O príncipe e a camponesa

Dizem que num certo reino

o imperador Lombardo

tinha um filho valoroso

conhecido por Ricardo

e naqueles arredores

não havia mais galhardo

Como estava desejoso

de fazer o seu enlace

o herdeiro do monarca

pra sair desse impasse

procurava uma dama

entre as de sua classe

Pra poder satisfazer

seu desejo com presteza

deu um baile no salão

convidando a nobreza

não apenas do castelo

mas de toda redondeza

No castelo um feiticeiro

praticante de alquimia

aumentar o seu prestígio

era o que mais pretendia

pois vivia escondido

sem nenhuma regalia

Os feiticeiros do reino

se consideravam sábios

estudando toda noite

volumosos alfarrábios

sendo por toda nação

vigiados com ressábios

Mas o mago ambicioso

já havia fabricado

trabalhando em seu porão

um anel enfeitiçado

que daria a quem usasse

um poder inusitado

Uma certa baronesa

que o mago conhecia

aceitou enfeitiçar

o herdeiro com magia

pra subir ligeiramente

no degrau da fidalguia

Pois o mago precisava

promover a baronesa

e lhe dar pela magia

uma vida de princesa

pra ficar futuramente

dando cartadas na mesa

Nessa noite o herdeiro

recebendo a fidalguia

conversava com as damas

procurando todavia

uma que fosse perfeita

pra fazer-lhe companhia

Pois Ricardo no momento

que avistou a baronesa

disse para os convivas:

- Eu já tenho a certeza

que está aqui presente

minha futura princesa!

- Não vislumbro no salão

outra que seja mais bela!

Só conhece a beleza

quem já viu a face dela!

E passou o baile todo

cortejando a damizela

Os convivas os olhavam

meio que desconfiados

e durante toda noite

eles foram vigiados

mas saíram do salão

como dois apaixonados

Quando foi no outro dia

ele foi falar com ela

já estando decidido

a casar com a donzela

e passou o dia todo

sem sair do lado dela

E nos dias que seguiram

dela não se apartava

Por caçadas ou torneios

ele não se interessava

Na presença dos amigos

é só nela que falava:

- Nunca outro desejou

da maneira que a desejo!

Eu me sinto totalmente

delirante e arquejo

sem poder me controlar

no momento que a vejo!

- Eu não sei se ela é rosa

cinerária ou lisianto,

flor-de-maio ou miosótis,

margarida ou agapanto,

eu só sei que ela viceja

no jardim do meu encanto!

- Ela me deixa suspenso

com a sua formosura!

Escuto aves cantarem

uma nova partitura!

Vejo a lua mais clara

e nas neves mais alvura!

- Eu enfrento uma tropa

um dragão ou o que for

pra ficar por toda vida

desfrutando o seu amor

quando meus dias serão

como a estação da flor!

Mas Ricardo se tornou

com o apaixonamento

nos solares e aldeias

no assunto do momento

circulando o boato

de um enfeitiçamento

Calculando o problema

avisou um conselheiro:

- Na passagem da coroa

do monarca ao herdeiro

a futura imperatriz

manda no país inteiro!

O monarca absoluto

se mostrou preocupado:

- Eu casei com Dorotéia

sem estar apaixonado!

Casamento é só barganha

nos negócios do estado!

- Como ele está preso

feito peixe na barbela

deixem a guarda real

vigiando o quarto dela

pra podermos descobrir

quem visita a donzela!

Pois Ricardo pela dama

dia e noite suspirava

Por feitiço avassalado

dela não desconfiava

Nos encontros do jardim

com ardor se declarava:

- Basta a sua presença

pra deixar-me ofegante!

Nossas vidas se uniram

numa rima consoante!

Pra manter o seu amor

eu enfrento um gigante!

- Que farei se nunca mais

contemplar sua beleza?

Se em nossas despedidas

quase morro de tristeza

e me alegro ao recordar

que será minha princesa?

- Sempre fico ansioso

pra ouvir a sua voz

esperando o momento

em que ficamos a sós

desfrutando o que o amor

reservou só para nós!

- O amor que agora sinto

não senti por mais ninguém

com a força abrasadora

que eu sei que esse tem!

Só desejo para sempre

lhe amar e querer bem!

