EXTERMÍNIO DO SERTÃO

01

Valorizando a historia

Que torna o passado vivo

Nem que seja pra o arquivo

Faço uso da memória

E traçando a trajetória

Do descaso sertanejo

A onde olho e me vejo

Cumprisse dessa tragédia

Que o homem detém a rédea

E satisfaz seu desejo

02

Artista no seu manejo

Nada faz pra preservar

Mas não posso ignorar

Sua negritude eu alvejo

E vendo o que não almejo

Sei que a natureza chora

E quem destrói ignora

Buscando a sobrevivência

Nadando na displicência

Destruindo fauna e flora

03

Chegando fora de hora

E analisando a miúdo

Descrevo meu conteúdo

Pra defender muito embora

Se o passado fosse agora

Era alerta pra o presente

Pra que um dia lá na frente

Não precisasse esse escrito

Nem o sertão dar um grito

Espalhando tanta gente

04

Numa serra pra o nascente

Com mata de cima abaixo

Num serrado onde me encaixo

Porque vi frequentemente

Uma batalha de gente

De sangue frio se armar

Pronto para guerrear

Contra a própria natureza

No calor de sua frieza

Para a mata derrubar

05

No alto o que vi tombar

Vou detalhar com carinho

E o que vi abrir caminho

Pra o gigante se deitar

As rasteiras do lugar

Vou tentar fazer menção

E a que está em extinção

Fogo e seca destruindo

Só o homem fica rindo

Como não ter coração

06

Vi a umburana cambão

Tombada com a de cheiro

O cedro e o marmeleiro

O angico de esticão

O manjola foi ao chão

Levando o mandacaru

Mororó e mulungu

Tombaram no mesmo eito

Do machado com efeito

Destruindo a olho nu

07

Imbu cajá e umbu

Jurema ferro e da preta

O pinho bom de muleta

Sede-casco e Pajeú

Cana fístula, siribú

Xique xique e macambira

Pau piranha, sucupira,

Croa de frade e croatá

Guabiraba e jatobá

Com um cupim de Cupira

08

Todo cipó de embira

Jitirana e cururu

Pau dóia e inguaxú!

Como se mostrasse ira,

No pau-d’arco fez a mira

Cair cobrindo as rasteiras

Urtigas, ervas cidreiras

Livrando as baraúnas

Onde os ninhos de craúnas

Elas tinham, em fileiras.

09

As belíssimas aroeiras,

Os angicos dos soins,

O aveloz dos cupins,

Pela beiço e catingueiras,

Acampados nas cegueiras;

Destruindo a moradia

Que no oco existia

Da abelha italiana

Jenipapo e cajarana

Malva santa e companhia

10

Malva preta que um dia

Lhe separaram da branca

A malicia que se tranca

Quando alguém lhe judia

Malicia de boi vadia

Sacatinga e estralador

A rama do beija-flor

Bananinha e jiquiri

Pau piranha e calumbi

Juazeiro e seu frescor

11

Frejorge, o condutor!

Do machado acunhado

Um angico encalombado

A altura é o seu valor!

Mucunã cheia de amor

Quando corta ela chora

Tudo isso o homem explora

Sem temor e sem vergonha

Unha de gato e coronha

Exterminando a flora

12

A onde a raposa mora

Unha de gato também

A de rego também tem

A foice tudo apavora

E o croatá já devora

Com eucalipto e piáca

Anile e quebra-faca

Bredo liso e o de espim

Algaroba e chubim

E o inharé da ressaca

13

Um pau ferro bom de estaca

Outra aroeira é a mansa

A onde o saguim descansa

O homem mesmo ataca

Nessa consciência fraca

Demonstra rebelião

Não existe estimação

No pereiro e camará

E ainda cortam o juá

Que só serve pra carvão

14

Pé de figo e de feijão

Feijão brabo assim chamado

Capa-bode arroxeado,

Com relógio pelo chão

O velame sem ação

Tombando descontrolado

Crista de galo calado

Numa broca é assim

Rabo de raposa em fim

Se foi o mato emboscado

15

Depois do mato brocado

Seguiram na parte baixa

O ribeiro foi à faixa

Da divisão do roçado

A roçadeira de um lado

Em frente à campina bela

Depois da mata donzela

A gitirana de preá

E o cipó de caçuá

Do verdadeiro e canela

16

Que brutalidade aquela

Formada do próprio extinto

Esfolando o pega-pinto

cumprindo a própria tutela

A borboleta amarela

Abandonou o murrão

Colchão de puta no chão

Foi junto a folha de carne

Que a recordação encarne

Em quem já foi do sertão

17

Alecrim, manjericão!

