O CÉU É BEM MAIS AZUL, NO RIO GRANDE DO NORTE.
UM ESTADO DE ENERGIA
QUE É MEU CASTELO FORTE.
I
Cansado de ser lajedo
Botei meu pé na estrada
Seguindo o rumo da venta
Cruzando esta pátria amada
Não fiz das cidades conta
Que furei de ponta a ponta
Nessa minha caminhada
II
Durante toda jornada
Pelo o solo da nação
Estive nos quatro cantos
Do litoral ao sertão
Norte, Sul, Leste e Oeste
Noroeste e o Sudoeste
Medindo a palmo o seu chão
III
Quando eu deixei meu torrão
Sai pelo Quixeré
Jaguaribe Cearense
Indo até ao Canindé
Região do Cariri
Depois do Aracati
Voltei pra Baturité
IV
Tudo isso andando a pé
Antes fui ao Juazeiro
Depois do Crato, a Sobral
Lá se foi o meu dinheiro
Mas, vendi verso em desvelo
No beco do cotovelo
E chispei dali ligeiro
V
Fui cantar noutro terreiro
Das plagas do Piauí
Mergulhei no Parnaíba
Comi arroz com piquí
Peixe frito ao babaçu
Com refresco de caju
Navegando no Poti
VI
Passei por Piripiri
Rompendo logo a fronteira
Para amainar o calor
Fui até a ribanceira
Do Rio Itapecuru
Depois fui ao Grajaú
Descendo na corredeira
VII
Também cruzei a fronteira
Do velho e bom Maranhão
Adentrando no Pará
Nessa minha excursão
Aportei em Marabá
E em Oriximiná
Embarquei num avião
VIII
Para Desambiguação
Ou Estado do Pará
Na extrema da guiana
Onde Oiapoque está
Frio de lascar o cano
Passei ali mais dum ano
Pescando no Maracá
IX
Senti saudades de cá
Porém o meu coração
De poeta aventureiro
Reprimiu a solidão
Nas terras do Boa Vista
Parecendo um alquimista
Fiz ouro brotar do chão
X
Cantando ali a canção
Serenata da floresta
Imitando o Elizeu
O povo fazia festa
Dando-me cassiterita,
Ouro, cobre e bauxita,
E redes para uma sesta.
XI
Porém, vi que ainda resta
Muito chão pra conhecer
Peguei o Rio Amazonas
Subi pra depois descer
De Manaus ao Rio Branco
Levei muito solavanco
Para o percurso fazer
XII
Logo após de percorrer
Todos Estados do Norte,
Adentrei no Mato Grosso,
Cuiabá foi meu aporte
Depois fui a Tocantins
Justificando os fins
Tentando mudar de sorte
XIII
Mas quase eu beijava morte
Passando em Araguaina
Quando olhei profundamente
Nos olhos duma menina
Que armou pra mim um bote
Quinem cobra de caçote
Deus livrou-me desta sina.
XIV
Nisso eu botei disciplina
No teimoso coração
Pulei no Rio das Balsas
Na primeira embarcação
Fui de Palma a Gurupí
Livre como um bem-te-ví
Cantando a recordação
XV
Cheio de inspiração
Sereno no pensamento
Percorri todo o Goiás
Também varri como o vento
Mato Grosso, Paraná,
Catarina, Araranguá,
Santana do Livramento.
XVI
Aonde eu passei mais tempo
Cantando com a viola
Pela praça dos cachorros
Tirei versos da cachola
Bombando meu chimarrão
Com um “churasco dos bão”
De maneira bem pachola
XVII
Quase eu quebro a “filizola”
Pesado como um barrão
Tive que pisar no freio
Pois chiou meu coração
Pra que eu partisse dali
Fui pras terras da Chuí
Nos extremos da nação
XVIII
Por lá vi a solidão
Quis esquentar o pavio
Peguei ali um cruzeiro
Que rumava para o Rio
Mas o negocio arrochou
Este poeta enjoou
Que viu da coruja o pio
XIX
Tendo no peito um vazio
No meio de tanta gente
De está em minha terra
Tive um desejo ardente
Até que cheguei no Rio
Com tempestade, no frio
Fui procurar um parente
XX
Um cabra macho e valente
Que amansava burro brabo
Botava pêia em jumento
Mas pelas artes do diabo
Tava o homem diferente
Não falava mais, “ôxente”,
Nem come carne, só nabo.
