pescoços calejados

Daquela canga tão dura

Costelas cheia de catombo

Com marcas vista no lombo

Sem avalia de bravura

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Pra descer à sepultura

Tem que a cobra lhe morder

Ou a doença da ponta

Se vier a acontecer

Se não morrer de repente

Vai ser comida da gente

Sem poder se defender

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Pós o dono lhe vender

Vai seguir a passos lentos

Deixa o pacato curral

Onde foi seus aposentos

E segue o triste destino

Que herdou desde menino

Findar em braços sangrentos

24

Já se findando os tormentos

Ele ainda corre a vista

Procurando ver por perto

Seu dono ou manobrista

Mas ninguém lhe aparece

Sem direito a uma prece

Prossegue baixando a crista

25

Na estrada de chão ou pista

Chegando lá enfadado

E percebe algo estranho

Curral diferenciado

Vendo um povo diferente

E um cheiro não atraente

Mas permanece calado

26

Bem cedo escuta o brado

Bem antes de o sol nascer

Na porteira ver seu dono

Se alegra ao perceber

Lentamente remoendo

Pra si mesmo vai dizendo

O meu dono veio me ver

27

Escuta uma voz dizer

Bem forte e arrogante

O senhor chegou na hora

Dessa matança brilhante

Se veio para assistir

E o peso conferir

Espere só um instante

28

Nessa hora os dois de fronte

Fortes olhares se cruzam

Mas seu dono baixa a vista

As recordações lhe acusam

Vendo de lado a balança

O boi perde a confiança

E da sua calma abusam

29

As ferramentas que usam

Colocam ao seu redó

Machado cutelo e faca

E quem age sem ter dó

No olhar não ver mais nada

Sente a ultima pancada

E morre somente só

30

É um herói virando pó

Sendo devera esquecido

Pode ainda ser lembrado

Mais nunca compreendido

Nunca foi recompensado

Resta e canga corro e arado

E o resto foi consumido

31

Se fosse fazer pedido

Nunca seria castrado

Sempre teria uma dama

Nunca dormia apartado

Fazia todo serviço

Cumpria seu compromisso

E vivia apaixonado

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Puxava carro ou arado

Com mais vigor e coragem

Fazia filhos e filhas

Que seguissem a linhagem

Era um macho verdadeiro

Trabalhava o dia inteiro

Sem se cansar em viagem

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E fazia traquinagem

Como qualquer um machão

Cobria todas as fêmeas

Se precisasse uma serão

Fazia sem reclamar

Mostrando que pra amar

Independe de profissão

34

Inté pedia compaixão

Pra folgar em feriados

Trabalhar só oito horas

Como faz os empregados

Sem queixumes viveria

Satisfeito morreria

Como os remunerados

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Dava exemplos aos viciados

Os toros reprodutores

Que come dorme e só cruzam

E nada são devedores

Mudam sempre de costela

Parece ator de novela

Orgulhando seus senhores

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Pra eles só restam dores

Muito massacre e castigo

É companheiro em trabalho

Mais não chega ser amigo

Boi de carro é pra sofrer

E sofre até morrer

Como se fosse inimigo

37

Já registro nesse artigo

Quem vivo sofre demais

A história, a mais triste,

Suportando temporais

Massacrado em longo prazo

Num destino, seu descaso!

Herdado dos encestais

38

Jaz então como mortais

A tumba nem por herança

Inesquecíveis não são

Lembrados só na lembrança

Túmulos não se conferem

Os homens é quem não querem

Negando com a matança

Jailton Antas
Enviado por Jailton Antas em 08/07/2011
Reeditado em 11/07/2015
Código do texto: T3082174
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