MINEIRO MATUTO

I

Um compadre que eu tenho

Que se chama Zé do Mato

É uma pessoa bem simples

Porém um homem sensato,

Sem ter frequentado escola

A ele ninguém enrola

É esperto que nem gato.

II

Ele é um brasileiro nato

Filho de Minas Gerais,

Na conversa que tivemos

Falou: “Tá feio demais

Porque o mundo tá no fim,

Por isso o Coisa Ruim

Cutuca os marginais”.

III

"Dizem que tá nos anais

Marcado por São Raimundo

Que a Terra um dia explode

Em menos de um segundo;

Esse tar de desumane(*)

Que carzô o maió pane

É sinar do fim do mundo”.

IV

“A Lua vai lá pro fundo

Com uma só sacudida

Levando as estrelas junto

E Jesuis vem em seguida

Para sarvá o planete,

Mas vai dar o mor cacete

Na humanidade perdida”.

V

“Virgem Mãe Aparecida

De nóis tenha piedade!”

Assim reza meu compadre

Com muita fé e humildade,

Traça o sinal da cruz

Pede paz, amor e luz

Para toda a humanidade.

VI

Não distante da cidade

Em seu pedaço de chão

Planta abóbora e mandioca,

Arroz, milho e feijão;

Para a vila quando vai

Sempre chega e de lá sai

Com guarda-chuva na mão.

VII

Esse é o seu padrão

Por ser típico mineiro,

Ele costuma dizer

Que não liga pra dinheiro,

Essa grande tentação

Que passa de mão em mão

E volta para o banqueiro.

VIII

“Home sério e ordero

Rico nunca fica memo

Por isso que eu carculo

Que dinhero é do Demo,

No governo tão roubano

E os tubarão só negano

O imposto que paguemo”.

IX

“Nóis que trabaia num vemo,

Mas deu na tevelisão

Que a política tá cheia

De tudo que é ladrão,

Num escuita nossa voiz

E pede voto pra nóis,

Quando chega a eleição”.

X

Criado na religião

Sua fé nunca perdeu,

Trabalhador, lutou muito

E honestamente venceu,

Sua palavra é pra valer,

É cumpridor do dever

Conforme ele aprendeu.

XI

Esse é o compadre meu

Que eu conheci outrora,

Quando emigrou para cá

Da região de Juiz de Fora;

Hoje viúvo e de idade

Tem os filhos na cidade

Só ele no sítio mora.

XII

Após o romper da aurora

Em minha casa chegou

De botinas e chapéu,

Sentou-se e me convidou

Para uma reza com fé,

Mas antes bebeu café

Picou fumo e enrolou.

XIII

Sossegado ele pitou

Numa nuvem de fumaça,

Deu uma cuspida no chão

E falou meio sem graça:

“Mais tarde vamos rezá,

Por enquanto é bão proseá

Se não o tempo num passa”.

XIV

No que for que ele faça

Age com simplicidade,

Não trapaceia ninguém

É sério e fala a verdade;

Seu bom caráter inspira

No seu jeito de caipira

Respeito e dignidade.

XV

Simplório e sem maldade,

Só desperta simpatia

Naqueles que o conhecem

Porque nada malicia;

É educado e cortês,

Na visita que me fez

Trouxe-me grande alegria.

XVI

Por volta do meio dia

Já havia decorrido

Um bom tempo de conversa

E o papo foi interrompido,

Fomos os dois pra cozinha,

Aonde a esposa minha

Fez um rango bem sortido.

XVII

Depois do almoço servido

E um cafezinho bem quente

(Ele até lambeu os beiços),

Saiu refrescar a mente,

Ficou no quintal pitando

Cuspindo de vez em quando,

Se espairecendo contente.

XVIII

Após isso novamente

Reiniciamos a conversa,

Falamos de tudo um pouco

Nossa prosa foi diversa:

Política e religião,

Dos jovens e a educação

E até da sorte adversa.

XIX

O tempo correu depressa

Eu nem vi como passou,

Convidei-o a pernoitar

Ele a custo aceitou;

A tarde veio caindo

Nós conversando e rindo,

Assim o dia terminou.

XX

Nossa conversa durou

De manhã ao entardecer,

Então disse ao compadre:

Já começa a escurecer,

Antes da gente rezar

E depois disso jantar,

Vou uma pergunta fazer.

XXI

Gostaria de saber

Do compadre a opinião

Sobre tema controverso

Dessa nova geração;

Com toda essa sensatez

O que pensa da nudez,

Se acha certa ou não.

XXII

“Isso eu acho inté bão”,

Prontamente assim falou

E como eu estranhasse

Ele logo se explicou:

“Nu zói du outro a pimenta

Refresca e não esquenta,

Isso a vida me ensinou”.

XXIII

“Roceiro é que eu sou

E sei que nove né seis,

Nesse causo do cumpade

Já vou dizê duma veiz:

Eu num mexo com o troço,

Mas se é pra sê nu nosso,

Uai! Mió memo é no deis”.

(*) Referência ao fenômeno tsunami,

maremoto que assolou vasta região da Ásia

em fins de 2004.