Percebendo que a paixão

foi ficando mais acesa

a fidalga interesseira

já com ares de princesa

meio que foi esquecendo

de ser uma baronesa

Na alcova em que dormia

com a sua criadagem

recusou-se a receber

quem não era de linhagem

impedindo o feiticeiro

de fazer sua chantagem

Pois o mago desdenhado

no orgulho da donzela

concluiu que precisava

retirar o anel dela

pra poder recuperar

seu controle sobre ela

Conhecendo que a dama

era alvo de suspeita

planejou o que faria

pra magia ser desfeita

sem saber que um vigia

já estava na espreita

Como ele trabalhava

com a sua alquimia

escondido num porão

duma torre de vigia

tinha acesso ao lugar

onde a dama residia

O piado de um mocho

avisou ser o momento

de o mago amufambado

ir subindo o pavimento

pra entrar no corredor

onde estava o aposento

Quando o mago chegou

onde a donzela dormia

se quedou maravilhado

pois a mesma parecia

pela sua formosura

uma flor em pleno dia

Recordando o motivo

de ficar extasiado

foi tirando da donzela

o anel enfeitiçado

pra voltar ao corredor

com o passo apressado

Mas chegando na escada

encontrou o sentinela

que estava esperando

pra fazer a esparrela

Sem ter como escapar

foi levado para a cela

Quando foi no outro dia

acordando muito cedo

a donzela decidida

a guardar o seu segredo

percebeu que o anel

não estava no seu dedo:

- Se Ricardo descobrir

que era tudo um feitiço

vou ficar como a rosa

que um dia perde o viço

sem ver mais o colibri

circundando submisso!

Pois a dama furiosa

chamou a sua criada

dando ordens para ela

procurar desatinada

o anel por todo quarto

e não encontraram nada

Nesse entre o herdeiro

de maneira repentina

esquecendo a baronesa

retomou sua rotina

abrandando os boatos

circulados na surdina

Como estava desejoso

de fazer uma caçada

preparou a comitiva

pra uma longa jornada

escolhendo uma floresta

como ponto de chegada

Pois o rei ficou feliz

ao saber que o herdeiro

retornou ligeiramente

a seu modo costumeiro

informando a novidade

para cada conselheiro

Na prisão o alquimista

tinha sido revistado

Escondido em sua roupa

o anel foi encontrado

Com bastante ligeireza

ao monarca foi levado

Não sabendo que o mago

já estava numa cela

a fidalga interesseira

sem receio nem cautela

foi pedir ao soberano

o anel que era dela:

- Digo à Vossa Majestade

que estou aperriada

pois preciso informar

que durante a madrugada

por vigia ou criado

minha jóia foi roubada!

O monarca escutando

respondeu colerizado:

- Esse larápio não é

nem vigia nem criado!

Ele é o feiticeiro

que está encarcerado!

- Como agora está preso

não feitiça mais ninguém!

Volte para o seu quarto

pra não ser presa também!

Se console com as jóias

dos baús que você tem!

Nesse entre o feiticeiro

conhecendo o resultado

numa cela escura e suja

se quedou desanimado

sem que pudesse entender

o que tinha dado errado:

- A vaidade foi o erro

da donzela interesseira

pois teria dado certo

feito da minha maneira

mas agora sem feitiço

vai continuar solteira!

Mas vamos deixar o mago

com a sua indagação

e até o fim da trama

encerrado na prisão

pra contar como Ricardo

viu-se numa aflição...