XXI
Não fiz dele menoscabo
Por ser “vegetariano”
Mas me deu uma agonia
Fiquei assim sem ter plano
Quis voltar para o sertão
Que combateu Lampião
Mas passei lá quase um ano
XXII
Vivendo como um cigano
Pelo Rio de Janeiro
Nas feiras dos “Paraíbas”
Levantei um bom dinheiro
Das Quintas da Boa Vista
Desci pras terras Paulista
Fiz na Sé, o meu terreiro
XXIII
Vestido como um vaqueiro
Chapéu de couro e gibão
Tocando em minha viola
Chamei logo a atenção
Dos conterrâneos do Norte
Que brigavam com a sorte
Trabalhando em construção
XXIV
Muitos viraram um peão
De quinta categoria
Desgarrados pelas ruas
Dormindo em calçada fria
Com lençol de papelão
Vendo a tal situação
Enchi-me de nostalgia
XXV
Meu coração só pedia
Pra voltar pro meu torrão
No RIO GRANDE DO NORTE
Depois da decepção
Nesta selva de concreto
Avessa ao mundo correto
Que transforma um homem em cão.
XXVI
Caetano tem razão*.
Disse eu no pensamento
Tudo aqui é ilusão
Até o Céu é cinzento
Não tem luar em agosto
Nunca vi tanto mau gosto
Chorei naquele momento.
XXVII
Diante do sofrimento
Daqueles que foi um dia
Contado como o mais forte
PelOs sertões da Bahia
Um sertanejo decente
Aqui deixa de ser gente
Passa a ser um boia-fria.
XXVIII
Então, dessa Freguesia
Fui pra o Espírito Santo
Antes, eu passei por Minas
Cantei lá de canto a canto
Depois fui para Brasília
Revendo alguém da família
Aliviou meu quebranto
XXIX
Gostei daquele recanto
Com um sotaque diferente
Porém, o meu coração
Me mandou seguir em frente
Parti dali feito um Ripe
Pra Bahia e pra Sergipe,
Veloz como uma serpente
XXX
Pensando na boa gente
Do RIO GRANDE DO NORTE
UM ESTADO DE ENERGIA
QUE É MEU CASTELO FORTE
DO SERTÃO AO LITORAL,
NÃO EXISTE OUTRO IGUAL
QUE A MINHA ALMA CONFORTE.
XXXI
Agora, nem mesmo a morte
Me tira do meu torrão
Pois chegando em Mossoró
Vou plantar meus pés no chão
Pra ser como um juazeiro
Que durante o ano inteiro
Produz sombras no sertão
XXXII
Com muita satisfação
Serei como o cajueiro
Que está no Pirangí
Lançando um galho fagueiro
Pra os vales do Apodí
Outro, além do Trairí
Cobrindo o Estado inteiro.
XXXIII
Como ato derradeiro
Deixo aqui em testamento
Versejando eu consigno
Sem nenhum constrangimento
Livre e bem consciente
Nomearei um vivente
Pra cumprir o instrumento
XXXIV
Depois do meu passamento
Meu corpo seja cremado
E as cinzas aspergidas
Nos quadrantes desse Estado
Do litoral ao sertão
Seja em cada região
Um pouco depositado
XXXV
Me coloquem um punhado
Nas margens do Potengí
Na esquina do Gostoso,
No Pico do Cabugí,
Em Martins, lá no mirante
Na tromba do elefante
Na Chapada do Apodí
XXXVI
Porém, me enterre, aqui
Tudo o que restar do pó
Para adubar as sementes
Do solo de Mossoró,
Essa cidade valente
Que será eternamente (literalmente)
Minha terra, meu xodó.
Fim.