COVEIRO SEM ESPERANÇA

O causo que vou contar

Aconteceu, foi real

Tomei ciência do mesmo

Na função de Oficial

De Justiça em Caicó

Minha cidade, meu pó

Dele o palco principal.

Não era Ação Criminal

Pois do JEC, eu acato

Ordens de quem de direito

Cumprir mandado, eis o ato

Com audiência marcada

Eu comecei a “caçada”

De quem praticou um fato.

Porém, para ser exato

Darei esclarecimento:

JEC no mundo jurídico

Pra nosso conhecimento

Trata-se do Juizado

Um órgão especializado

Local de arrependimento

O autor deste intento

Certo dia conduzido

Foi levado pra DP

Por ser um cabra atrevido

Pois profanou um defunto

Pra piorar o assunto

Mijou num corpo jazido.

O fato assim ocorrido

Foi parar num T.C.O.

Esse é um procedimento

Usual no Seridó

A “Civil” é quem apura

A fim de achar a cura

O JEC desata o nó.

Num bairro de Caicó

Eu procurei o sujeito

Falei com seu inimigo,

Antes amigo do peito,

Que estava de bobeira

Com uma conversa fuleira

Tratou-me com desrespeito.

Não conhecia o sujeito

Só seu nome, sei falar

Pois João era conhecido

E a quem eu fui perguntar

Só sabia das cachaças,

Das brigas, das arruaças

Que ele vivia a somar

Mas o fato a revelar

Dos ocorridos com João

Foi sua esposa que disse

Quando da intimação

Que na minha diligência

Sentindo dele à ausência

Lhe aguardava no portão.

Vejam que até no sertão

Lugar quente feito brasa

Apesar de sol a pino

Ninguém quer parar em casa

A rua é muito atrativa

Mulheres com vida ativa

E homem arrastando asa

Mas foi lá na sua casa

Logo que me apresentei

Procurando o dito cujo

Que o relato escutei

Que deveria esperar

Pois ele ia demorar

E obediente, sentei.

Perguntado, eu lhe falei

Que o esposo dela fizera

Um ato no cemitério

E por isso se espera

Aclarar o ocorrido

Porque parece ter sido

Frutos de uma besta-fera

Ela disse que ele era

Coveiro por profissão

Que sepultou muita gente

Religioso e pagão

Que ninguém nunca fugiu

Desconhece quem saiu

Se “aprisionado” por João.

Depois dessa explicação

Chegou a boca da noite

Senti logo um calafrio

O vento deu um açoite

E vou contar um segredo

Nessa hora eu tive medo

De trabalhar no pernoite

João não era um passa-noite

Simplesmente um barnabé

Que em razão da profissão

Já tinha perdido a fé

Pois ouviu Padre, Pastor,

Do povo muito clamor

De todos, só lambassé

Ela disse: -o cabra é

Um safado, um pecador.

A depender do defunto,

Se um pobre ou um doutor,

O enterro é bem ligeiro

Ou demora o dia inteiro

A depender como for

A mulher sem ter pudor

Disse que o seu marido

Era muito impaciente

Quando escutava um gemido,

Os pedidos de perdão

O abraçar do caixão

Nem ficava comovido.

Não atendia o pedido

Da família do defunto

Dizia: -vamos depressa

Enterrar esse presunto

Já é hora de almoço

Quem quiser entrar no poço

Eu sepulto tudo junto.

Mas mudava de assunto

Se rico, fosse enterrar

Bastavam cinqüenta contos

Pra isso tudo mudar

Perguntava o sobrenome

Nem se lembrava da fome

Começava soluçar

Puxava o cantarolar

Rezava Ave-Maria

Organizava a família

Tudo no mundo fazia

Mesmo que fosse à tardinha

Tome puxar ladainha

Por cinqüenta, isso valia

Assim, ela me dizia:

-Sei que a Deus não convém

Mas meu esposo está certo,

Para o Céu vale o amém

Aqui na nossa cidade

Vou lhe falar a verdade

Cada um vale o que tem

Não vou criticar também

O ponto de vista dela

Basta você ir a feira

Ou ficar numa janela

E verá nessa leitura

Que o povo de vida dura

Sempre acreditou nela.

Veja leitor, a novela

Que só me deu dissabor

Ao pobre que é seu irmão

Ele enterra com furor

Ao rico desconhecido

Faz o maior alarido

Mente, pois não sente dor.

Porém, é dele o labor

E ela está sem razão

Porque depois de intimado

De toda essa confusão

O cabra se arrependeu

Cadeia o Juiz lhe deu

A título de punição

Mas ficou esta lição

Que eu guardarei comigo

Ao rico se dar louvores

Em Caicó, meu amigo,

E ao pobre trabalhador

Além da perda, da dor,

Um enterro de um mendigo.

Posso até sofrer castigo

Ou quem sabe isolamento

Levar a culpa de tudo

Isso que ora comento

Ocultar, não ocultei

Nem pense que aumentei

Mas que invento, eu invento.