Pra Ricardo as caçadas

eram mais que um lazer

Quando estava acampado

para ali permanecer

não havia um trabalho

que não quisesse fazer

Certo dia que estava

construindo um tapiri

entretido na tarefa

viu chegando por ali

apartado da malhada

um robusto javali

Foi o azo que faltava

pra caçada iniciar

Os fidalgos avisados

começaram a montar

A matilha atiçada

fez o porco debandar

Um corcel rapidamente

foi frenado por Ricardo

que montou na sua sela

disparando sem retardo

num galope diligente

no encalço do javardo

Mas o grande javali

circundado pelo prado

desviava com sucesso

dentro do mato fechado

debandando na clareira

inda mais acelerado

O barão Hermenegildo

num cipó se embaraçou

Foi puxado para trás

no momento que tombou

sem poder se levantar

dessa queda que levou

E o conde Percivaldo

numa curva sinuosa

permitiu que o cavalo

de maneira vergonhosa

tropeçasse na raiz

duma nogueira frondosa

O marquês Tertuliano

com a pressa em passar

num terreno acidentado

fez seu baio resvalar

que sentindo o repuxo

começou a manquejar

E o Duque Marfumbino

guiando o cavalo seu

atalhando na campina

um revés nela sofreu

despencando num riacho

da pinguela que cedeu

A matilha que corria

em carreira desmedida

farejando uma raposa

num arbusto escondida

foi latindo para ela

do javardo esquecida

Só Ricardo tenazmente

prosseguiu na pradaria

espreitando o javardo

que de vista não perdia

Com destreza e volúpia

seu cavalo conduzia

Sem ajuda de cachorro

rastreando pelo prado

no cavalo Vitorioso

esperava o resultado

com o javali correndo

sem ficar distanciado

E o porco perseguido

por Ricardo na estrada

promovendo um desafio

sem igual numa caçada

escapava se afastando

feito carpa ensebada

Mas Ricardo pretendia

só acelerar o passo

pra manter o seu cavalo

bafejando no cachaço

do javardo que seria

derrotado por cansaço

Entretanto o javali

era firme na passada

Sem perder a rapidez

desde a sua arrancada

parecia uma flecha

pelo arco disparada

Avançando velozmente

pelo mato na carreira

esquivava pela trilha

numa fuga tão ligeira

que a planta engalhada

arrancava da touceira

Parecendo ser levado

pela força dum tufão

perpassando cupinzal

em que dava um topão

levantava pelos ares

espalhando pelo chão

Desdenhando a rapidez

que Ricardo o perseguia

parecia que o javardo

com a força que corria

não seria alcançado

nem por uma ventania

Vitorioso na montanha

por encosta ou ribeira

exibindo a sua raça

prosseguia na carreira

desenhando no trajeto

uma trilha de poeira

Sendo mesmo pertinaz

o cavalo de Ricardo

galopava projetando

sua sombra no javardo

pois voava pela mata

parecendo o furabardo

Vendo o javali fazer

galho de pau estalar

cipoal arrebentar-se

pedra no monte rolar

persistia no encalço

sem deixar se afastar

Pois Ricardo resoluto

conduziu o seu cavalo

sempre com velocidade

incessante no embalo

obrigando o javardo

a fazer um intervalo

Vendo o dito esbaforido

foi ligeiro que Ricardo

com o arco já no ombro

fez a mira sem retardo

disparando sua flecha

na costela do javardo

Atingido na flechada

a fera deu um grunhido

retornando à carreira

novamente perseguido

só faltando uma flecha

pra que fosse abatido

Pois varando as estepes

as picadas e atalhos

o javardo foi ficando

com a pele em fragalhos

sendo a mesma retalhada

na passagem pelos galhos

Sem poder se esconder

foi descendo num baixio

Resvalando nas areias

mergulhou fundo no rio

Pela sua afoiteza

num perau ele caiu

Preso pela correnteza

viu chegar esfomeados

perigosos crocodilos

atacando pelos lados

avançando sobre ele

com os dentes afiados

Pois Ricardo no baixio

com seu cavalo de raça

viu os ditos crocodilos

devorando a sua caça

Do maior dos javalis

só restou uma carcaça

Cavalgando na estepe

no regresso da viagem

Dom Ricardo já estava

percebendo a paisagem

como nunca poderia

avistada de passagem

Num atalho pelo bosque

deparou com arbustiva

com a fruta reluzente

parecendo nutritiva

não sabendo que a dita

pra saúde era nociva

Percebendo que a polpa

era farta em doçura

foi comendo com regalo

que estava bem madura

Mais adiante ficaria

com enjôo e tontura

Ao leitor que ansioso

