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MAR DE MONTANHAS VERDES
                      Hulda Mattos Dantas Cioglia

                 

Minha terra já foi mar,
Mas um dia ele se foi,
Por artes do Arco da Velha
Que o trocou de lugar,
Levando o mar para o céu
Deixando Minas sem mar.
 
Nas noites sem nuvens, sem lua,
Céu cheio de estrelas a bilhar,
O azul é tão escuro,
Como as águas de alto mar.
Dia claro, céu com nuvens
Tocadas pelo vento a vagar,
Com suas bordas prateadas,
Lembram a espuma do mar.
 
Quando a velha  com seu arco
A água toda sorveu,
Nas terras de minha terra,
Seu tesouro ela perdeu:
Diamantes, ouro, pedras,
Metais raros, ferro e cristais.
Foi assim que ela criou
A nossa Minas Gerais.                             
 
Serras, montanhas, montes, morros,
Pilares a nos resguardar,
Cobertos de vários  verdes
Que ao longe vão-se azular.
Ao vento forte, o capim,
A aroeira, peroba, jequitibá,
Balançando alegremente,
Lembram os “verdes mares bravios”
De que ouvimos falar.
 
Pelas encostas, riachos e rios
Correm lépidos e sem parar.
Araçuaí das araras grandes,
Jequitinhonha das onhas no jequi,
Um se ajuntando ao outro
E fortes chegando ao mar,
Deixando o povo da terra
Querendo até ir pra lá.
 
Mas se a terra é boa,
Generosa, forte e fértil,
O céu é de pouco ajudar,
É belo, claro e estéril.
Vai brilhando e esquentando
Até a terra queimar
Secando tudo que é  verde,
Fazendo o povo penar.
 
Assim podemos dizer:
Minha terra não tem palmeiras,
Mas é rica em sabiá
Que canta seu canto triste
Nos galhos do pé de ingá:
“Tem sede, Sinhô, tem sede,”
Que é pra a chuva chamar.
 
O cocá, galinha de Angola,
Histérico se põe a bradar
“Tô fraco, tô fraco, tô fraco,”
Fazendo coro com o grilo
No seu persistente trinar.
Bem-te-vi sai apressado
Procurando pela chuva
Pra contar onde ela está.
 
Se homem com os pés na terra
E o céu a perscrutar,
Descobre que a lua nova
Está emborcada no ar,
Como se fora uma taça
Seu conteúdo a despejar
E o vento soprando pra dentro
Sabe que a chuva está pra chegar.
 
Chuva promete fartura,
Santa Bárbara vai ajudar.
Cairá mansa e serena
Sem desastre nos causar,
Molhando a terra seca,
Fazendo o milho brotar,
O feijão e a mandioca,
Nada nos vai faltar.
 
Montanha na minha terra
É morro, morrinho, morrão,
Verde é sempre mato,
Mato virgem, capoeira, capoeirão.
Chapada é o cerrado,
Vale é barranqueira,
Árvore adulta, pé de pau,
Pequena e nova, arvoredo.
 
Morro tem nome
E o coruto tem pontão.
É um mar de mato verde
Onde nasce a lua cheia
Que com intenso clarão
Como disse Catulo
“Mais parece um sol de prata
clareando” a imensidão.
Terra de tantas riquezas,
A maior é sua gente,
Altiva, livre e alegre,
Como a imensidão em que vive.
 
Liberdade se torna visível
No barro que molda com arte
E retrata cenas da vida,
Até mesmo o seu sonhar.
Esculpindo a madeira,
Chega a dizer com certeza
“Só tiro o que está sobrando,
A arte é da natureza”.
 
Cantar como lá ninguém canta.
Tangendo  gado, o vaqueiro,
Em seu aboiar tão bonito,
Não deixa a boiada estourar.
Canoeiro vai remando,
Cantando as belezas do mar.
Faz inveja às lavadeiras
Que com ele vêm cantar. 
Mas agora me despeço
Porque outros vão falar:
É hora, é hora,
É hora da viage,
Tô querendo é ir embora
Mas tô com sodade.


Nota: Hulda é pedagoga, professora aposentada, contadora de histórias. O texto aqui publicado foi apresentado por ela  na abertura da Feira do Livro que está sendo realizada em Belo Horizonte, merecendo aplausos, inclusive do escritor poeta Affonso Romano de Sant'Anna.