O QUE VI NO SERTÃO DO NORDESTE DE ONTEM HOJE NÃO VEJO MAIS

O QUE VI NO SERTÃO DO NORDESTE DE ONTEM

HOJE NÃO VEJO MAIS

Quem antes foi no Nordeste

Hoje não conhece mais

Nos tempos dos meus avós

Na infância dos meus pais

Pode observar que ele

Já não é mesmo aquele

Tá diferente demais.

Nesse meu sertão de hoje

Tudo está modificado

O vigário de outrora

Pois só andava montado

No período atual

Não quer saber de animal

Só anda motorizado.

O progresso avançou

Para as bandas do sertão

O transporte habitual

O burro de estimação

Já não está mais presente

Ele perdeu a patente

Para a veiculação.

O camponês que se preza

Sente a modificação

Com a tecnologia

Avançando no sertão

Ele fica atarantado

Atônito e espantado

Diante da mutação.

Até a vara de pescar

Modificou o roceiro

Pesca-se de molinete

Trazido lá do estrangeiro

Num carretel equipado

E num motor enrolado

Suprindo o seu bambueiro.

A minha avó quando ia

Bater arroz no pilão

Ligeiro a palha saltava

Misturada com o grão

Passaradas rodeavam

E depressa devoravam

O que caía no chão.

Majestade, o sabiá

Além disso as rolinhas

Pintassilgo e chico-chico

E um bando de golinhas

Lambu, juriti e bigode

O peru, a cabra e o bode

Uniam-se às galinhas.

Lá o canário-da-terra

O ilustre cancioneiro

Tiziu, chorró e caboclinho

Foliavam no canteiro

Pássaro pra todo lado

De tamanho variado

Enfeitando o terreiro.

Também ali não faltava

Bico-de-prata e azulão

Xexéu e galo-de-campina

O periquito e o cancão

E de olho o papa-sebo

Vigiava o guarda-mancebo

Camarada gavião.

Ainda muito recordo

Do inverno e da fartura

Os canaviais e engenhos

A safra de rapadura

Ali naquela gamela

O mel da cor de canela

E que fervor de doçura.

Ah, como era tão bom!

Devorar fruta madura

Subia num pé de manga

Atraído pela fartura

Do ponto que se estava

Pra cima mais se escalava

Não importava a altura.

Muitas vezes rememoro

Aquele pé de mangueira

Com o seu tronco arriado

Ali sobre a barreira

Em figura de uma canga

Numa rama de moranga

Servindo-se de cocheira.

Aquela casa de taipa

No tempo se demoliu

Porta, janela e telhado

De cupim se consumiu

Encoberta pelo mato

Vê-se apenas o formato

Ali onde ela existiu.

Dificilmente se vê

O atrevido vaqueiro

Correndo atrás de boi

No seu cavalo trigueiro

O boi virou foi churrasco

Do cavalo só o casco

Restou lá no catingueiro.

E aquele bom cachorro

Nem mais caçando se vê

O dono lhe abandonou

Dele restou o dossiê

Peba, veado e tatu

Mocó, juriti e lambu

Vejo sim, só na tevê.

E os cânticos dos pássaros

No alvorecer do dia

O sapo-boi na lagoa

Espumando de alegria

À beira do ribeirão

Os três-cocos e o carão

Cobiçando a mesma jia.

No meio do tabuleiro

Num galho seco sem nó

Mirei o camaleão

Magrinho de fazer dó

Na árvore que ele estava

Folha seca mastigava

Misturada com cipó.

Cigarra não se ouve mais

Ao pino do meio-dia

Aquele canto finíssimo

Que dava até agonia

Para onde deve ter ido

O apreciado zunido

Dessa bela sinfonia?

O tal coroa-de-frade

O pé de mandacaru

Ainda unha-de-gato

Nem o papa-sururu

E sequer o marmeleiro

Para servir de poleiro

Pra ave papo-de-peru.

Nem o forró pé de serra

O artesão de viola

Camelô de quebra-queixo

O disco lá na vitrola

E na porta do mercado

Bem no batente sentado

Cego pedindo esmola.

A festa do padroeiro

Fogueira de São João

O jogo era de peteca

Brincadeira de pião

De anel cair no poço

Curral de boi e de osso

Pegar ave de alçapão.

O circo e seus palhaços

O parque de diversão

Festejo no arraial

Céu enfeitado, balão

A meninada na sala

Comendo, pipoca e bala

E o doce de algodão.

O galo bom de terreiro

Galanteador das vielas

Faz muito tempo que ele

Virou pirão nas panelas

O sertão sem o seu canto

Perdeu todo o seu encanto

Silenciaram as gazelas.

Outrora a pescaria

Era aquela animação

Pois se pescava o peixe

Anzol, landuá e galão

Que tanta vivacidade

À noite, manhã ou à tarde

Peixe era diversão.

O cardume de piaba

Dava medo até de olhar

Porém na hora do banho

Precisava se cuidar

Era cada beliscão

Dava uma aflição

Do cabra até chorar.

Tilápia e curimbatá

Também traíra e cangati

Tucunaré e piranha

Lambari e tambaqui

A tarrafa e o galão

E só deixou no porão

O muçum e o jaboti.

O clarão da lua cheia

Iluminava o terreiro

O farol dentro de casa

Cintilava o candeeiro

Num pavio de algodão

Além disso o lampião

O abajur de tropeiro.

Em pouco tempo chegou

Uma luz tradicional

Pela força de um motor

Com lâmpadas num bocal

E numa tubulação

Vinha a distribuição

Alumiando o arraial.

Na época não existia

Um transporte adequado

Somente os animais

Serviam para o traslado

Burro, cavalo e jumento

Eram os carros do momento

Trafegando lado a lado.

Esses animais também

Serviam para os tropeiros

Além de tais montarias

Eram os grandes cargueiros

Pegar boi e juntar o gado

No campo ou no cerrado

Inseparáveis vaqueiros.

Para se dançar forró

Já não se ouve Gonzagão

Esse grande sanfoneiro

Revolucionou o baião

E num sensato momento

Consagrou o tal jumento

Chamando de nosso irmão.

No meu Nordeste atual

É outra concepção

E aos meus olhares críticos

Avançou com precisão

E esse grande sucesso

Deve-se, pois, ao progresso

De uma nova geração.

FIM.

Francisco Luiz Mendes
Enviado por Francisco Luiz Mendes em 06/07/2018
Reeditado em 09/01/2022
Código do texto: T6383446
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