SAUDADES SE TEM DE TUDO.

Saudades se tem de tudo.

Da escolinha, do trem.

Do brinquedo velho quebrado.

Do presépio lembrando Belém.

Até do joelho ralado.

Se sente saudades também.

Saudades daquele susto.

De quase não passar de ano.

Do aperto do sapato novo.

Daquele calo tirano.

E das latas d'águas levadas .

Em uma rodilha de pano.

Saudades se tem também.

Das coisas do dia a dia.

Do esbarrar na esquina.

Que pela pressa não via.

Que entre risos e desculpas.

Uma amizade nascia.

Saudades de andar descalço.

Sentindo o mormaço da areia.

Sujar os pés de poeira.

Jogando bola de meia.

Depois lavá-los na pedra.

Com águas de uma cuia cheia.

Saudades do cheiro da goiabeira.

Que o passarinho visitou.

Do aroma da flôr nativa.

Que na ribanceira brotou.

E do cheiro doce da cana.

Que em doce caldo tornou.

Saudades das madrugadas.

Soprando a palha do feno.

Do vulto do morcego arteiro.

Batendo as asas em aceno.

Ouvindo o piar da coruja

Voando sob o sereno.

Saudades do inverno intenso.

Molhando o chão do terraço

Do estrondar do trovão

Quebrando a nuvem em pedaço

E o rabiscar do relâmpago.

Rasgando o véu do espaço.

Se sente saudades também.

Da mesa pronta pra janta.

Do sitio do pai querido.

Que a lembrança é tanta.

Que se parar vai ouvir.

O soluço vir a gaganta.

Saudades até de chorar.

Quando a lembrança revela.

Da mãe tão linda, tão pura.

Ao se debruçar na janela.

Recendia um cheiro saudoso.

Vindo do perfume dela.

Saudades se tem também.

Das modas ultrapassadas.

Das girias ditas nas festas.

Pra moças tão desejadas.

De timidez no afago.

Com as mãos frias, suadas.

Saudades guando escutava.

Já perto de findar o dia.

Com a terra ainda morna da tarde.

As badaladas se ouvia.

Do carrilhão anuciando.

A hora da ave mária

Saudades embala a alma.

Como um berço de fino veludo.

Ninando com o som do passado

O grave e também o agudo.

Com lágrimas, risos e sonhos.

Saudades se tem de tudo.