POETA MAJOR LUCENA CAGOU NA MAÇONARIA
POETA MAJOR LUCENA
CAGOU NA MAÇONARIA.
I
Costumava o velho repentista
Muito cedo sair para o mercado
Pra tomar um café e prosear
E das novas também ser inteirado
Das manchetes grafadas nos jornais
Degustando os petiscos regionais
Vez por outra ele sai empanturrado.
II
Certo dia, depois de uma aventura
De comer mão-de-vaca com pirão
Na barriga sentiu um rebuliço
E um roncado nos moldes de um trovão
Num prenuncio que a “chuva” se avizinha
Teve medo de entrar numa fininha
bem no meio daquela multidão
III
Disfarçou, mas estava aperreado
Deu de mão dum pacote de jornal
E dali, à francesa foi chispando
Para ver se encontrava algum local
Que pudesse lhe dar algum conforto
Pois pensava consigo, até no horto
É melhor que os banheiros da COBAL.
IV
Nesse tempo morava o Major
Numa casa pras bandas do Sujeito
E pra não se borrar pelo caminho
Não restava pra ele outro jeito
A não ser que viesse, se agachar
Num recanto, e poder se aliviar
Do pirão, ou melhor, do seu efeito.
V
Enxergando as ruínas da cadeia
Onde hoje se encontra o museu
Afluiu para lá com esperança
Mas ali, ele disse que não deu
Pois a praça se encheu de estudante
Do colégio dos crentes protestante
E o dia ligeiro amanheceu.
VI
Sendo assim, resolveu seguir em frente
Numa rua estreita que havia
Conhecida por Trinta de Setembro
Pensou ele, ninguém lhe encontraria
Pois julgava ser esta esquisita
Mas no meio da rua alguém grita
Seu Major, quanto tempo não te via!
VII
Nessa hora ele disse: tá danado!
Vou quebrar da grampôla agora o pino
Pois me farei de doido e vou dizer
Que não sou o Major, sou Severino
Mas o homem lhe disse: és igual
Pois desculpe, e não me leve a mal
Eu sou Sales, de João de Beralino
VIII
Ligeirinho falou-lhe o Major
Não por isso, ilustre cidadão
Mas desculpas de fato peço eu
Explicando aquela situação
E o motivo da sua presepada
Que serviu para uma gargalhada
Do bom Sales, o filho do seu João.
IX
Fora João, o seu pai um cantador
Que formou um dueto com Eliseu
Nos meados da década de sessenta
Essa dupla alcançou seu apogeu
Entoando martelos e baiões
Pelas rádios cantavam aos sertões
Encantando burgueses ou plebeu
X
Foi findando a década de sessenta
Que deixou de cantar com Ventania
Em seguida cantou com Chico Pedra
Com Onésimo, foi outra parceria
Enfrentou bons poetas na arena
Até mesmo com o Major Lucena
Fez turnês pelas rádios da Bahia.
XI
Reviveram num lance o passado
Das saudades, que lhes deixara João
Mas em meio à tamanha alegria
Do Major, escapou-lhe um rojão
De vermelho ficou amarelado
O Major exclamou estou lascado
Então Sales, lhe disse: calma irmão!
XII
Vem comigo que eu vou te ajudar
E rumou para a um grande casarão
Em seguida puxou um “mói” de chaves
Que trazia enganchado ao cinturão
E abriu um enorme cadeado
Que estava por dentro pendurado
No robusto ferrolho do portão
XIII
Fui seguindo-o e transpus o engradado
E uns degraus que havia na calçada
Então Sales pegou em outra chave
Para abrir logo a porta da entrada
Da bendita mansão que ele zelava
Eu entrei sem saber a onde estava
Nisso ele mostrou-me uma privada.
XIV
Já passado o pavor da “tisuname”
Novamente o espírito veio a mim
E sentado no “trono” eu me alegrei
Pois passou-me aquela coisa ruim
Que deixou o meu ser em desatino
Mas por graças, do Sales Beralino
Não restou pro poeta, um triste fim.
XV
Tava ainda “reinando” na privada
Da mansão parecida com um convento
Um silêncio profundo me espantava
Pois de lá, não se ouvia o movimento
Produzido por quem passa na rua
Nesse instante a minha alma insinua
O terror, de um sinistro pensamento
XVI
Não seria quem sabe, este lugar,
Um velório de mortos, por ventura?
Onde o povo, ou seus familiares
Em um último momento de ternura
Reza em coro, bendiz e louva aos santos
Pelas perdas dos entes, vertem prantos
E depois os conduz a sepultura?
XVII
No entanto olhando para cima
Pelas frestas de um mezanim da porta
Vi retratos de homens bem trajados
Nesse instante minha alma se conforta
Pois aquela visão me permitia
Compreender estar na Maçonaria
Este velho poeta, carga torta.
XVIII
Terminando eu sai aliviado
Do banheiro e me dei em um saguão
Onde os quadros de homens bem trajados
Decoravam o hall de um salão
Que ao fundo mostrava destacado
A figura de um delta desenhado
Que prendeu por demais minha atenção.
XIX
Por ter dentro do delta um olho aberto
Parecendo que está me vigiando
Eu confesso, fiquei arrepiado
Mas sai mesmo assim observando
As esfinges e aqueles instrumentos
Açodaram meus férteis pensamentos
Que achei no momento, está sonhando.
XX
Deslumbrado diante da beleza
Das figuras que eu via em minha frente
A estrela, o sol, aquela lua
São mistérios no grande oriente
Que serão tão somente revelados
Para aqueles que são iniciados
Quando juram guardar solenemente
XXI
Levam ao túmulo da morte, os segredos
Os pedreiros da grande construção
No edifício chamado, humanidade
Cujas pedras, num grau de perfeição
Com um escopo vem sendo lapidada
E com prumo, a nível é colocada
Justamente pra dar sustentação.
XXII
Ao projeto do seu grande arquiteto
Que há tempos vem sendo executado
Qual aranha que tece a sua teia
Tudo aqui é medido e bem pesado
Conferido com régua e com compasso
Na medida perfeita, passo a passo
Esse prédio está sendo edificado.
XXIII
Beralino! Eu gritei ressabiado
Adentrando num outro aposento
Ele estava sereno, trabalhando
Na limpeza daquele pavimento
Parou tudo e me deu sua atenção
Despedi-me daquele Grande Irmão
Mais guardei sua ação no pensamento.
XXIV
Que inda hoje se alegra minha alma
Quando lembra daquela atitude
Me remete ao bom samaritano
Ensinando aos homens a virtude
De amar ao seu próximo como a Deus
Pois são todos na terra filhos seus
Quer ser justo e perfeito? Então ajude!
XXV
Mesmo sendo um ser dos mais profano
Entre os homens dos quais, brilhou a luz
Se ampare na sombra da verdade
E comesse a levar também a cruz
Em defesa do bem, combata o mal
Tendo o CRISTO JESUS, por avental
Pra servir, a quem dele se faz “jus”.
XXVI
Tudo isso contou Major Lucena,
Folclorista e autêntico nordestino
Simplesmente eu usei a minha pena
Pra contar o que ouvi quando menino
Hoje eu boto essa história no papel
Num livreto chamado de cordel
Pra firmá-la em baixo, eu assino.
Fim. Zé Lucena.