A TRAGÉDIA DE SAPÉ

PRIMEIRA PARTE

Vou contar a história

De uma mulher nordestina

Que sonhava com a glória

Desde o tempo de menina

Mas viu seu sonho abortado

Quando um tio malvado

Resolveu mudar-lhe a sina

Em ser capa de revista.

Vivia sempre sonhando

Fazia versos brincando

Também era repentista

Cantava, representava

Criança já apresentava

Os dotes de uma artista

Tinha um olhar de princesa

O cabelo de ouro banhado

No corpo a sua beleza

Deixava o mundo encantado

Era filha de João Pacheco

Um homem magro e seco

Comerciante e honrado.

Tinha João outras filhas

Muito bonitas também

Verdadeiras maravilhas

Naquela terra de além

Mas nenhuma era tão bela

Como aquela donzela

Que não queria ninguém.

João Pacheco é homem rico

E só tem filha gostosa

Mas não é pro seu bico

Dizia com a voz raivosa

Mas a turma insistia

Fazendo grande anarquia

Levando o velho na prosa

João plantava e colhia

O que a terra lhe abundava

Feijão, algodão, melancia

Coco era o que mais dava

Também criava galinha

E de tudo que ele tinha

A família desfrutava.

Vivia nessa fartura

Um irmão de João Pacheco

Uma estranha criatura

Alto, branco e seco

Falava pouco, era gago

Bebia muito, um estrago

Trabalhava limpando esterco.

Por trás da propriedade

De João passava um rio

Gente de toda idade

Se banhava buscando o frio

Também vinham as lavadeiras

Crianças em brincadeiras

Se refrescar no estio.

Perdoem-me os leitores

Pra história fluir melhor

Incluir novos autores

Pra desatar esse nó

Vou falar de Severina

A irmã dessa menina

Que sofreu de fazer dó

Severina era encostada

Aquela bela princesa

Moça simples e recatada

Também tinha sua beleza

Seu mal foi se apaixonar

Por um tal de Valdemar

Que lhe deu tanta tristeza.

Um dia leu Severina

Um cordel maravilhoso

Que falava de uma menina

E um pavão misterioso

Ficou tão emocionada

Ao saber da empreitada

De um ladrão amoroso

Que com muita ousadia

Coragem e destemor

Roubou de um rei na Turquia

A sua mais linda flor

Numa estrutura de ferro

Desafiando o império

Glorificando o amor

Severina adorou

Aquela história bonita

Valdemar logo passou

A ser João Evangelista

Como era um mulato

Foi rejeitado e esse fato

Revelou a mãe racista

Mas João concedeu

A permissão pra casar

E por cima ainda deu

Uma casa pra morar

Ficava noutra cidade

Foi tanta felicidade

E foram então pro altar

Depois da lua de mel

Vejam o que aconteceu

Valdemar muito arretado

Pra casa de João desceu

Dizendo numa estacada

A sua filha é furada

Outro cabra a comeu

João não pestanejou

Em receber a filha no lar

Mas dentro de si planejou

Aquela história apurar

Levou a filha ao doutor

Que logo a examinou

Sem nada errado encontrar

Sua filha é diferente

Das moças dessa cidade

Tem o hímen complacente

O que é uma raridade

Se ela filhos não tiver

Será sempre uma mulher

Sem perder a virgindade.

Minha filha tem cabaço!

Foi o que ele entendeu

Na menina deu um abraço

Pra casa logo correu

Foi logo dizendo a mulher:

Está pra nascer em Sapé

Quem desmoraliza o que é meu.

Em seguida pegou a trilha

Pra casa de Valdemar

Conduzindo a sua filha

Dizendo vou lhe entregar

Aquele cabra de peia

Se ele fizer cara feia

Comigo vai se estrepar.

