Cordel de um Camelô

Bem no alto do dia

Veio ao meu encontro um camelô

Singular era o jeito que dizia

"Eita trabaio bravo debaixo desse calô"

Roupas, brinquedos era o que vendia

Nem espaço pra por o ventilador

Mas o jeito que o cabra fazia

Era um punhado de jornal como abanador

Esse moço conhecia todo mundo

José, Maria, Celestina o Seu Raimundo

Até o mendigo que andava imundo

E sabia também quem trabalhava na loja do fundo

Cabra alegre e falador como todo nordestino

Dava valor a cada centavo que entrava

Porém num levava pra casa desaforo nem ficava em desatino

E se tentassem enrolar ele logo se irritava

E eu no meu passeio diário

Conversava um pouco com o seu vigário

Sempre via o camelô de caneta e de fichário

Anotando a clientela que comprava em crediário

Eu observava a vida daquele sujeito

Se dava bem...desde o pequeno até o prefeito

Obedecendo a ordem de Deus, Aquele que é perfeito

Amar à todos, mesmo que o outro seja suspeito

A família dele que às vezes lhe visitava

Trazia guloseimas ahhh isso ele gostava

Dividia com a caçulinha e com o mais velho conversava

E a esposa, pra todo mundo ver ele a beijava

Chegava o final do dia

Hora de terminar o que ele fazia

"Sou camelô com honra" sempre dizia

Voltava pra casa dando adeus pra toda freguesia

Passei ontem em frente à barraca e não vi o camelô

Quando conversava com o vigário ele logo me falô

"Sabe do camelô, pois bem, parece que à noite se embebedô

Deu uma crise de loucura e atravessando a rua um carro lhe arremessô

Aquele cabra parou no hospital

O mais perto que tinha antes da capital

Doutor Rogério examinou e não tinha mais sinal

Abaixou a cabeça e falou que o acidente foi fatal

Oras, a esposa que ele tanto amava

Chegara no hospital chorava, gritava e esperniava

Chamando Deus pra ver se Ele o ressucitava

Mas nem a fé em Deus a consolava

Hoje to abrindo a igreja com dor no coração

Vem a família, os amigos e toda a população

E sei que vou sentir muito quando fizer a ultima oração

Para este camelô que trabalhava no calçadão"

Não pude me conter em ouvir o trágico destino

Fiquei perdido por um tempo, sem raciocínio

E ter que me lembrar do nobre nordestino

De agora para sempre que seu nome era apenas ... Severino

Marcel
Enviado por Marcel em 14/10/2005
Reeditado em 15/10/2005
Código do texto: T59759