COMO NASCE UMA BORBOLETA

I

Um amigo que eu tinha,
Forrozeiro que só ele,
Enviou-me um recado
Pra eu ir a casa dele,
Seu convite eu aceitei
E tão logo eu lá cheguei
Eu vi algo errado nele.

II

Já não era mais aquele
Que outrora eu conheci,
Estava à beira da morte
Ao vê-lo eu me comovi;
Na sua cama deitado,
Erguendo-se emocionado,
Disse: - Eu me alegro por ti.

III

"Que bom que te vejo aqui,
Chegaste em boa hora,
Tua visita me conforta
Pois estou indo embora,
Sei que logo eu vou morrer
E o que me resta a dizer
Vou te contar sem demora".

IV

"Eu penso que estou fora
Do céu, se é que existe;
Sempre a dúvida seguiu-me
E até o momento persiste
A roubar minha alegria,
Por isso eu fui noite e dia
Um homem assim tão triste".

V

"Minha razão reza e insiste
Em dizer-me que estou certo
Por não crer na vida eterna
Um ensinamento incerto,
Sou dentre muitos ateus
Alguém jurando que Deus
Não foi jamais descoberto".

VI

"Mas como vejo aqui perto
Junto ao meu leito de morte
O meu amigo e filósofo,
Eu acho que tenho a sorte
De ouvir antes de partir
Se o meu muito inquirir
É um nó frágil em laço forte".

VII

"Um sábio assim do teu porte
Tem muito mais que fazer
E estou a roubar-te o tempo
No ocaso de um vão viver,
Sei que certamente o é
A minha angustia sem fé
Que me retarda a morrer".

VIII

"Urgente eu quero saber
Do meu amigo presente,
Se a morte é o fim de tudo
E não há para o doente,
Além de um fim tão cruel,
Um outro qualquer papel
Que o faria mais contente".

IX

"Se o meu mestre não mente
E a verdade traz consigo
Uma resposta me deve
Na condição de amigo,
Portanto eu te pergunto
Já quase podre defunto:
- Deus é Pai, ou é inimigo"?

X

"Antecipando eu te digo
De modo muito indiscreto:
- Por que há tanta pobreza
E ao seu grito o frio veto,
Quando o império faz guerra
E ignora que o Sem Terra
Não tem sequer o seu teto"!

XI

"Penso no meu filho e neto,
Em mim parei de pensar,
Pois a geração futura
Da Terra tem que cuidar:
- Se o nosso mundo esquenta,
Cedo ou tarde se arrebenta,
Deixando a todos sem lar”.

XII

"Os rios todos e o mar
Estão sendo envenenados,
Até mesmo o Sol e a Lua
Jazem nos céus ofuscados,
Chuva chora e grita o vento
E a Terra no aquecimento
Está mandando recados".

XIII

"Numa farra os mercados
Abrem as portas ao povo
Como dizendo, aqui tem:
“Computador, carne e ovo,
Brinquedo para a criança,
Só não temos esperança
De haver um mundo novo".

XIV

“Eu nada disso aprovo”,
Assim disse o amigo meu,
No seu último instante,
Persistindo em ser ateu
Já que o mundo lhe dera
Inverno e não primavera...,
Silenciou-se e faleceu.

XV

Portanto aqui digo eu
O que Jesus ensinou:
“A quem me deu de comer
E a minha sede saciou,
Ou cobriu minha nudez,
Encontrou-me nessa vez
Que uma prisão visitou”.

XVI

Assim meu amigo andou
Neste mundo desumano
Sempre junto aos oprimidos,
Do explorado foi um mano,
Proclamando-se um ateu,
Sua vida inteira viveu
Como o bom samaritano.

XVII

Em qualquer dia do ano
Nasce e falece um poeta,
Fenece logo ao nascer
Palavra vã e indiscreta,
Que é parca e sem poesia,
Porém rica em regalia
Ferra e fere como a seta.

XVIII

Ele qual uma borboleta
Rompeu o seu casulo cá,
Assim foi que renasceu
Nos braças de Deus Jeová;
Um ser humano incomum
Não foi a lugar nenhum
Porque sempre esteve lá.