ÚLTIMO PASSAGEIRO



ÚLTIMO PASSAGEIRO
Silva Filho


Sou um peão da cidade
Nos limites da pobreza
Um entulho da nobreza
Um trapo sem validade;
Espécie sem qualidade
Um serviçal ou pedreiro
Um morador em bueiro
Sou mão-de-obra barata
INDA COM CHEIRO DA MATA
SOU O ÚLTIMO PASSAGEIRO.

Sou foragida da seca
Sou migrante do nordeste
Fragmento do agreste
Ovelha negra sem cerca;
Que a história não perca
A saga deste campeiro
De lavrador a vaqueiro
Laçado por u’a bravata
INDA COM CHEIRO DA MATA
SOU O ÚLTIMO PASSAGEIRO.

Na metrópole, sou estranho
A própria sombra do medo
De cidadão - arremedo
Rês perdida do rebanho;
Sofrimento sem tamanho
Alcunha de maloqueiro
Um relógio sem ponteiro
Que não ata nem desata
INDA COM CHEIRO DA MATA
SOU O ÚLTIMO PASSAGEIRO.

Sou a voz da madrugada
Ou somente bóia-fria
Sou a própria agonia
Ou, talvez, alma penada;
Sou boiada estourada
Um lindo mar sem veleiro
Sou um samba sem pandeiro
E um carnaval sem mulata
INDA COM CHEIRO DA MATA
SOU O ÚLTIMO PASSAGEIRO.

Já fui homem de valor
No meu trabalho modesto
Sendo pobre, mas honesto
Fui peão - desbravador;
Quando chega um doutor
Com cara de engenheiro
E me fez aventureiro
Com trapos e alpercata
INDA COM CHEIRO DA MATA
SOU O ÚLTIMO PASSAGEIRO.