O PREFEITO É O CULPADO

Seu moço, eu sou lá da roça

Onde já fui bem casado

Mas não tem cristão que possa

Tá no mundo sossegado

No meu pequeno ranchinho

Nunca faltou o carinho

Dos menino e da muié

Na mais tranqüila união

Na fazenda do patrão

No sertão do Catolé

Tanto eu lhe queria bem

Como a muié me queria

Meu nome, Zeca Neném

O nome dela, Maria

Sem briga, sem mau costume

Lá num reinava o ciúme

Só mesmo muita amizade

Fora a roça onde eu prantava

O meu rancho eu só deixava

Se houvesse necessidade

Pra festa, eu deixei de ir

Desde quando me casei

Pois não é bom insistir

Contra essa sagrada lei

Fora as missa e as novena

Não se assistia outra cena

E a nossa diversão

Era amor e alegria

Pois lá não tinha energia

Nem também televisão

Mas seu moço, agora veja

O que aconteceu um dia

Quando eu vinha da igreja

Junto com minha Maria

Passou por nós na estrada

U´a baruieira danada

Chega mudava de tom

Tocando e as coisa dizendo

Dispois eu fiquei sabendo

Que era um tal carro-de-som

Um cabra da voz gasguita

Dizia assim desse jeito:

- Amanhã tem a visita

Do nosso amigo prefeito

Tem festa, tem atração

E eu chama mais a atenção

Se quiser ficar bonito

Nós vamos cortar na praça

Cabelo e unha de graça

Do povo desse distrito

Eu disse para a muié :

- Maria, como é que pode

Tê de graça cafuné

Cabelo, barba e bigode?!

E desde já eu notei

Na Maria um aperrêi

U´a risada diferente

Que alegria como aquela

Desde que casei com ela

Nunca vi na minha frente

Fiquei logo incabulado

Ela cumeçou falá:

- Mas que prefeito interado

Zeca, vamo aproveitá

Vamo levá os menino

Que tão ficando mofino

Divido ser cabiludo

Aproveita e corta o teu

Que também eu corto o meu

Menino, muié e tudo

Num preciso de barbeiro

Pra ter a cara rapada

A barba, eu tiro ligeiro

Tendo naváia afiada

E essa históra de cabelo

Nunca tive muito zelo

Pois quem trabáia na roça

Leva sol, leva puêra

Dum jeito que a cabilêra

Acaba ficando grossa

Eu lá não queria ir

E nem levá a Maria

Mas, divido ela insistir

Queria pruqê queri

Domingo, de menhãzinha

A mió roupa que eu tinha

Vesti, botei o chapéu

Maria, tão sastifeita

Como se já fosse eleita

Uma rainha do céu

Botô pó, botô batom

E se banhou de prefume

Senti que o carro-de-som

Tinha trazido o ciúme

Os três menino na frente

E ela toda contente

Tava se rindo do vento

Eu ia ali do seu lado

Porém, todo incabulado

Fedendo a mau pensamento

Rompemo o camim estreito

E chegemo na festança

De longe eu vi o prefeito

Conheci só pela pança

De cabôco rudiado

Com dois capanga de lado

Bem no miolo da praça

Fumando e dando risada

Era cada baforada

Que azulava de fumaça

Assim que ele me avistou

Me chamou pelo meu nome

Maria me empurrou:

-- Vai, Zeca, falar com o home

Ele apertou minha mão

E disse assim bem grossão:

-- Fala, Zeca, cabra macho

Como fosse um velho amigo

E eu cá pensei comigo

Por aqui tem cambalacho

Me apresentou lá na praça

A sua isposa de fama

Istranhei foi sua graça:

Sinhóra premera-dama

E disse: -- Zeca, tu pode

Cortá cabelo e bigode

E ficá bem à vontade

Não precisa pagamento

Lhe dou inté documento

Do rigistro à identidade

Esmola grande demais

Todo cego desconfia

Mas quando eu oiêi pra trás

Avistei foi a Maria

Sentada numa cadêra

E u´a cabôca facêra

Cortando o cabelo dela

Enquanto ôta cortava

Suas unha e chambregava

Duma pintura amarela

Os três menino já tava

Os cabelo só o toco

O mais véi churumingava:

-- Papai, rapáro meu coco

A tisôra muito cega

Também pedi: -- ô colega

Não rape meu coco, não!

Ô tisôra desgraçada

Ele, com a mão pesada

Eu, levando beliscão

Eu não sou muito bonito

Mas também não sou tão fêi

Mas já vi corte esquisito

Quando me vi no ispêi

O barbêro desgraçado

Dexou tudo arrupiado

Fez o maió dismantelo

Eu me alembrei de Sansão

Que só era valentão

Quando crescia o cabelo

Com Maria, não sinhô

O sirviço não foi ruim...

Nem a muié do doutô

Tava tão bonita assim

Todo mundo dava fé

Disse um cabra: -- Que muié

Mais parece uma boneca

-- Fala mais baixo, negrada

Essa muié é casada

É a Maria do Zeca

O meu corpo estremeceu

Ficou fervendo a goela

Peguei os menino meu

E garrei no braço dela

Que saí pisando em brasa

E se larguemo pra casa

Pois naquele mesmo dia

Eu tive o prissintimento

Que vinha um má elemento

E carregava Maria...

Foi dito e feito, seu moço

Não se passou nem um mês

Eu vim da roça pro almoço

Mas, antes, vêi um freguês

Todo metido a moderno

Saído lá do inferno

Maria com ele foi

Inda dexou um bilhete

Em riba do tamborete

Adeus, cabeça de boi

Quem quisé de mim gostá

Não me fale nessa raça

De prefeito que chegá

Pintando gente de graça

Se eu perdi minha Maria

Fiquei sem minha famia

E sou corno desse jeito

Não condeno a muié, não

Mas digo chêi de razão:

Toda culpa é do prefeito

PEDRO PAULO PAULINO
Enviado por PEDRO PAULO PAULINO em 03/08/2011
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