A princesa e os trovadores

No império de Algures

que existiu remotamente

o imperador gostava

de estar sempre presente

no sarau dos trovadores

para escutá-los somente

Quando viu a sua filha

em plena flor da idade

com beleza ressaltada

decidiu a majestade

convocar todos poetas

que estavam na cidade

Uma grande recompensa

prometeu a realeza

para o verso que melhor

descrevesse a beleza

existida apenasmente

na figura da princesa

O poeta que fizesse

o verso mais inspirado

em uma placa de ouro

teria ele gravado

para que o mesmo fosse

pelo povo apreciado

E no dia do concurso

no salão palaciano

já estavam reunidos

de acordo com o plano

cada um dos trovadores

esperando o soberano

Eles foram dedilhando

instrumentos afinados

e muitos versos bonitos

estavam sendo cantados

pois queriam deste modo

agradar aos convidados

Para o mais jovem poeta

entre todos trovadores

foi pedido como prova

de seu estro e pendores

que fizesse as estrofes

com a estação das flores

Pra melhor apresentar

seu talento e virtude

o poeta prontamente

dedilhou seu alaúde

versejando num estilo

expressado amiúde:

- Já chegou a primavera

nas savanas e colinas

Pradarias se revestem

de tulipas e boninas

Descem águas do regato

com espumas cristalinas

- Surge o clarão do sol

com os raios mais dourados

Nascem cravos e jasmins

com encantos redobrados

As papoulas e lavandas

esparramam-se nos prados

- De gerânios e begônias

a estepe se ornamenta

Pelas veigas o pastor

as ovelhas apascenta

vendo rebrotar o pasto

que seu rebanho sustenta

- Há carruagens de nuvens

com a brisa na boléia

Cerejeiras novamente

reflorescem na aléia

saciando os beija-flores

e as abelhas da colméia

- Chegam novas borboletas

procurando os arvoredos

onde já se hospedaram

abundantes passaredos

que saindo em revoadas

se desviam dos rochedos

- Faias viçam verdejantes

entre velhas penedias

Os salgueiros oferecem

sombras mornas e macias

Melros gorjeiam alegres

em esparsas sinfonias

- Patos voltam ao lugar

de onde eram oriundos

As lagoas se comovem

dando suspiros profundos

Nas aldeias tem jardins

e trovadores fecundos

- As singelas cotovias

vão beber água da fonte

pra depois revoejarem

de um para outro monte

nos relevos costurados

com a linha do horizonte

- Das imensas paisagens

de chapadas e outeiros

vem o longo rumorejo

de aragens e ribeiros

com florestas exalando

o aroma dos loureiros

- Pelos vales estendidos

onde a vista não alcança

vaga o vento violento

mas ao passo que avança

vai perdendo seu furor

faz a curva e se amansa

- É assim a primavera

que lá fora já nos brinda

com cenários descerrando

esplendura tão infinda

que das flores desconheço

qual seria a mais linda...

Os convivas aplaudiram

o seu verso improvisado

e depois dos trovadores

já terem todos cantado

receberam o anúncio

que o rei tinha chegado

A cortina do poente

já queimava na bainha

quando entraram no salão

o monarca e a rainha

desfilando no tapete

com a pompa comezinha

A rainha apresentou

sua querida princesa

provocando no salão

um efeito de surpresa

pois a dama realmente

excedia em beleza

Quando ela aproximou-se

desfilando com mesura

o poeta deslumbrado

com a sua formosura

ao olhar nos olhos dela

foi sentindo uma froxura

O poeta a quem aludo

é o que tinha cantado

versos para primavera

no estilo improvisado

mas agora se calava

como que apaixonado

E chegava o momento

do comandante real

como todos esperavam

dar começo ao festival

Venceria um trovador

por aclamação geral

Pra começar o concurso

o monarca o que fez?

Escolhendo os trovadores

chamou os primeiros três

pra cantarem um só verso

cada um na sua vez

Dedilhando com mestria

instrumento afinado

cada bardo apresentou

seu versejo inspirado

respeitando os ditames

para ser avaliado:

- Essa jovem damizela

plenamente feminina

recebida no salão

com surpresa genuína

mais velida se apresenta

que as flores da campina...

- Ao olhar pra essa dama

que de mim está diante

sinto que todo meu estro

inda não é o bastante

pra que possa descrever

tão gracioso semblante...

- Muito raro é o donaire

que essa jovem descerra

Outros olhos procurando

desde o vale até a serra

com tamanha excelência

não verão em toda terra...

A princesa escutando

o cantar dos trovadores

comovida agradeceu

as palavras de louvores

atestando desse modo

seus talentos e valores

O monarca foi notando

que a platéia inquieta

aplaudiu os trovadores

sem dizer qual o poeta

foi aquele que fizera

a estrofe mais seleta

Não havendo um consenso

com a sua sensatez

o monarca novamente

foi chamando outros três

e foi assim que cantaram

cada um na sua vez:

- Eu já pude constatar

com a mais plena certeza

desde que fiquei diante

da figura da princesa

que vi nela mais primor

do que em toda natureza...

