O JARARACA.

Jose Leite de Santana nunca foi,

O J A R A R A C A.

I

Este cordel eu escrevo

Com muita satisfação

Pra remontar uma história

Contada no meu sertão

Pela classe dominante

Que mantém ignorante

A grande população.

II

O Brasil é campeão

Nessa prática teatral

Desde seu descobrimento

Nas mentiras do Cabral

Até nossa independência

Foi a maior excrescência

Na história oficial

III

Seguida a dum marechal

Que fala em revolução

Um general “democrata”

Promovendo transição

Em tudo eu vejo um mistério

Pois Quando um país é sério

Não anda na contramão

IV

De fato pra ser nação

Tem que ter soberania

Um governo para o povo

Que no povo principal

Garantindo ao cidadão

Trabalho e educação

Segurança e moradia

V

Coibindo a anarquia

O roubo, a corrupção.

E as fraudes contra o povo

Que é o real patrão

Somente assim um país

Alcançar o título feliz

E “status” de nação

VI

Por via da eleição

Depura-se o poder

Se não for “patrocinada”

Para americano ver

Se for assim, meu irmão

Somente a revolução

Pode o caso resolver

VII

Não espere acontecer

Faça hoje esse dia

Pois quem sabe logo faz

Se não faz é covardia

Grite assim; Revolução!

Independência e nação!

Mesmo que seja tardia

VIII

Sinta agora essa energia

Isso se chama poder

Todo governo é fajuto

Se o povo não o eleger

Ele não tem competência

No povo está a potência

Para ungir o que vencer

IX

É triste, mas vou dizer

Nossa história é deturpada

O Brasil nunca passou

Duma colônia explorada

Vou repetir sem prazer

É filme pra”gringo” ver

É isso só e mais nada

X

Eu dei essa viajada

Fazendo a introdução

Pra mostrar que os dominantes

Tem nos pés, um quarentão

E gostam de “ilustrar”

As notícias que vem “dar”

Tapando o sol com a mão

XI

Aqui no nosso torrão

Pertinho do cafundó

Abaixo do equador

Situa-se Mossoró

Uma providência gentil

De um povo varonil

Melhor do que ouro em pó

XII

Mas quem vive em Mossoró

Tem fama de valentão

Pois proclama aos quatro ventos

Que expulsou Lampião

Um famoso justiceiro

Que virou um cangaceiro

Por uma justa razão

XIII

Atuou na região

Tal qual o “Robin Hoode”

Aos pobres e as viúvas

Protegia com saúde

Mas para os exploradores

“fazendeiros” ou “doutores”

Trazia-lhes, Ataúde

XIV

Também cantam a virtude

Dos “barões” dessa cidade

Que alforriaram os negros

Antes mesmo na verdade

Da áurea de Isabel

Ser botada no papel

Eles “deram” liberdade

XV

Festeja-se na cidade

Um tal voto feminista

A revolta das panelas

Como uma “peça” farrista

Pra ganhar destaque e fama

Joga a história na lama

Pensando em “pescar” turista

XVI

Nessa política farrista

Cruel e alienante

Zumbifica muita gente

Com seu canto embriagante

Imitando uma sereia

Mas é morcego na veia

Dum infeliz “viajante”

XVII

Me ponho como o Cervantes

Em nossa comunidade

Um Quixote combatendo

Nessa vil sociedade

O “dragão da burguesia”

Que cospe hipocrisia

No povo dessa cidade

XVIII

No fogo da vaidade

Cauteriza a consciência

Dessa gente altaneira

Que não sabe que a ciência

Quando usada para o mal

Num tecido social

Produz a sua falência

XIX

Neutraliza a potência

Que faz um povo nação

Essa “ciência” mesquinha

Chegou na embarcação

Provinda de Portugal

Da esquadra do Cabral

Desceu a corrupção

XX

Do litoral ao sertão

Contaminou muita gente

E aqui em Mossoró

Um “coroné” eloqüente

“Manipulou a receita”

Dizendo curar maleita

Com um “caxete” somente

XXI

Deixou o povo indolente

Nos “caxetes” viciado

Que para um tudo servia

Esse “caxete” danado

Da enxaqueca ao chulé

“Receitava” o “coroné”

O “bicho” “manipulando”

XXII

Quando ficava zangado

Xingava o povo em francês

Porém aqui muito ruim

Se falava o português

Fez todo mundo “burro”

Enricou sem dar um murro

Tendo povo por “freguês”

XXIII

Porém, uma certa vez

Vinha passando o vigário

Quando ouviu o “coroné”

Receitando um “Voluntário”

Excomungando em francês

Aquele pobre “freguês”

