AMANSANDO BICICLETA.

Eu já tinha ouvido falar

Mais uma coisa é certa

Sou "cascudo" ando a pé

Qualquer pouco me completa

Foi quando um compadre meu

Me falou e apareceu

Com uma tal de bicicleta.

Eu olhei desconfiado

E fui dizendo teimoso:

Bati o chapéu no joelho

Eita bicho cabuloso

No lombo dela não subo

Com isso aí não me iludo

Isso é recurso reimoso.

- Deixa de ser besta compadre

Tua coragem é completa

Amansa ela na "tora"

Tu se apruma e acerta

Tu já correu vaquejada

Tua mão é calejada

Vai temer uma bicicleta!

- Te vendo ela barato

Não tem choro e nem vela

Me pague como quiser

Eu não sou meia tigela

Pra conversa não vagar

Tu deixa pra me pagar

Quando aprender andar nela.

Eu calculei no juizo

Deixei a compra fechada

Sendo amanhã um domingo

Eu não tô fazendo nada

Vou com ela pra estrada

Vou romper essa parada

E me montar na danada.

Assim fiz o que pensei

Fui pra estrada da feira

E no cabresto da "tal"

Eu segurei de primeira

Ela se encolheu pra um lado

Eu não tava acostumado

Me emborquei na poeira.

Me levantei enfadado

Bati com o chapéu a poeira

Disse:- oh bicha atrevida

Vou te domar por inteira

Não brinque com esse matuto

Pois não aceito o insulto

Cuidado com a peixeira!

Tranquei ela pelo punho

Joguei a perna por cima

Ela torceu o cangote

Já foi mudando de clima

Caí perto de um barranco

Me levantei meio manco

Sai minguando de estima.

Depois dessa luta toda

Cheia de queda e munganga

Resolvi voltar pra casa

E sair da caiacanga

Pois uma coisa era certa

Essa "tal" de bicicleta

Era o cão chupando manga.

Parti levando a infeliz

Com jeito e calma até

Pois eu já tinha firmado

Com muita raiva e fé

Que no rumo da toada

Ela ia empurrada

E eu ia era a pé.

Cheguei em casa a noitinha

Como quem vem do serviço

Cansado, sujo e roxo

Mais destemido e maciço

Com uma decisão tomada

Eu domo essa danada

Com ajuda do padre Ciço.

Noutro dia fui pra feira

E levei a macriada

Na estrada do ingá

Tinha uma reta inclinada

Não pensei e nem pisquei

Ali mesmo eu arrisquei

Travar de novo a jornada.

Me montei no lombo dela

Ela embalou sem pressa

Pendia pra um lado e outro

E eu no pé da conversa

Segurei no chifre dela

Firmei em riba da cela

Hoje eu pago a promessa!

Eu pensei que ela tinha

Umas borrachinha de freio

Olhei e ela não tinha

Ela com isso não veio

Eu disse:- agora tô "frito"

Ela não atende no grito

Foi grande meu aperreio.

A ladeira se esticou

Eu sem rumo sem nada

Não sabia tanger ela

Ia em toda disparada

Eu em cima abufelado

Pensando:-eu tô lascado

Nessa amaldiçoada.

Ela curvou o lombo

Se encantou na ladeira

Nem chumbo de espingarda

Lhe pegava na carreira

Eu sem tampa e caneco

Parecia um boneco

Desses vendido em feira.

A ladeira descambou

Ela aumentou o chiado

E eu só via ladeira

O trupé ficou dobrado

Sem visar outro meio

Fiz do mocotó um freio

Fiquei com o pé esfolado.

Quando menos esperei

Vi de olho arregalado

Umas cercas de curral

Cheia de arame farpado

E a bicicleta infame

Prumou no rumo do arame

Sem dá tempo eu ter pulado.

Aí a cantiga piorou

Eu disse:-não vou morrer

Fui chamando pelos santos

Que eu podia conhecer

Pelo barulho do vento

Ou pela falta de tempo

Nenhum veio me socorrer.

Aí me lembrei de um

Esse tinha mais patente

Mais guando gritei por ele

Já era tarde pra gente

Não deu tempo de salvar

Mais ele ajudou a quebrar

Os arame pela frente.

Eu rompi esses arames

Quinem bala de canhão

Bati no pé de um toco

Risquei o queixo no chão

Levei lapada e pisa

Que os botão da camisa

Virou xerém pelo chão.

Levantei desconfiado

Enfezado com o mundo

Só o caco e estropiado

Com um rasgão no fundo

As pernas escangalhada

A cara toda riscada

Era um preia imundo.

Meti as mãos pelos os bolsos

Foi triste a decepção

Meu chaveiro com o escudo

Do time do coração

Não escapou dessa trela

Que eu travei com a magrela

Na ladeira do sertão.

Perdi o retrato do bolso

Que Rosa ofertou a mim

Fiquei sem fumo de rolo

Se esparramou no capim

E pra azedar o cansaço

Ainda fiquei com o pedaço

Que eu tinha do trancelim.

Foi aí que eu dei fé

Espiando pra maluca

A minha camisa xadrez

Que comprei a dona "tuca"

Tava os fiapo, as ruga

Ajuntado na verruga

Que ela tinha na nuca.

Desse dia em diante

Me apossei desa meta

Não confio mais em ladeira

Dessas da linha reta

Não confio mais em pedido

Para santo maluvido

Nem na tal da bicicleta.

*** Esse cordel foi inspirado em um causo contado por o matuto mais autêntico de Minas Gerais, Geraldinho Nogueira.

Ebenézer Lopes
Enviado por Ebenézer Lopes em 12/09/2015
Reeditado em 12/09/2015
Código do texto: T5379714
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2015. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.