AFLIÇÃO DE UM MATADOR

José Ribeiro de Oliveira

I

Doutor. que má lhe pergunte

Não condene a minha prosa

Não sou de fazer besteira

E na minha vida inteira

Nunca pensei em matar

Sou neto de cangaceiro,

Sertanejo destemido

Serviçal de Virgulino

Mas limpo e desde menino

Aprendi a respeitar

II

Quanto custa um assassinato

De um cabra bom de peia

Distratador de donzela

Filho de corno e gazela

E fedorento igual gambá.

Pois se não custar tão caro

Esta pedra em não engulo

Vou fazer este serviço

Com um traste de um muquiço

Cá entre nós a morar.

III

Meu prezado Zé do Bode

Falo juridicamente

Ouça a minha orientação

Justiça com a própria mão

Você não pode fazer

Matar um homem é crime

Ainda que possa ser

Contra um cabrinha de peia

Muitos anos de cadeia

É o que irá lhe render.

IV

Pois seu doutor me desculpe

Vim foi pra lhe contratar

Não quero aconselhamento

Quero só bom julgamento

Se a polícia me pegar

Pois não vou deixar barato

Pra esse tal de Zé Pequeno

Não suporto desacato

Pra saber lidar com trato

Vai provar do meu veneno.

V

Já te falei Zé do Bode

Isto é crime e muito sério

De preço muito salgado

Mas como advogado

Eu posso lhe defender

Vou lhe ser muito sincero

Veja o que tem no paiol

Vá pensando nas vaquinhas

No burrinho e nas galinhas

E vá começando a vender.

VI

Dr. eu sei que isto é grave

Mas coragem tenho a sobrar

Está me roendo o juízo

E decidi que é preciso

Uma lição lhe mostrar

Não vou ficar esquecido

De tamanha safadeza

E por esse imenso Sertão

Polícia nem de avião

Vai conseguir me encontrar.

VII

Pois já que está decidido

Não vou lhe contrariar

Guarde bem esse meu nome

E este é o meu telefone

Se me quiser contratar

Mas alerto de uma coisa

Planeje tudo direito

Veja bem data e horário

Reserve meu honorário

Antes de no mato embrenhar.

VIII

Já como seu defensor

Preciso também saber

Quem vai ficar me pagando

E ao mesmo tempo informando

Por onde andará você

Pra garantir seu intento

Quero a primeira parcela

Das custas processuais

Despesas e tudo mais

Pra sua defesa fazer.

IX

Amanhã mesmo lhe entrego

Parte dos seus honorários

Vou vender umas vaquinhas

Porcos e algumas galinhas

E mandarei lhe entregar

E enquanto eu ficar fugido

Pelas brenhas do Sertão

Minha mulher lhe faz conta

E se precisar lhe conta

Que canto que eu devo estar.

X

Deixe que eu cuido do resto

Não precisa preocupar

Faça o que vou lhe instruir

Fuja pra longe daqui

E espere eu lhe chamar

Este crime é muito agrave

A justiça é muito lenta

Só volte se for chamado

Só atenda o meu recado

Que por sinal vou lhe dar.

No outro dia...

XI

Boa tarde seu doutor

Sou Josefina Pitanga

Esposa de Zé do Bode

Por obséquio me acode

Queira melhor me explicar

O meu marido fugiu

Nesta alta madrugada

Porém não me disse nada

Só pôs o pé na estrada

E mandou lhe procurar

XII

Disse para lhe entregar

Aqui no seu escritório

Essa importanciazinha

Vendeu boi vaca e galinha

E pediu para lhe pagar

Eu não sei que dívida é essa

Por isso vim perguntar

Mas deve ser muito séria

Pois me deixou na miséria

Fugindo sem me explicar

XIII

Não se abrefe Josefina

O fato é bem delicado

Vou examinar direito

E espere, vou dar um jeito

E ver o que aconteceu

Deixe passar uma semana

Vou mandar averiguar

Quando aqui você voltar

Em detalhes vou contar

Porque desapareceu

XIV

Por enquanto fique calma

Ele deve dar notícia

Me informe do que souber

Qualquer coisa que houver

Venha logo me contar

Se fez alguma besteira

Logo iremos saber

Seja o que tiver se dado

Serei seu advogado

E irei lhe defender.

No dia seguinte...

XV

Doutor estou aqui de novo

A questão é muito séria

Veio um tal de Zé Felinto

Levou galinhas e pintos

Tudo que achou no terreiro

Disse que havia comprado

Por poucos contos de rés

Que pagou adiantado

E levou tudo amarrado

Sem me dar nenhum dinheiro.

XVI

Já estou desconfiando

Que tem praga nesse pasto

Porque que fugiu o Zé

Será que foi com mulher

Uma quenga lá da rua

Vou falar com Zé Pereira

O barbeiro da cidade

Se nesse angu tem traíra

Vou seguir a sua trilha

Lhe achar até na lua.

Na barbearia...

XVII

Seu Zé Pereira, bom dia

Vim aqui ter uma prosa

Mas quero em particular

Quero verdade apurar

Sobre o fim de Zé do Bode

Sumiu de casa há três dias

Não deixou qualquer desculpa

Vendeu tudo que tinha

Cavalo, porco e galinha

Me diga se isso pode.

XVIII

Minha cara Josefina

Peço que não leve a mal

Na semana que passou

Fez barba e se retirou

Sem mais nada conversar

Antes tinha me contado

Que andava acabrunhado

Que estava meio de jeito

Encrencado com um sujeito

Que planejava matar.