O homem não era besta

E tudo se acalmou

Promoveu até uma festa

Jurando eterno amor

E Severina contente

Dizia pra toda gente

Sou virgem como uma flor

Severina era a irmã

Mais chegada da princesa

Parecia até uma fã

De sua real beleza

No dia que se casou

Maria do Carmo chorou

Foi demais sua tristeza

Inda mais com a presepada

Que aprontou o cunhado

Não sabia, porém a coitada

Que aquilo tudo passado

Fora uma premonição

Da tragédia que o irmão

Do seu pai ia ser culpado

Tudo começou um dia

Quando João Pacheco indicou

O seu irmão que bebia

Pra conduzir um andor

Onde a sobrinha de anjo

Pegando a mão de um arcanjo

Pro santo dava louvor

Fernando olhou pra sobrinha

De um modo diferente

E viu então que ela tinha

O corpo muito atraente

Nasceu ali um desejo

De salpicar-lhe um beijo

Apaixonado e ardente

Mas logo se envergonhou

Do pensamento incesto

Debaixo daquele andor

Falou pra si: eu não presto

Pensou ao santo falar

Mas como acreditar

Em uma imagem de gesso?

Passou-se um mês e então

Tudo estava numa boa

Quando o velho João

Chamou a sua patroa

E disse todo contente

Se arrume que agora a gente

Vai conhecer João Pessoa

Porém antes de partir

Pra bandas do litoral

A família teve de ouvir

As ordens do maioral

Pra não falar com estranho

No rio não tomar banho

Se não quiser se dar mal

E determinou também

Maria do Carmo a mandante

Pois a mais velha convém

Tomar conta do restante

E seguiu então seu rumo

Mascando sempre seu fumo

Que o deixava ofegante

Maria do Carmo se viu

Cheia de autoridade

Chamou Fernando seu tio

E apesar da pouca idade

Deu-lhe um exporro tremendo

Por ele andar bebendo

Em todo bar da cidade

Fernando ouviu calado

A repreensão da menina

E se lembrou de um ditado

Que ouviu de Severina

Quem sabe ficar calado

Quem sofre resignado

Um dia vai tá por cima

Desse dia em diante

Algo estranho aconteceu

Fernando ficou distante

Nunca mais ele bebeu

Mas lá no fundo da alma

Algo lhe tirou a calma

Uma chama se acendeu

João Pacheco notou

A mudança no irmão

E muito se alegrou

Tomando uma decisão:

Vão dizer que eu sou louco

Mas vais tomar conta do coco

Minha maior plantação

Também mandou levantar

Bem no fundo do quintal

Um quarto pra ele ficar

Mais perto do coqueiral

Pois assim ele podia

Trabalhar como vigia

E o mano achou legal

Legal porque ficava

Mais longe da tentação

De vez em quando lembrava

O lance da procissão

A sobrinha era um pecado

Que o deixava arrasado

No meio da plantação

Um dia chegou a Sapé

A irmã de João Pacheco

Era uma pobre mulher

Casada com um homem negro

Se acomodou na cidade

E sua especialidade

Era fazer vinho fresco

Nanu ficou conhecida

Como a mulher do licor

De tanto lutar na vida

O seu rostinho engelhou

Mas não perdeu a visão

Viu logo que seu irmão

Tava morrendo de amor

Não descobriu, entretanto

Quem era a referida

Porém ficou no seu canto

Cuidando de sua vida

Fazia um licor tão sublime

Que era até um crime

Não se provar tal bebida

Um dia muito inspirada

Evocou até o deus Baco

Foi pra feira apressada

Comprar muito jenipapo

Vou fazer o mano falar

Ele há de relatar

Essa história taco a taco

E assim ela armou

a arapuca para o irmão

Encheu um litro e levou

Pra ele na plantação

O homem se embriagou

Somente não confessou

Quem era a sua paixão

Nanú saiu frustrada

Foi pra casa descansar

Na casa de João a moçada

Resolveu no rio nadar

Era noite e a lua cheia

Parecia uma candeia

No céu a iluminar

Depois que a irmã saiu

Fernando foi se deitar

Mas de repente ouviu

E não quis acreditar

Era a voz da sobrinha

Cantando uma ladainha

Antes de se refrescar

Ele então correu

Pra poder observar

Pra isso se escondeu

Atrás de um pé de ingá

Ficou ali excitado

Quietinho, petrificado

Com medo até de gozar

Na hora de ir embora

Maria da penha falou:

