Repentista - (O retorno)

Gente, o sonho com o repentista fez tanto sucesso que tive que "sonhar" de novo.

Desta feita, eu estava na estação rodoviária, esperando um ônibus pra Parati. Sentei em minha mala, puxei a viola do saco e comecei a dedilhar:

Reparem que o seu Roriz,

Em atitude travessa,

Seguir no cargo não quis.

Ousou pedir demissão.

Mas nem esquenta a cabeça,

E não precisa escolta

Pois já na outra eleição

É certo que está de volta.

Um matuto que estava por ali pitando seu cigarrinho comentou. "Mas isso só um cego não vê, uai". Balancei a cabeça em aprovação e continuei:

Reparem que coisa tosca.

Negócio de embusteiro.

Parece até uma mosca

que de um pão se espantou.

Ela escapa ligeiro

pra logo depois voltar.

Voou, rondou e Rondeau,

pousou no mesmo lugar.

A plataforma que estava quase vazia já abrigava uma dúzia de espectadores. Sem contar os que espiavam lá de cima, do balcão. Um garoto descia as escadas correndo e eu aproveitei o mote.

O pândego Garotinho,

que nem tão santo é assim,

só quis ganhar uns votinhos

usando sua malícia

em prol do amigo Pudim.

Deu vaga a excedentes

inspetores de polícia!

Que jogada inteligente...

"Esse menino vai dar trabalho quando crescer" disse a senhora que desceu correndo atrás do menino. Pensei comigo: "mais que esse, não dá não..."

Já no Senado e Congresso

tá assim de estratagema.

Tem um montão de processo

e tudo em grande enguiço.

O que não falta é problema.

Mas apesar dessa malta,

como é que pode ser isso?

O Lula inda está em alta!

Aí as opiniões se dividiram. Uns vaiaram, outros aplaudiram. O ônibus para Pirassununga parou na plataforma ao lado. O barulho inesperado do ar comprimido dos freios acalmou os ânimos. Melhor assim.

No caos da aviação,

que ninguém fique iludido.

Não vejo uma solução

ou esperança pra breve.

Parece caso perdido.

Ali só tem bam-bam-bam.

Marcaram até uma greve

às vésperas do próprio PAN.

Falou em PAN aí o povão gostou. Aproveitei pra meter o malho.

Ainda sobre esse tema

Pra mim um grande engôdo.

Eu vejo assim qual cinema

Que no final dá em nada.

A verba rolou a rodo,

por um motivo tão fútil.

Com o povo, se bem usada

quem sabe fosse mais útil.

De novo fiquei entre dois focos. Uns achavam que os gastos eram mesmo muito grandes e outros diziam que aquilo era importante até para a imagem do país no exterior. Como não tinha mais nenhum ônibus chegando, tive que consertar.

Eu valorizo o atleta.

E não sou contra o esporte.

Reparem que minha meta

É sacudir esses tontos

Que largam à própria sorte

a classe dos "joões-ninguém".

Os ricos ficam com os contos,

e aos pobres restam os vinténs.

Aí foi que confundiu tudo. Um menino perguntou à mãe "Mãe, João tem plural?" A mãe respondeu: "Não sei, meu fio. Seu pai é Antonho". O outro falou que só conhecia cruzeiro e real, mas que se vintém desse pra média com pão e manteiga ele não se importava. Com o canto do olho vi que o ônibus vinha chegando, e resolvi liquidar a fatura.

Então já dei meu recado

e agora vou me mandar.

Perdoem se estou errado,

depois eu canto de novo.

Queria que meu cantar

falasse só de alegria

pra toda a gente do povo.

Enfim, quem sabe um dia.

Tirei o chapéu e agradeci. Fui aplaudido por todos. Coloquei a viola no bagageiro, sentei em minha poltrona e fiquei pensando como aquela gente se satisfazia com tão pouco...

Sérgio Serra
Enviado por Sérgio Serra em 07/07/2007
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