quer saber da camponesa

vou dizer que ela saía

do seu lar para a devesa

quando avistou Ricardo

com aquela molestesa

Avistando o cavaleiro

parecendo combalido

foi correndo para ele

pra que fosse socorrido

vendo na fruta mordida

o que tinha acontecido

Quando ele da tontura

despertou recuperado

percebeu que tinha sido

para um leito carregado

Em seu lar a camponesa

lhe tratava com cuidado

Ao ficar observando

como era a família

viu na casa um ancião

de quem ela era filha

as galinhas e a vaca

a despensa e a mobília

Vendo como a camponesa

sempre a todo momento

dedicava ao velho pai

um distinto tratamento

Dom Ricardo estimou-a

pelo seu comportamento

Por seu turno a camponesa

quando soube que Ricardo

merecia reverências

por ser filho de Lombardo

perguntou-lhe o que fazer

para dar-lhe mais regardo

Dom Ricardo precisando

prontamente regressar

perguntou à campesina

se sabia lhe mostrar

o caminho mais ligeiro

para o monte-beira-mar

E se foram por subidas

e descidas para o monte

perpassando ribanceira,

matagal, devesa e ponte

procurando sua encosta

no perfil do horizonte

Quando seu acampamento

conseguiram encontrar

Dom Ricardo satisfeito

concedeu sem hesitar

sua tenda confortável

para a moça pernoitar

Quando foi no outro dia

na barraca da cantina

Dom Ricardo permitiu

que a singela campesina

se juntasse a sua mesa

mesmo não sendo grã-fina

E Ricardo em altas vozes

disse a todos na mesa:

- Mesmo não sendo fidalga

essa jovem camponesa

sempre trata o seu pai

qual se fosse a realeza!

Mas estava no momento

da campesina partir

Dom Ricardo relutante

sem poder lhe impedir

ordenou a seu valete

que a fosse conduzir

Antes da sua partida

a campesina zelosa

ensinou a Dom Ricardo

qual a fruta venenosa

sendo que a diferença

era ser menos lustrosa

Dom Ricardo não queria

despedir-se dela sem

uma boa recompensa

para ser grato também

ofertando à campesina

um garboso palafrém

Dom Ricardo inda ficou

mais um tempo acampado

conservando com o sal

tudo quanto era caçado

mas chegava a temporada

dos torneios no reinado

No retorno ao castelo

o herdeiro com franqueza

foi dizer ao soberano

que não tinha mais certeza

se queria aceitar

por esposa a baronesa

Ele então ficou sabendo

que esteve enfeitiçado

e aquele casamento

não seria celebrado

Tudo estava resolvido

com o mago encarcerado

Dom Ricardo a palavra

do monarca escutando

no invés de indignar-se

ou ficar se lamentando

com aquela novidade

retirou-se exultando

Nesse entre a patuléia

repetia em cada esquina

que havia uma suspeita

circulando em surdina

de Ricardo apaixonado

por donzela campesina

E o rei por ser ladino

já sabia o que fazer

empregando o feitiço

do anel em seu poder

O leitor já imagina

o que vai acontecer...

Pra movimentar as peças

como quem joga xadrez

foi até seu gabinete

convidando um marquês

com as filhas damizelas

que totalizavam três:

- Tendo sido enganado

por uma dama fingida

Dom Ricardo quer saber

quem é minha preferida

pois deseja desposar

com a minha escolhida!

- Sempre vi em vocês três

predicados não pequenos!

Se Bianca é virtuosa

e Sabrina não é menos,

Lady Julia tem ainda

atributos que são plenos!

O anel do feiticeiro

foi mostrado para elas

como se fosse relíquia

de remotas parentelas

O que ele pretendia

explicou às damizelas:

- Essa jóia tem valor

que sequer posso medir!

Eu gostaria de ver

em que dedo vai servir!

Quem será a minha nora

o anel vai decidir!

A marquesa Lady Julia

foi a privilegiada

mesmo sendo por acaso

que a jóia enfeitiçada

só serviu no dedo fino

da que era a enteada

Dom Ricardo nessa noite

no seu leito ressonando

foi varando a madrugada

com a marquesa sonhando

Viu-se no jardim do paço

pra donzela declarando:

- Pra manter o seu amor

eu enfrento uma quimera!

Do seu lado vou estar

numa eterna primavera!

Quando quero lhe rever

é tão longa minha espera!

- E chegando o momento

de rever sua figura

como não existe outra

com a sua esplendura

nada pode ser maior

do que a minha ventura!

- A sua imensa beleza

já por todos conhecida

nas mulheres do castelo

de vaidade desmedida

nem daqui a muitas eras

não veremos repetida!

