O casamento do bebum

o que eu quero aqui dizer

não é imaginação

foi um caso ocorrido

no miolo do sertão

onde o povo gargalhava

e o vigário esbravejava

com a tremenda confusão

*

um sujeito cachaceiro

cismou de se amarrar

arranjou uma cabocla

prometendo se casar

marcou mês, dia e hora

para subir no altar

todo mundo do lugar

foi previamente convidado

e um festão de arromba

já estava programado

até o sino da igreja

não ficava sossegado

não havia outra coisa

para o povo comentar

senão do matrimônio

de Anita com Josaffá

um beberrão furioso

que vivia de bar em bar.

chegado o dia marcado

pra se ter o grande evento

todo mundo estava aflito

pra ver aquele momento

pois ninguém queria perder

de assistir o casamento

quando o padre apareceu

muito bem paramentado,

o noivo, que já estava bêbado,

lhe deu um abraço apertado

e bem alto gritou na igreja:

seu padre, agora não tem babado

o vigário ficou sisudo

com aquela situação

mandou Josaffá calar

para não dar confusão

pois Anita já se adentrava

arrastando uma procissão.

o padre saudou a todos

fazendo uma explanação

queria muito silêncio

durante a celebração

mas Josaffá se entretia

com uma garrafa na mão

dizia já estar cansado

de tanto, tanto esperar

que estava de saco cheio

pregado ali no altar

e que se alguém se engraçasse

ele não ia mais casar

o padre, então, deu início

pregando um belo sermão

onde falava do álcool,

do pecado e do perdão

o quê Josaffá não gostou

e quebrou a garrafa no chão

passado aquele momento

só risada ali se ouvia

Josaffá xingava o padre

só por pura arrelia

e com aquele bate-boca

todo mundo se divertia

foi um susto inesperado

para todos os presentes

foi vidro pra todo canto

foi caco em toda gente

e a noiva, rolando em pranto,

foi se esconder lá na frente

Josaffá se balançava

tentando se equilibrar

mas o padre se esquivava

para dele se afastar

e Anita voltou depressa

subindo os degraus do altar

a platéia em zombaria,

assistia admirada,

queria ver o final

da maior das palhaçadas

e todos catavam vidros

em meio às gargalhadas

o celebrante enfurecido

com a estupidez da cena

suspendeu o casamento

marcando pra outra quinzena

mas Josaffá se zangou

e um soco lhe acertou

sem ter dor e sem ter pena

foi o maior arranca-rabo

que por ali já se viu

Josaffá dizia pro padre

vai a puta-que-pariu

e enquanto o pau quebrava

a noiva escapuliu

muito tempo se passou

sem ninguém falar de Anita

não se sabe se ficou feia

ou se continuou bonita

o certo é que Josaffá

quebrou tudo do altar

depois que perdeu Anita

de certo ela enfiou

outra aliança na mão

pois Josaffá, certamente,

lhe seria contramão

era mesmo um cachaceiro

um veterano arruaceiro

um distinto beberrão

a partir daquele instante,

com o casamento acabado,

Josaffá dobrou o vício

pra viver mais embriagado

só depois de uma cirrose

faleceu sem ser chorado.

S. Paulo – dez/2006

José Pedreira da Cruz
Enviado por José Pedreira da Cruz em 09/12/2006
Reeditado em 30/09/2007
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