UMA CARTA A LAMPIÃO

Meu caro Rei do Cangaço

Permita que me apresente

O meu nome é Maeli

Sou gente de sua gente,

Sertaneja de riso e dor.

E fanática pelo senhor

Tornei-me sua remetente...

Visitando suas vertentes

Que pra mim foi uma glória

Descobri uns três museus

Feitos em sua memória.

E a finalidade desta

É dizer-lhe o que resta

De seus feitos, sua história.

Vou dizer em oratória

De quando o senhor nasceu

Até o nefasto dia

Que a morte lhe sucedeu.

Noutra carta respondendo

Diga o que fiquei devendo

E o que foi engano meu.

Julho de noventa e sete

Fim dos anos oitocentos

A sete também do mês

Em singelos aposentos

Nasceu o Rei do Cangaço

Recebido em um abraço

De paternais sentimentos.

Sitio Passagem das Pedras

Terras de Serra Talhada

Lugar onde Virgulino

Teve a primeira morada

Com parede e teto forte

Uma casa de grande porte

Pra caber a meninada.

Em seus tempos de criança

Ajudava no roçado

Cultivando o solo quente

Deste Sertão abrasado.

Com seus pais e seus irmãos

Enchia de calo as mãos,

Mas não faltava o bocado.

Tangendo tropas de burros

O nosso Rei do cangaço

Cruzava o Sertão inteiro

De sol a sol, passo a passo.

Para chegar em Rio Branco

No lombo dum burro manco

De fome, sede e cansaço.

Levava alguns objetos

de fabricação caseira.

Produtos feitos de couro:

Bornal, cinto e cartucheira...

Seu velho pai fabricava

E ele negociava

por essa grande ribeira.

Foi de uma família simples,

Porém, de barriga cheia

Que vivendo em harmonia

Sequer se via cara feia.

Mas por mais calma que seja

Toda nação sertaneja

Tem sangue quente na veia.

Iniciou-se uma contenda

Com um tal de zé Lucena,

Vizinho de propriedade,

Homem de ação pequena...

Por causa duma criação

Da gente de lampião

Que entrou em sua arena.

O coronel Zé Lucena

Querendo fazer bonito

Cortou de faca peixeira

Uma orelha do cabrito.

Dizendo: foi a direita,

Mas juro que doutra feita

vai a outra ou mato o dito.

Sendo o pai de lampião

De tal modo esquentado,

Pega um de Zé Lucena

Deixa meio descambichado...

Então Lucena danou-se

E por brabo que o cabra fosse,

Não passaria bom bocado.

Seu Zé Ferreira depois

De sofrer uma emboscada

Juntando toda a família

Bateu fora em retirada.

Mata Grande foi o destino

Da família do menino

Desta história tão contada.

Chegando em Alagoas

Morre a mãe de Lampião

Mergulhada no pesar

Por ter deixado o Sertão...

Pra viver dia após dia

Tão distante da magia

De seu amado torrão.

O coronel Zé Lucena

De alma inconformada

Daqui mesmo do Sertão

Planejou outra emboscada.

Mataram seu Zé Ferreira,

Deixando a família inteira

Ainda mais enlutada...

Foi aí que virgulino

Garoto quase rapaz

Foi capaz de ser na vida

O que pensou não ser capaz.

Após no cangaço entrar

Veio ao Sertão se vingar

De quem tirou sua paz...

Abordou o Zé Lucena

Bem na hora do jantar

O pegando de surpresa

Sem ele se preparar

Virou presa o caçador

Debaixo da mesa entrou

Pra Lampião não o matar.

Assim que matou Lucena

reuniu todo o bando

Do que tinha na fazenda

Não ficou nada sobrando.

Fez àquela quebradeira

Depois levantou poeira

No mato se atirando.

Logo espalhou-se a fama

Que o nordeste brasileiro

Escondia na caatinga

Um valente cangaceiro...

Um "bandido má conduta"

Saqueando à força bruta

Até quem não tinha dinheiro.

após a fama correr

Começa a perseguição

Muitas tropas do governo

Infestando a região

Iniciou-se uma batalha

Fogo cruzado e navalha

não era o mesmo Sertão.

O cangaço era apenas

Uma forma de expressão

Contra o coronelismo

E a marginalização...

Nessa guerra já sangrenta

Virgulino só aumenta

Os efeitos dessa ação.

Apesar de seu caráter

Todo desorganizado

Lampião tornou-se herói

Para o marginalizado

Que do governo exigia

Ter de volta a alforria

No solo que foi criado...

Dotado de inteligência,

Cheio de superstição

Sentia quando a polícia

Farejava a região...

Com seus dotes ancestrais

Driblava os policiais

Dificultando a prisão.

Um certo dia resolveu

Abandonar esse drama,

Mas dona Maria Bonita

O incentivou noutra trama:

Tu sempre foste valente

Não queira que essa gente

Acabe com tua fama...

Foi na Grota de Angicos

Alagoas o estado

Que Virgulino Ferreira

Deu tudo por encerrado.

Seu corpo por lá ficou,

Só a cabeça inda andou

Pelo seu nordeste amado.

Uns dizem que o cangaceiro

Foi de fato um pervertido...

Outros dizem: como herói

Jamais será esquecido.

Em meio a confusão,

Eu penso que Lampião

Não foi herói nem bandido.

Foi só um menino pobre

Com o destino maluco

De vê o coronelismo

No Sertão de Pernambuco.

Buscando vida na morte

Afastou de si a sorte

De morrer velho caduco.

São fragmentos de coisas

Que ouvi sobre o senhor.

Se errei, por gentileza,

Me desculpe, por favor.

Prezado Rei do Cangaço

Aqui fica o meu abraço

Amistoso e sem rancor!

Peço desculpas por não ter respeitado o padrão de rima até o final.

Deixo aqui a minha gratidão a você que teve paciência de ler.