- Se não posso resistir

a muito mais lhe querer

é preciso que me diga

tudo o que posso fazer

para ter o seu amor

que anseio em merecer!

Quando foi no outro dia

o primeiro dum torneio

Dom Ricardo preparou

seu corcel sem titubeio

Encontrar a damizela

era o seu maior anseio

Como era seu costume

desfilou na galeria

exibindo seu brasão

junto da cavalaria

terminando a parada

acenando à fidalguia

Avistando Lady Julia

no palanque de repente

com a força do feitiço

dominando a sua mente

desposar com a donzela

desejou ardentemente

Motivado por feitiço

desde o embate primeiro

Dom Ricardo já estava

com o seu golpe certeiro

derrubando o cavalo

junto com o cavaleiro

Nem a lira de Ariosto

ou a pena de Boiardo

poderiam descrever

como era que Ricardo

avançava na barreira

parecendo um guepardo

Nas disputas seu cavalo

era o mais encarniçado

Parecendo arremeter

com a fúria do tornado

Vitorioso avançava

num galope martelado

Sir Rivaldo, seu amigo

destacou-se no combate

No seu baio Puro-Sangue

o mais firme no embate

em vitórias conquistadas

com Ricardo estava empate

Se encontrando na arena

pra medirem a destreza

foram ambos aplaudidos

pelo povo e a nobreza

pois seria uma disputa

acirrada com certeza

Quando o júri deu sinal

ordenando a partida

os cavalos no impulso

dispararam na corrida

provocando no recontro

a mais firme rebatida

Foi tão forte o fragor

que ferindo os ouvidos

fez estrondo imitando

um milhão de estampidos

parecendo mil leões

ressoando seus rugidos

Sir Rivaldo velozmente

foi levado para o chão

pois Ricardo motivado

no impulso da paixão

fez igual uma centúria

pondo abaixo um portão

Bem distante do corcel

Sir Rivaldo foi lançado

como um freixo que caiu

por machado derrubado

sem poder se levantar

declarou-se derrotado

O herdeiro nessa hora

comprovando seu valor

dessa etapa do torneio

foi o grande vencedor

Todo povo na platéia

lhe aclamava com ardor

Mas chegava o momento

do herdeiro indicar

quem seria a RAINHA

DA BELEZA do lugar

Bastaria para isso

a grinalda lhe passar

Perpassando o palanque

ele já tinha certeza

que só uma escolheria

pra RAINHA DA BELEZA

Era a jovem damizela

Lady Julia, a marquesa

Recebendo a grinalda

do herdeiro e campeão

Lady Julia agradecida

estendeu-lhe sua mão

pra que ele a beijasse

como era a tradição

Mas Ricardo espantado

reparou que seu anel

destoava do requinte

do colar e do chapéu

e não tinha a fineza

que estava no seu véu

De repente o herdeiro

recobrou-se do feitiço

percebendo que por ela

seu desejo era postiço

calculou que seu anel

era quem fazia isso

E os dias transcorreram

sem Ricardo demonstrar

a menor das ansiedades

de com a jovem casar

Só queria no torneio

mais vitórias alcançar

Nesse entre o monarca

percebendo que o trono

já estava por um triz

de ficar no abandono

vendo os dias avançando

quase que perdia o sono:

- Para não ficar refém

dos caprichos de Ricardo

vou passar minha coroa

para um filho bastardo!

É melhor que me suceda

o que é o mais galhardo!

Escutando o argumento

respondeu-lhe a rainha

que de tudo discordava

e pra não ficar sozinha

respaldou na patuléia

as motivações que tinha:

- No primor da primavera

com a flora em pleno viço

a rainha das abelhas

não se afasta do cortiço

e o povo quer o trono

dado a um filho castiço!

Escutando essas palavras

e mostrando no momento

que dos anseios do povo

tinha mais conhecimento

o monarca à Dorotéia

expressou seu pensamento:

- Todo povo nas aldeias

já repete um brocardo:

a coroa do império

na cabeça de Ricardo

mesmo leve e suntuosa

vai pesar igual um fardo!