XIX

Por favor não me complique

Não sei quem foi o defunto

Não sei qual foi o desmando

Estou apenas contando

O que Zé do Bode me disse

Também não tenho notícia

De morte pela cidade

Tudo parece normal

Vamos esperar sinal

Pra saber qual a tolice

XX

De qualquer forma agradeço

Por me contar essa história

Mas me aflita o coração

Se foi por morte ou traição

Nem sei qual sorte a pior

Por que mantém o silêncio

Onde devo procurar?

Vou ter com o vigário Bento

Pra ver se acho um alento

Uma opinião melhor.

Na sacristia....

XXI

Padre Bento a sua benção

Perdoe minha ignorância

Não vim pra me confessar

Vim mesmo foi perguntar

Se vai poder responder.

Meu marido Zé do Bode

Se algum dia confessou

Que mal lhe pediu perdão

Se por morte ou traição

Preciso disso saber.

XXII

Ora, dona Josefina

Cruz credo, não me reprove

Confissão não se divulga

Nem que pule como pulga

Nada posso lhe dizer.

Mas Zé do Bode, coitado

Veio aqui já faz um mês

Não me confessou pecado

Saiu meio acabrunhado

Parecia algo esconder.

XXIII

Seu padre estou tão aflita

Qual sego num tiroteio

Vou lá na Sinhá Ferreira

Moça velha feiticeira

Que deve me dar notícia.

Se ela nada souber

Não vou mais perder meu tempo

Vou desvendar o sumiço

Ou saberei por feitiço

Ou vou levar pra polícia

Na casa da feiticeira...

XXIV

Bom dia sinhá Ferreira

Trago aqui algum dinheiro

Pra voz mercê descobri

Pra onde fugiu daqui

Zé do Bode meu marido.

Tá fazendo uma semana

Que ele desapareceu

Fui em tudo que é lugar

Virei cabeça pro ar.

Nem vestígio do sumido.

XXV

Suncê espere um pouquinho

Que já vamos conversar

Mas já vou lhe adiantando

Pelo que já estou pensando

Vos mercê não vai gostar

Se Zé do Bode fugiu

Não sei se foi coincidência

Luiza de Salviano

Deixou o marido chorando

Foi com outro pro Juá

XXVI

Pelo que fiquei sabendo

Era caso conhecido

Ela foi e levou tudo

Só um filho barrigudo

Ficou para o pai cuidar.

Mas se quiser meu serviço

Garanto que vai voltar

Preparo na encruzilhada

Reza forte destinada

Que ele não vai suportar.

XXVII

Eu também fiquei sem nada

Quase tudo ele levou

Vendeu até as galinhas

Pouca coisa que se tinha

Mandou dar pro advogado

Pensei que tivesse preso

Mas nada foi confirmado

Se com outra ele se acerta

Eu não vou deixá-lo em festa

Vai voltar de pé quebrado.

XXVIII

Tenho pouco mais lhe pago

Se for serviço bem feito

Quero que volte chorando

E meu nome suplicando

Pois vou dar-lhe uma lição

Não quero fazer vingança

Nem lhe desejar qualquer mal

Só quero lhe ver roendo

E por meu amor sofrendo

Soluçando em minha mão

XXIX

Tenho santa quebradeira

Que acha ate cão perdido

Não vou garantir bonança

Mas vai chorar qual criança

Por peito da mãe querida

Não vou lhe cobrar tão caro

Pois sei que tem pouca posse

São só cem contos de rés

Pra trazê-lo aos seus pés

Como puta arrependida.

XXX

Pois lhe pago adiantado

Também não quero demora

Faça o trabalho bem feito

Encontre e traga o sujeito

Que vou esperar em casa

Fale com todos os santos

Mas não falhe na promessa

Apela pra pomba-gira

Só não venha com mentira

Porque vou voltar em brasa.

No meio da madrugada...

XXXI

Abre a porta Josefina

Sou eu de volta, mulher

Fugi feito um lobisomem

E eu nem matei o homem

Mas quase fui condenado

Já paguei ao advogado

Mas esqueci da empreitada

Voltei pra fazer o serviço

Até parece feitiço

Que botaram pro meu lado

XXXII

Feitiço pode ter sido

Mas me conta isso direito

Se tem peixe nessa linha

Entra e vai pra cozinha

Depois vamos conversar

Luíza de Salviano

Também desapareceu

Justo na mesma noitada

Se juntos pegaram estrada

Porque razão quer voltar?

XXXIII

Tolice minha mulher

Fugi por causa do crime

Eu quis matar Zé Pequeno

Por doido saí correndo

Sem ter matado o danado

Planejei tudo direito

Municiei a espingarda

Fiquei tão atarantado

E fugi desnortiado

A mando do advogado

XXXIV

Não sei o que aconteceu

Que fugi antes da hora

Acho que foi por castigo

Era pra fugir contigo

Mas eu não quis te contar

Vai ver que por reza forte

Que protege Zé pequeno

Pra me deixar desvairado

Correndo mato rasgado

Como um cão doido a vagar.

XXXV

Já ouvi a sua história

Não vejo pé nem cabeça

Vou investigar melhor

Pois esperava o pior

E acalmo o meu coração

Sabia que tu era besta

Pois quanta prova me deste

Mas desta vez foste longe

Nem padre, pastor ou monge

Vai poder dar-te perdão.

F I M

Professor José Ribeiro de Oliveira
Enviado por Professor José Ribeiro de Oliveira em 12/09/2011
Reeditado em 09/02/2012
Código do texto: T3215759
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