Terras do Sumidouro
Quando o Vaqueiro Negão
Vestido da cor da noite
Com seu cachorro retinto
Montou seu preto alazão
Correndo muito ligeiro
Sumiu na igreja de pedra
Não era boi mandingueiro
Que queria pegar não
Ele teve uma “visagem”
E sumiu em disparada
Entrou na igreja encantada
Pra não ver o sofrimento
Que os negros do Sumidouro
Ainda tinham pela frente
Valentim e sua gente
Sem terra e sem documento
Já cem anos se passaram
E entra ano e sai ano
Nada de preto no branco
Nem o preto lá da tinta
De caneta ou computador
Do Karnac e do Cartório
Querem pintar papel branco
Parece que deu foi cancro
Na mão do digitador
E governante do Estado
Diz não pra o mundo agrário
Essa questão não existe
Nem no seu dicionário
No ouvido do deputado
Diz sem medo de esculacho
- Nessa questão não me meto
Que terra de pobre e preto
Não dá dinheiro em campanha
E um pouco pra minha conta
Pra levar vida na manha
- Ainda perco o prefeito
Que me apoia na eleição
Primo, cunhado e irmão
Dos brancos que ainda mandam
Em todo e qualquer chão
Nas terras do Sumidouro
Reconhecidas do Estado
Como terra devoluta
Sobra suor, sobra luta
Dos Negros lá da pedreira
E de Sessé e da Cleinha
Nas rodas de capoeira
Mas nesse “Estado” de atraso
Falta gestão e vontade
Pra encerrar essa saga
De Raimundo e Honorata
Pra reconhecer o certo
Com cada qual no seu canto
Seja preto ou seja branco
Desbancando o mais esperto
Que o vaqueiro que sumiu
Nas paredes da igreja
Escondido ainda veja
Essa questão acabar
Como se diz com o que é certo
Que seja preto no branco
E não tem pra que espanto
Terra para preto, é sim!
Pois já tem demais o branco
Que o branco do papel
Receba o preto da tinta
Que o futuro governante
Não seja ruim como pinta
Sua caneta de assinante
Nem precisa ser de ouro
Basta que devolva aos Negros
As terras do Sumidouro.
(20.09.2014)