Sem culpa de ser otário

XXIV

O padre no novenário

Denunciou-o num sermão

Mas o “coroné” sabido

Fez logo sua inscrição

Numa seita fugidia

Entrando na confraria

Fazendo-se um irmão

XXV

“Rachou” a população

Foi para um lado à igreja

Com o padre e seus fiéis

Travancando uma peleja

Contra os bodes capa preta

Os “obreiros” de mutreta

Que escondido planeja

XXVI

Queimando numa bandeja

Num “secreto” ritual

Tudo quanto é projetado

Para o “bem” ou para o mal

O infeliz arquiteto

Executa seu projeto

De capuz e avental

XXVII

Disso nasce um festival

De fuxico e de intriga

Que dá nojo ainda hoje

Nessa cidade amiga

Naqueles que renegaram

Dos “caxetes” não tomaram

Nem entraram nessa briga

XXVIII

Essa história é muito antiga

Tem mais de setenta anos

Peregrino eu andava

Pelo mundo dos ciganos

Ouvi duma cabroeira

Uma história traiçoeira

Contada pelos “profanos”

XXIX

Quando traçavam seus planos

Pra tarde daquele dia

Pois aqui em Mossoró

Virgulino passaria

Para pegar um dinheiro

Mas de modo traiçoeiro

Este bando o mataria

XXX

Quando clareou o dia

Os jagunços bem armados

Seguira para a cidade

E ficaram alojados

Uns por cima, outros no chão

Na torre e na estação

Feito cobras, enroscados

XXXI

Eles foram contratados

Pelo grupo do prefeito

Sem a ciência do padre

Porque antes tinha aceito

Entregar pra lampião

O dinheiro em sua mão

Num acordo que foi feito

XXXII

Porém o sagaz prefeito

Fez outra reunião

Como grupo liderado

Pela outra facção

Que decidiu em “secreto”

Por em prática um projeto

Para matar Lampião.

XXXIII

Não pensava o capitão

Em atacar Mossoró

Comprovando a boa fé

Enviou um homem só

Ao seu vigário falar

Para os “ricos” colocar

Uma oferta em seu bornó

XXXIV

Tinha cuspido no pó

E disse ao seu mensageiro

Diga lá a seu vigário

Que eu vou passar ligeiro

Me ajude em oração

E receba de Rumão

Um abraço verdadeiro

XXXV

Do padim do Juazeiro

Que tanto ama o sertão

Esquecido pelos homens

Que governa essa nação

Que do Rio de Janeiro

Manda para o estrangeiro

O suor do nosso irmão

XXXVI

Nessa próxima eleição

Meu Padim vai enfrentar

Esses coronéis safados

Pois vai se candidatar

Deputado Federal

Pra poder na capital

O povo representar

XXXVII

Eu pensei ai passar

Já amainando o dia

Pois dá tempo a seu vigário

Juntar nessa freguesia

A minha oferta romeira

Pra manter a cabroeira

Com sustância e energia

XXXVIII

Taí, a hora e o dia

Que eu passo pra pegar

Despache meu companheiro

Para vir me confirmar

Pois na hora já marcada

Passarei com a cambada

Pra minha oferta levar

XXXIX

O padre sem demorar

Convocou o sacristão

E fez ele intimar

Os homens de posição

Que num papel colocou

Saio e depois voltou

Com todos da relação

XL

Travou-se a reunião

O cangaceiro presente

Todos foram solidários

Jurando solenemente

Que em tudo garantia

Entregar sua quantia

No altar ali presente

XLI

O padre ficou contente

Despachou o cangaceiro

Com mil recomendações

Que dali partiu ligeiro

Como lava de vulcão

Pra falar com Lampião

Em seu cavalo fagueiro

XLII

Logo riscou no terreiro

Onde estava o capitão

Arranchado na fazenda

Que fazia a divisão

Do vizinho ceará

Um gostoso arraiá

Dum amigo de Rumão

XLIII

O sol ardia no chão

No pingo do meio dia

Todos sentados em roda

Uma narração ouvia

Da parte do companheiro

Que viu juntar o dinheiro

No altar da sacristia

XLIV

Era treze aquele dia

Deu um tiro o capitão

Aguçando os companheiros

Riscou o punhal no chão

Que o fogo resplandeceu

E dum pulo que ele deu

Montou-se num alazão

XLV

E cantando uma canção

Arrudiando o terreiro

Estrondando assim falava

Avante meus companheiros!

O povo dessa nação

Precisa de Lampião

Padim Ciço e Conselheiro

XLVI

Avante fiéis guerreiros

Vamos juntos batalhar

Por nossa dignidade

Vamos morrer ou matar

Se pra ter felicidade

Depende da liberdade

Vamos por ela lutar

XLVII

Deixaram aquele lugar

Rumando pra Mossoró

Chicoteando no vento

Como cobra de cipó

O capitão Virgulino

Não previa que o destino

Lhe viesse dar um nó

XLVIII

De longe se via o pó

Do alto da estação

E da torre da igreja

Onde estava a guarnição

De tocaia esperando

Com os fuzis apontando

Pro bando de Lampião.