E até cabeça de nego

Unha de gato de rego

Capim bufinha e bufão

A ramagem de melão

Jurubeba sem benzer

Na medicina se ver

Nos bares é o indiano

E até espim de cigano

Morrendo sem merecer

18

Amor de velho morrer

Ainda verdim em folha

Mata pasto sem escolha

Ver seu nome perecer

Sem cumprir o seu dever

Morreu antes de matar

Sem ter a quem se queixar

Nem a natureza a dona

Viu papaconha e batona

No mesmo leito tombar

19

E sem querer encerrar

Foram noutra gitirana

Ureia de onça e cana

Pra tudo exterminar

Parreira de se agarrar...

Pra completar a afronta

Ultima ideia desponta

Era fazer um aceiro

Pra o fogo queimar primeiro

Já que ninguém presta conta

20

É o Capataz quem aponta

Bem de fora para dentro

E o que se achar no centro

A quentura deixar tonta

Sem fugar por qualquer ponta

Vai queimar por derradeiro

Sobrará só o cinzeiro

Dessa atitude cruel

No ritmo de coronel

No meu sertão brasileiro

22

Fica só bicho rasteiro

E enquanto se tira a lenha

Eles se enfiam na brenha

Ou mesmo em algum “baceiro”

Quando seca por inteiro

Varre tudo em volta dela

A broca fica tão bela

Que todo mundo vem ver

E todo bicho morrer

Enquanto olhares vela

23

Vem se as ordens com cautela

Botem fogo de uma vez

Na perfeita lucidez

Numa moita de macela

Todo facho acende nela

E começa a covardia

Que até o diabo arrepia

Com tanta fascinação

Começa o fogo no chão

Chega alegra a ventania

24

A queima sem serventia

Alimenta a crueldade

Expondo o fim da maldade

Só queimando concluía

Fumaça negra subia

Na forte força do vento

Que todo olhar atento

Sentia nojo dos réus

E o fogo subia aos Céus

Num perfeito ornamento

25

O fogo no aquecimento

Subia atrás da fumaça

E o vento da arruaça

À frente no firmamento

Atrás o mundo cinzento

Deixando só a carniça

Não bastava ser preguiça

Para morrer na tragédia

Pareço escrever comédia

Mais é falta de justiça

26

O fogo da injustiça

Subia nas aroeiras

As grossas; as derradeiras,

De desejável cobiça!

E todos na mesma liça

Olhando o fogo queimar

Num gesto de exterminar

A linda flora terrena

Que toda fauna pequena

Não tinha como escapar

27

Pássaros a revoar

Deixando ninho e filhotes

Os saguins em seus cangotes

Um filho a carregar

Nos angicos a esperar

Como seria esse fim

O cara de velho enfim

Vendo a sua mortandade

E morrem na flor da idade

Queima tudo inté cupim

28

Corre o preá pra o capim

E morre na cinza quente

Camaleão trinca o dente,

Tamanduá faz assim!

No oco o pacuzim

Deixa os ovos queimando

Sai o carcará voando

Fica a cobra esturricada

Demonstração da queimada

Pois morre se esticando

29

Os mortais iam ficando

Tostadinhos lá atrás

Os ninhos dos sabiás

As labaredas tragando

O fogo bruto estalando

E a negritude no céu

Cobrindo feito chapéu

Se a juntando às nuvens

E nas mentes as ferrugens

Se assentando em cada réu

30

Muito tempo aquele véu

Fica lá de prontidão

Na tristeza do cancão

Na lembrança do xexéu

Nas casacas o escarcéu

Por seus ninhos destruídos

Olhares entristecidos

De um casal de carcará

Um outro de sabiá

E todos veem os ruídos

31

Dos trabalhos concluídos

Resta o homem satisfeito

Do seu trabalho mal feito

Matou bichos distraídos

Só cantam desiludidos

Os que restam da tragédia

Que nem é curta e nem média

Mas por certo é muito grande

Que a desonra se expande

E ninguém segura a rédea

32

O homem na sua sédia,

Que é a própria ignorância

Deixa o chão sem importância

Poucos bichos na inédia!

Sem escapar uma fédia

Que dê um chá pra um doente

Ficando o chão diferente

Sem nada pra incorporar

Só cinzas pra demostrar

O que faz o bicho “gente”

33

O homem é conivente

Da pobreza do nordeste

Se já foi cabra da peste

Foi da peste descendente

Destrói o meio ambiente

De tudo restringe a nada

Falta a cruz enflorada

Contendo de nome dois

O NORDESTE e bem depois

O HOMEM como fachada!

34

Jubilado em emboscada

Ao agir sem coração

Impetra a devastação

Labutando na jornada

Toda a trompa foi cortada

O fértil ficou inato

No meio de tanto mato

Findaram só as sequelas

Imagens, cercas, cancelas.

Muitos traços do maltrato!

Jailton Antas
Enviado por Jailton Antas em 14/11/2012
Reeditado em 11/07/2015
Código do texto: T3985639
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