Senhores da madrugada

Caros amigos do Recanto, este texto é uma tentativa de falar alguma coisa sobre os moradores de rua que não tem sequer o mínimo para sobreviver.

Senhores da madrugada.

O silêncio é o recurso

De quem sofre sem falar

Pode ser mero discurso

O que faz para calar

Em geral tem o concurso

De quem fala sem pensar.

No silêncio das matinas

Há milhões de sofredores

Disfarçando nas esquinas

O teor de suas dores

Já ouviram as sabatinas

Das promessas de horrores.

São promessas de suplício

Com rajadas de tormento

Tornam-se escravos do vício

Por não ter seu alimento

Desistiram do oficio

Pra curar o sofrimento.

Ganham fama de bandido

Salafrário e vagabundo

Seu passado é esquecido

Seu pensar antes profundo

É um lago apodrecido

Que so tem lama no fundo.

O passado não existe

Sobrevivem do presente

O que pensam não resiste

Ao que diz a sua gente

Mesmo assim ainda insistem

Em tentar ser diferente.

Do silêncio que praticam

Guardam tudo na memória

E qualquer assunto esticam

Pra criar alguma estória

E assim eles criticam

Por alguém cantar vitória.

Vivem a sua madrugada

Ao sabor da ventania

Sem saber qual a estrada

Seguem a que conhecia

Devagar seguem a jornada

Esperando o dia a dia.

O silêncio é seu dever

Eles pensam sem falar

Em geral não tem querer

Nunca podem perguntar

E se algo acontecer

Eles vão ter de pagar.

Sua parte no seu lar

E um pedaço do quintal

Onde vão pra colocar

Sua roupa no varal

E assim que ela secar

Será posta em um jirau.

Já perderam a alegria

De ouvir o galo cantar

Esqueceram o que sabia

Nada tem para ensinar

Do prazer que conheciam

Nada existe pra mostrar.

Sua madrugada é triste

Fria, suja e solitária

Já não há quem lhes assistem

Nessa ingratidão diária

Mesmo assim eles resistem

Fazem vida multifária.

Entre os poucos amigos

Eles vivem alguns momentos

Como ele, são antigos,

E também têm sofrimentos

Alguns deles têm abrigos

Outros têm só argumentos.

Das escadas das igrejas

Tiram o triste ganha pão

São pedintes que rastejam

Pra beijar alguma mão

Na verdade o que desejam

É um pouco de atenção.

São retratos do fracasso

Restos do que foram um dia

Não conseguem dar um passo

Pra sair dessa anarquia

Lembram-se de algum abraço

Que ganhou num certo dia.

Vão vivendo as amarguras

Vendo o tempo escassear

Pra não ter novas torturas

Muitos abandonam o lar

Outros fingem caras duras

Para ter onde ficar.

O melhor que acontece

É saber que morte vem

Em geral quando adoece

Dá trabalho para alguém

Assim mesmo ele obedece

Vai doar tudo que tem.

O que tem é solidão

Uma vida de trabalho

Sem direito à refeição

Seu lençol é o orvalho

Não precisa de perdão

Já cumpriram o seu ordálio.

Renato Lima
Enviado por Renato Lima em 28/06/2015
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