Vocês podem ir agora

Daqui a pouco eu vou

Vou ficar mais um pouco

Estou com um desejo louco

De meditar no amor

Fernando ouviu a conversa

Ficou todo arrepiado

E disse a hora é essa

De me fazer-me vingado

E sob o efeito do vinho

Foi chegando de mansinho

Pisando com muito cuidado

A moça então se deitou

Contemplando o universo

O pensamento voou

A procura de um verso

E assim ela não viu

A chegada do seu tio

Com seu desejo perverso

E numa fúria louca

O malvado atacou

Tapou a sua boca

Ela então desmaiou

Entrando logo em ação

Tirou a roupa e então

A sobrinha deflorou.

Amigo e nobre leitor

Seja homem ou mulher

Agora que começou

A tragédia de Sapé

O ato do tio maluco

Vai envolver Pernambuco

Vamos ver como é que é

Maria do Carmo contou

Tudo como aconteceu

João Pacheco chorou

De raiva quase morreu

Jurou então se vingar

O meu irmão vou matar!

Ninguém desonra o que é meu

Partiu atrás do irmão

Armado até os dentes

Pra garantir a ação

Chamou também três valentes

Bateram todo o estado

Não encontram o safado

Voltaram bem descontentes

Grande foi o desgosto

Do nobre agricultor

Da terra perdeu o gosto

Foi grande a sua dor

Resolveu deixar a cidade

Vendeu a propriedade

Pra Recife se mandou

Na capital nordestina

A coisa ficou pior

Maria do Carmo, a menina

Chorava de fazer dó

Sentindo-se então culpada

Já que estou mesmo furada

Vou desatar esse nó

Com um basta na tristeza

Tomou pra si então a luta

Com certo ar de nobreza

Tornou-se uma prostituta

Mas não perdeu seu pudor

Ao esconder do seu genitor

A sua terrível conduta

Longe da agricultura

João Pacheco era perdido

Só não chegou à loucura

Por causa do ódio contido

Minha vida se acabou

Mas eu juro ainda vou

Encontrar aquele bandido

O tempo passou

Curando muitas feridas

Maria do Carmo enricou

As irmãs seguiram suas vidas

João Pacheco se separou

Outra mulher arranjou

As mágoas pareciam esquecidas

No comércio do amor

Maria foi muito esperta

Agia sempre como uma flor

Que ao tempo certo desperta

Não ia com qualquer homem

Fisgava sempre os de nome

Transava na hora certa

Agindo dessa maneira

Ganhou muito dinheiro

Um dia fez a besteira

De ir ao Rio de Janeiro

Transou com um português

E sabem o que ele fez?

Engravidou-a ligeiro

Porém só descobriu

Quando voltou ao lar

E de pronto decidiu

Nada ao homem informar

E se for uma menina

Vai cumprir a minha sina

Em estrela se tornar.

Vamos dar um desvio

Pra história se fechar

Lembram do malvado tio

Onde foi ele parar?

E Nanu com seu licor

Será que ela ficou

Em Sapé a se culpar?

Depois que João saiu

Sapé ficou diferente

A alegria sumiu

A terra ficou doente

Veio uma seca danada

A terra amaldiçoada

Acabou com muita gente

Nanu então percebeu

A grave situação

Chamou o marido e lhe deu

A seguinte explicação:

Fui culpada desse fato

Pra descobrir um boato

Embriaguei meu irmão

FIM DA PRIMEIRA PARTE

henrique ponttopidan
Enviado por henrique ponttopidan em 11/08/2011
Reeditado em 18/08/2011
Código do texto: T3154203