PODÓLOGO RECANDIDATO
I
Pobrezinha de vovó
Que morreu na ilusão
De estar livre este sertão
Dos coronéis. Ai, que dó...
Jagunços de paletó
Inda ditam o horror.
Nesse sertão sofredor,
De mentira e pouca fava,
Onde coroné mandava
Quem manda hoje é doutor.
II
Certo dia eu caminhava
Da roça pra o barracão
Quando parou um carrão
De lataria enfeitada
Com fotos de um camarada
Feito quenga se abrindo
Fazendo um “v” e sorrindo...
(Era tempo de eleição)
E o dono da aparição
Era o prefeito Lucindo
III
Coroné Lucindo André,
Filho do Coroné Dão,
Neto de Dudú Mandão,
Que era também Coroné.
Homem direito e de fé
Que não faltava a ninguém,
Dando feirinha e vintém,
Pagando cana e remédio,
Atendendo a todo assédio
De rico... (e pobre também)
IV
Baixando a vidraça escura
Perguntou pra onde eu ia.
Pro bairro santa Luzia,
Lhe respondi sem altura.
Ele disse: que figura!
Entre aí que eu lá te deixo.
Seria um grande desleixo
Para mim, seu servidor,
Deixar nobre agricultor
A pé, cansado e sem eixo.
V
Pense, que bela conversa
A do coroné Lucindo!
E naquele carro lindo
A viagem foi sem pressa.
- Vamos logo ao que interessa
Viu no carro meu retrato?
Outra vez sou candidato
A prefeito dessa terra...
Tá comigo nessa guerra
Ou é do lado ingrato?
VI
Como sabe o nobre amigo
(E vou falar sem frescura)
Quem tá doente e quer cura
Só acha se for comigo.
Ajeito rico e mendigo,
Precisou eu dou a mão,
Mas pra seguir com a missão
Se és esperto como eu noto
Eu preciso do seu voto
Nessa próxima eleição.
VII
Ele olhou meu pé com um corte
E aproveitando o momento,
Na falta d’outro argumento,
Disse a mim: Tu tens é sorte
De ter achado um transporte
Justo de um doutor de pé.
Vou te curar, tenha fé...
Passe em meu consultório;
Lá tem anti-inflamatório.
Passe amanhã se puder.
VIII
No outro dia, cedinho,
Visitei o Coroné
Que examinou o meu pé,
Limpou de corte e espinho
E, pra provar seu carinho
Deu-me um sapato e falou:
- O outro pé eu só dou
Se eu ganhar a eleição.
Fica Combinado, então,
Tu vais votar no doutor!
IX
- Obrigado seu Lucin...
Coroné, melhor dizendo.
- Está me desconhecendo?
Disse o coroné pra mim.
- Não me chame mais assim
De coronel, por favor,
Chame apenas de doutor,
Ou melhor, me chame Lu,
Assim quebra esse tabu,
Pois do povo também sou.
X
Voltei pra comunidade
Já um cabo eleitoral
Do doutor Lu, afinal,
Tratou minha enfermidade.
Espalhei pela cidade
O numeral do doutor,
Pintei muro a seu favor,
Distribuí os santinhos
E disse a todos vizinhos:
Votem nesse salvador!
XI
Chegando o dia do pleito
Tava eu lá, inda pedindo:
Vote no Dr. Lucindo
Pra ser de novo prefeito,
Eu já votei desse jeito
Com toda minha família,
A mulher, os filho e as filha!
Pro progresso aqui chegar
Deixa o homem trabalhar,
Assim nossa terra brilha
XII
E não é que o Coroné
Foi o grande vencedor?
Mais de mil votos botou
Na frente dos Zé Mané
Que foram contra e, até
Mentiram contra o coitado...
Quem votou contra, calado!
E eu ali na carreata
Comemorando a tal data
Que o doutor foi coroado.
XIII
Ainda em festa e emoção
Corri para a prefeitura
Para aplaudir a ventura
Do prefeito campeão
E já na recepção
Algo estranho aconteceu:
Ele não reconheceu
Seu eleitor e amigo,
Nem sequer falou comigo,
Dei com a mão e ele não deu.
XIV
Vai ver que estava cansado...
Mesmo assim me aproximei,
Disse: prefeito, meu rei,
Parabéns! Que resultado!
O Doutor olhou de lado
E eu lhe estendi a mão.
Ele não pegou e não
Falou comigo direito.
Só perguntou desse jeito:
- Te conheço, cidadão?
XV
Respondi ao esquecido:
- Não tá lembrado, doutor?
Severino agricultor,
Seu amigo e protegido!
Vim cobrar o prometido.
Lembra do pé do sapato?
Como cumpri com meu trato,
Vim pedi o outro pé
Ao meu doutor, coroné,
Homem honesto e sensato.
XVI
Então caí na besteira
De tentar dar-lhe um abraço,
Recebi foi um tapaço
De um segurança chaleira.
Saí de lá na carreira,
Com o sapato sem um pé,
Debaixo de pontapé
E ouvindo voz de prisão
Justo de quem, na ilusão,
Eu elegi coroné.
XVII
Daquele dia em diante
Eu aprendi a lição:
Não me iludo com carrão,
Nem caio em papo galante,
Pois sei que é inconstante,
Sem verdade e sem valor,
E enquanto eu vivo for
Sustentarei minha trilha:
Ninguém da minha família
Dá mais um voto a doutor!
XVIII
Aprendi que coroné
Inda existe no sertão,
Só mudou de profissão,
Mas inda odeia a ralé.
Sempre agindo de má-fé
E se elegendo no tranco,
Com promessa, solavanco,
Abraço, beijo e receita.
No sertão da “tarja preta”
Coroné anda de branco.