- Louçania tão sublime

vislumbramos na donzela

que nós todos no sarau

versejando só pra ela

ficaremos toda a noite

sem dizer quanto é bela...

- Eu declaro observando

na princesa a imagem

de enlevos tão notáveis

que parecem com miragem

duvidar que os possuam

damas de outra linhagem...

A platéia deu aplausos

para cada trovador

entretanto sem dizer

qual teria mais valor

se negando novamente

a mostrar o vencedor

Como todos tinham feito

versos do mesmo jaez

o monarca novamente

foi chamando outros três

e foi assim que cantaram

cada um na sua vez:

- Interrogue, princesinha,

este céu quando estrelado,

questione tantas flores

quantas encontrar no prado

e dirão que seu requinte

não será nem igualado...

- É forçoso constatar

que por ser a damizela

como tantos já disseram

tão vistosamente bela

reluzir-se todo verso

quando dito para ela...

- Reconheço na beldade

que está em minha frente

a mais fina elegância

que há no tempo presente

Procurando outra igual

não veremos novamente...

Recebeu muitos aplausos

cada bardo inspirado

A princesa comoveu-se

com o que tinha escutado

Os convivas discutiram

sem chegar num resultado

Percebendo a incerteza

com bastante nitidez

o monarca novamente

foi chamando outros três

e foi assim que cantaram

cada um na sua vez:

- Um encanto sem igual

enxergamos na princesa

Do sol tem a alegria

da brisa a delicadeza

do mar tem a majestade

da neve tem a pureza...

- Essa jovem apresenta

esplendor tão infinito

que excede em plenitude

tudo quanto já foi dito

não podendo expressá-lo

nem o verso mais bonito...

- Eu preciso lhes dizer

um sentimento profundo:

já não posso duvidar

nem ao menos um segundo

que tão linda quanto ela

nunca existiu no mundo...

Outra vez os trovadores

tinham mostrado serviço

sem fazer verso ruim

e o rei sabia disso

pois premiar o melhor

era o seu compromisso

Sem poder se decidir

mas mostrando polidez

o monarca novamente

foi chamando outros três

e foi assim que cantaram

cada um na sua vez:

- Nem das ondas o vigor

nem das flores a candura

nem do sol o refulgir

nem dos campos a verdura

conseguiram ofuscar

dessa dama a formosura...

- Versejando para ela

não encontro adjetivos

entretanto na princesa

plena em seus atrativos

nada falta nem sobeja

para nos deixar cativos...

- Só comparo sua graça

a de muitas primaveras

pois a jovem apresenta

pulcritudes que deveras

não veremos repetidas

nem daqui a muitas eras...

Os versejos mais bonitos

os bardos foram fazendo

feitos só no improviso

cada qual mais estupendo

entretanto em qualidade

todos se equivalendo

Não querendo indecisão

nem espaço pra talvez

o monarca novamente

foi chamando outros três

pra mostrarem sua verve

e cantar mais uma vez

Um menestrel veterano

que por ele foi chamado

tinha uma grande fama

de ser o mais inspirado

Não seria facilmente

pelos outros derrotado

O salão todo calou-se

conhecendo seu talento

e o bardo confiante

dedilhou o instrumento

sendo assim que versejou

pra vencer aquele evento:

- Quanta generosidade

demonstrou a natureza

nos deixando apreciar

reunido na princesa

tudo que pode nos dar

no que tange à beleza...

Uma explosão de palmas

escutou-se no salão

O consenso apareceu

pois a voz da multidão

já gritava num só coro:

- Esse é o campeão!

Pois o rei reconheceu

que o poeta mais fluente

tinha feito a estrofe

mais bonita e abrangente

mas guardara uma surpresa

para a multidão presente:

- Vou lançar um desafio

aos poetas ao redor

Dou a mão da minha filha

como um prêmio maior

para o bardo que agora

fizer um verso melhor!

Um murmúrio alargado

escutou-se no salão

Quem seria candidato

dentro da competição

a fazer uma estrofe

com maior inspiração?

Pois o mais jovem poeta

que estava ali presente

perpassando a multidão

sem vacilo de repente

foi no rumo da princesa

pra ficar na sua frente

O monarca disse a ele

expressando seu respeito:

- Vejo que meu desafio

pelo jovem foi aceito...

Cante um verso para nós

mais bonito e perfeito!

Com a dama curiosa

pela sua atitude

o poeta apaixonado

dedilhou seu alaúde

versejando para ela

como o feito amiúde:

- A beleza pra saber

qual seria seu mister

espargiu-se pelo mundo

sem desconfiar sequer

que acharia a perfeição

nesta forma de mulher...

Estrondosa aclamação

no palácio foi ouvida

Escutando aquele verso

a princesa embevecida

deu um suspiro profundo

e caiu desfalecida

Do poeta o monarca

reconheceu o talento

e honrando a palavra

proferida no evento

de sua linda princesa

deu a mão em casamento

Dizem que eles depois

dos enlaces nupciais

foram ter final feliz

como de outros casais

O leitor não acredita?

Que pesquise nos anais...

FIM

Carlos Alê
Enviado por Carlos Alê em 25/04/2016
Reeditado em 14/04/2024
Código do texto: T5615644
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