XLIX

Foi a maior traição

Lamentava o mercenário

Dessa ardil sociedade

Com o meu sinhô vigário

Que chorou a covardia

Nos “pés” da Santa Luzia

Chega ensopou o rosário

L

Enquanto lá no cenário

Do largo da estação

Por detrás do cemitério

Penetrava Lampião

Com a sua cabroeira

Cantando mulé rendeira

Que estremecia o chão

LI

De bacamarte na mão

Pressentiu a emboscada

E já entrou atirando

Em tudo dando rajada

Fuzilou a São Vicente

Onde estava o tenente

Autor dessa presepada

LII

Vamos lá rapaziada

Exclamava Lampião

Quando viu que era um cerco

Da igreja a estação

Aboiou uivando em berro

Pegou a linha de ferro

Rumo a São Sebastião

LIII

Mas aqui ficou no chão

Um companheiro ferido

Com um tiro de raspão

Que logo foi inquirido

Porém nada respondia

Diante da covardia

Que o deixava combalido

LIV

Mesmo assim foi atrevido

Fazia gosto se ver

A coragem desse homem

Que era macho pra valer

Foi ferido e amarrado

Teve seus ossos quebrados

Para na cova caber

LV

A notícia ia correr

Do brutal assassinato

Sem um justo julgamento

Na crueldade do ato

Enterram um homem vivo

Foi muito ódio, o motivo

Eis a verdade do fato.

LVI

O arrastaram pra o mato

Lá pra trás do cemitério

Pra “fazer” o julgamento

Sem haver nenhum critério

E num “rito” bem sumário

Esconderam do vigário

Aquele infeliz mistério

LVII

Vendo que o negócio é sério

Os pseudos cidadãos

Reuniram-se depressa

Fazendo sinais nas mãos

Muito sutil era o gesto

Traçaram um plano funesto

Aqueles “obreiros” vãos.

LVIII

Reunidos “invocaram”

“Luzi Bell” que "O grão”

O “mestre” dos “arquitetos”

Que tem na terra a missão

Desagregar e mentir

Matar, roubar, destruir.

Para forjar uma “ação”

LVIX

Para enganar os cristãos

Que ficaram indignados

Com a classe dominante

Pelos atos praticados

E por tanta tirania

Vividas no dia a dia

Desses homens graduados

LX

Então os confederados

Manipulando a imprensa

E uns bocas de chafurdo

Tirados lá da “dispensa”

Para espalhar um boato

A respeito do mulato

Numa proporção imensa

LXI

A mentira foi intensa

Que se espalhou no sertão

Que um tal de Jararaca

Do bando de Lampião

Matador de criancinhas

Das donzelas e das velhinhas

Tava enterrado no chão.

LXII

Mais aqui muitos cristãos

Conhecem bem a história

Que mancha a sociedade

Denegrindo a vitória

Se falando em liberdade

Uma atitude covarde

Tira o brilho dessa glória

LXIII

A verdadeira história

Nessas páginas foi contada

As demais são fantasias

Ou estória inventada

Jararaca foi a pecha

Para se tapar a “brecha”

Que estava “escancarada”

LXIV

Foi somente uma fachada

Pois seu nome é por inteiro

José Leite de Santana

Que foi fiel escudeiro

Do capitão Virgulino

Que fez o grande destino

No sertão ser um guerreiro

LXV

O negão era solteiro

E nunca matou ninguém

Antes deu a própria vida

Para proteger a quem

Lutava pelo sertão

Ao amigo Lampião

Se dava como refém

LXVI

Todos lhes tratavam bem

Era um homem de respeito

O cabo, José Santana

Não tinha nenhum defeito

No exército brasileiro

Recebeu dum brigadeiro

Uma estrela e pôs no peito

LXVII

Era esse o tal “sujeito”

Que morreu como animal

Pra vergonha da “cidade”

No cemitério local

O cabo, José Santana

Recebe até caravana

Lamentando aquele mal

LXVIII

Como quem coloca sal

Numa ferida aberta

O choro dos visitantes

É um grito de alerta

Clamando pela verdade

Justiça por caridade

Contem a história certa!

LXIX

Meu coração se aperta

E as lágrimas vão ao chão

Recordando o sofrimento

De Santana e Lampião

De Antônio o Conselheiro

Que foram os verdadeiros

Heróis desse meu sertão.

LXX

No caso da abolição

Também foi jogo marcado

Pois os negros em Mossoró

Como se diz num ditado

Não dá pra fazer um chá

Para a gripe de Sinhá

Por ser um “gatim” pingado

LXXI

Está tudo constatado

Que aqui na redondeza

Contavam-se quatro negros

Vivendo na singeleza

Como domésticos tratados

Por tanto alforriados

De fato por natureza

LXXII

Concluímos com clareza

Este singelo cordel

Perseguindo uma grandeza

A perfeição do Fiel

A verdadeira Justiça

Denunciando a cobiça

Do bando de “Luzi Bell”. Fim.

José Lucena de Mossoró
Enviado por José Lucena de Mossoró em 29/07/2011
Reeditado em 29/08/2012
Código do texto: T3126177
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