Pois de fato o herdeiro

numa pressa manifesta

com torneio acabando

não ficou pra sua festa

Na garupa do cavalo

disparou para floresta

Foi Ricardo cavalgando

entre faias e salgueiros

escutando o mais solene

rumorejo dos ribeiros

feito pela correnteza

que descia dos outeiros

Lá no alto da montanha

que estava margeando

farfalhava a folhagem

dos pinheiros ondulando

quando sobre a estepe

viu tulipas vicejando

Apeando nesse trecho

recolheu a flor bonita

arrancando prontamente

do seu traje uma fita

pra fazer um ramalhete

enlaçado com a dita

E seguindo a viagem

para o leste da colina

como era seu desejo

avistou a campesina

que estava passeando

pelo dorso da campina

Indo ao encontro dela

perguntou à camponesa

se daria-lhe a honra

de ser a sua princesa

mas que ela aceitaria

ele não tinha certeza

A singela campesina

ouvindo sua proposta

confirmando a suspeita

de já ter razão oposta

recebendo suas flores

formulou essa resposta:

- Sou apenas uma simples

camponesa da mão grossa!

A minha vida tem sido

da choupana para a roça!

Vivo com minha família

na mais humilde palhoça!

- No costume camponês

fui criada desde cedo!

A nobreza é um anel

que não cabe no meu dedo!

Eu sou a filha do campo

a irmã do arvoredo!

- Aprendi a respeitar

toda a força e grandeza

que eu vejo nos lugares

onde grassa a natureza

sem ter nunca invejado

os que gozam da riqueza!

- Como vou me acostumar

com as pompas do salão

se na relva mais macia

venho andar de pé no chão

e as águas da vertente

bebo na concha da mão?

- Entre um doce levante

e um brando anoitecer

quero andar no arvoredo

das campinas para ver

que a sombra da ramagem

faz desenhos sem querer!

- Quero ver o horizonte

sem muralhas me cercando!

Ao andar nos chaparrais

avistar nuvens passando

com a mão leve do vento

as puxando e esgarçando!

- Procurar na pradaria

onde nasce a violeta!

Ver a graça delicada

que exibe a borboleta

e o sol se espargindo

no entorno do planeta!

- Ver a neve borrifada

sobre a serra morena!

Ver a água transparente

da lagoa mais serena!

Ver no vasto firmamento

noites com a lua plena!

- Uma prole de linhagem

e as glórias do reinado

não conseguem seduzir

a quem nada tem faltado!

Quem me der um diadema

nada não terá me dado!

E Ricardo a escutando

inda mais lhe estimou

Deu razão à campesina

e com tudo concordou

Refazendo a proposta

desta forma lhe falou:

- Dou até minha espada

na enxada do plebeu!

Meu palácio na palhoça

pra ficar ao lado seu!

Só preciso que seu pai

nos consinta o himeneu!

- Eu espero a decisão

mesmo se ele pedir

pelo o aconselhamento

tempo para refletir

aceitando totalmente

o que ele decidir!

Pois o pai da campesina

foi bastante cauteloso

explicando para a filha

quanto ia ser custoso

ver Ricardo aprovado

para ser o seu esposo:

- Você vai lhe ensinar

o trabalho no roçado!

No lugar que estiver

você fica do seu lado!

Sugerindo alguma coisa

considere reprovado!

- Ele tem que aprender

a cortar lenha em grosso

e acordar de manhã cedo

pra buscar água no poço

com a vara de bambu

machucando no pescoço!

- Todos dias começar

de manhã sua jornada

já saindo para o campo

carregando a enxada

só voltando para casa

com a roça já plantada!

- Ele tem que persistir

no raspar da terra dura

aprendendo a esperar

pra ver a safra madura

merecendo o regozijo

com o tempo da fartura!

Pois Ricardo escutando

pela jovem a proposta

aceitando sem ressalvas

o que nela foi exposta

garantiu-lhes que daria

prontamente a resposta

E fazendo de bom grado

tudo quanto exigido

comprovou que poderia

ser pra ela um marido

e com isso a campesina

aceitou o seu pedido

Mesmo o rei e a rainha

deram seu consentimento

Com a minha narrativa

tendo aqui encerramento

entre amigos e parentes

celebrou-se o casamento

FIM

Carlos Alê
Enviado por Carlos Alê em 03/05/2014
Reeditado em 08/09/2022
Código do texto: T4793015
Classificação de conteúdo: seguro
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