Confusão No Busão

Poema de Cordel: Confusão No Busão

Autoria: Aberio Christe

Aconteceu que certa vez

Uma mulher bem distinta

Para um ônibus fez sinal,

Enquanto separava os três e trinta

Para pagar a condução

Que lhe levaria até o mercadão,

Distante umas cinco quintas.

O motorista Seu Fulano

Pisou no freio e foi parando,

Acionou a porta e ela abril,

A mulher devagar foi entrando,

Mas o chofer esperar não quis,

Arrancou com o carro, o infeliz,

A pobre coitada derrubando.

A mulher ficou no chão

E a lotação seguiu seu destino

Com os passageiros assustados,

Pois não entenderam o desatino,

Distraíra-se o homem ao volante

Ou seria o tal assim ignorante

Demais irresponsável e tão cretino?

Alguém gritou que parasse,

Mas o condutor nem ouviu,

Mudou a marcha e acelerou,

Outro passageiro também pediu:

“Pare o ônibus, senhor motorista,

“Tem uma mulher caída na pista”

E outro passageiro ainda sorriu.

Foi aí que a galera se dividiu:

“Segue a viagem, tenho compromisso”

“Não, é preciso socorre-la sem demora”

“Eu não tenho nada haver com isso”

“Toca o barco o mais rápido puder”

“Que se vire sozinha a mulher,

“Pois ninguém aqui dá conta disso”.

Pelo bem alguém argumentou:

“Lembrem-se de Jesus a passagem

“Sobre o homem que foi assaltado

“E machucado ficou da rua à margem,

“Sem assistência nem atenção,

“Já deixaria de bater o coração

“Daquele que não seguia mais viagem”

“Muitos crentes apressados

“Não se importaram com o ferido,

“Não fosse aquele estrangeiro

“Que, pelos judeus, não era querido,

“Faleceria uma vítima da violência

“Que não merecera a decência

“Dos servos de um Deus bendito”.

“Mas o estrangeiro se fez próximo

“De uma pessoa que nem conhecia,

“Vitimada pela violência de uma cidade

“Infestada de injustiça e vilania,

“Como também da falsa piedade

“De uma tal religiosidade

“Encharcada na hipocrisia.”

O motorista cansado da pregação

Pisou no freio e parou no meio-fio

Abriu porta de trás e berrou:

“Vocês parecem cadelas no cio,

“Ficam latindo em meus ouvidos

“Coisas que nem têm sentido,

“Não quero ouvir mais nem um pio.”

E antes que alguém retrucasse

Ele continuou dando seu pito:

“Não quero saber de sermão aqui,

“Este ônibus é meu e tenho dito,

“Quem quiser descer, faça o favor,

“Mas não me venha fazer terror,

“Vamos logo acabar com esse agito.”

Uma parte dos passageiros

Bateu palmas lhe dando apoio,

Outra parte soltou uma bela vaia,

O motorista piscou com o olho

Pois percebeu que tinha maioria

E bem dessa, então se sairia

Não seria atirado no arroio

Ninguém disse mais nada,

Pois não havia quem quisesse descer,

Os bons e os maus se uniram

Em um silêncio de fazer doer,

Uma quietude de omissão

Imperou naquele busão,

O herói ali, não quis aparecer.

O motorista deu uma gargalhada,

Tornou a fechar a porta,

Engatou o veículo e prosseguiu,

Já que a vida alheia não importa

Vamos todos para o ponto final

Pois ninguém deu sinal

De querer ajudar a quase morta.

Quando se aproximavam

Enfim, do destino derradeiro,

Uma placa apontou à direita,

Levantou-se logo um passageiro:

“Motorista, pare este coletivo,

“Este lugar não é meu objetivo,

“Quero ir além daquele outeiro”.

Respondeu o motorista:

“Aqui não têm nenhum ponto,

“Não me é permitido parar,

“Você vai conosco e pronto,

“Nós já vamos entrar no portal,

“Ali é um lugar sensacional,

“Creia, não estou fazendo conto.”

E então todos entraram

No condomínio do inferno,

Os malvados e os omissos,

De calça jeans ou de terno,

Semianalfabetos ou doutores,

Empregados ou senhores,

Levados para o fogo eterno.

Aberio Christe