O MAIOR VENENO DO MUNDO É A LÍNGUA DO POVO

Oh povo de língua grande

E sem metrificação

A vida de certo alguém

É alvo de falação

Lá na praça cedo zoa

E a futrica já ressoa

Por todo o quarteirão.

A língua bem afiada

Corta igual dente de traça

Só basta alguém sussurrar

Que está feita a desgraça

Não tem idade pro povo

Tanto faz velho ou novo

É difamado na praça.

E todos estão na dança

Não tem privilegiado

Aos olhares do planeta

Ai de quem fala afinado!

E já tem outro conceito

Logo julgam o sujeito

De jovem afeminado.

Há quem articula assim:

— Como tem mexeriqueira!

Na vida de todo mundo

Dá cabo a semana inteira

Debruçada na janela

Fica lá de sentinela

De segunda a sexta-feira.

De fato, em qualquer recinto

A língua está no ataque

Assimilando um relógio

Girando no tique-taque

Cada giro uma fofoca

É aquela livre-troca

Boato vira destaque.

Nem interessa se é

Negro, branco ou amarelo

Rico, pobre ou mendigo

Imperfeito ou mesmo belo

Pra futricar não tem hora

Seja moça ou senhora

Saem batendo martelo.

E logo de manhãzinha

Já tem gente ensaiando

De frente para o espelho

Consigo fica falando

Com a língua afiada

A fofoca decorada

Para praça vai rumando.

Nesse oceano de zunzum

Língua dribla e dá olé

Cada vez mais ofensiva

Que dente de jacaré

Ela é tão atrevida

Deu cabo até da vida

De Jesus de Nazaré.

A língua é feroz demais

E já dizia minha avó

— Coitado daquele que

Ficar no forrobodó

A vida vira um drama

Seu nome fica na lama

Sem piedade nem dó.

E ninguém tem compaixão

Quer ver o circo torrar

Se está na língua da rua

Já podes se preparar

Para perder o sossego

Pois vai ter muito morcego

Querendo sangue sugar.

E a língua que recebe

A hóstia e diz “amém”

Pertence à mesma pessoa

Que faz o padre refém

Nem os santos do altar

Escapam do mal-estar

Pagam o pato também.

A língua bem amolada

E que seja lá de quem

Faz um estrago danado

Na história de alguém

A fofoca descabida

É pior de que ferida

Não tem pena de ninguém.

Pois que tem até programa

No, rádio e televisão

Instruindo pra fazer

Bolo de fofocação

O tal endereço é:

— Hotmail língua e pé

À vossa disposição.

Essas línguas curiosas

Gostam se autopromover

Quando elas se deparam

É aquele comover

O que não falta é assunto

Arranca-se até defunto

Pra o zunzum absorver.

Quem vive batendo língua

Momento, acolá e ali

É bom não se deslembrar

Também está no rali

E dizem que quem cochicha

O próprio rabo espicha

Se enrola no ti-ti-ti.

A língua de muita gente

É, agitada e atuante

Por menor que seja o mote

Alguém já aumenta adiante

Assim a fofoca sai

Boca a boca se vai

Afora mundo avante.

A língua bisbilhoteira

Tem a resposta no ato

E muita gente só dorme

Quando escuta o boato

Anota no caderninho

Para mostrar pro vizinho

Tamanho balaio de gato.

Mas não tem controle mesmo

Uma língua fofoqueira

Pois num final de semana

Aquela devota obreira

Comenta para comadre

Sobre o sacristão e o padre

E também a madre-freira.

A danada dessa língua

Parece não ter limite

Ela é mais explosiva

De que uma dinamite

A estender o bate-papo

Pois é tanto ovo de sapo

Nem o inferno admite.

Se Jesus Cristo voltar

Visitar a Santa Sé

Pouco tempo ficará

Ligeiro vai dar no pé

Voltará pro céu vexado

Além de contrariado

Chamando Pedro a Tomé.

E Cristo chegando ao céu

Reúne urgentemente

Chama todos os discípulos

E fala-lhes bravamente:

— Tendes a missão na terra

De serenar uma guerra

E a língua daquela gente.

Eita! essas línguas-soltas!

Como elas são infernais

Inclusive nos velórios

O desrespeito é demais

O coitado do defunto

Já vira logo assunto

Antes das rezas finais.

É no salão de beleza

Também na barbearia

Que a língua corre solta

A qualquer hora do dia

No churrasco o compadre

A afilhada e a comadre

Tecem a amiga Maria.

Jamais estamos livres

Ficamos sempre refém

Estão sempre preparando

Uma cova para alguém

Fique aí de sentinela

Toque fogo numa vela

Se sagre e diga “amém”.

No ponto do taxista

Na banca do jornaleiro

E nos encontros nas praças

Salão de cabeleireiro

Lugares pra bons fuxicos

Onde todos pagam micos

Na língua do futriqueiro.

Seja em qualquer recinto

Padaria ou botequim

Há sempre uma grande língua

Similar a um espadim

Dois agitadores juntos

Exumam até os defuntos

Dos irmãos, Abel e Caim.

A língua não tem repouso

Percorre por toda a praça

Espalhando seu veneno

Porque por onde ela passa

É bastante popular

Se não tem o que falar

A conversa não tem graça.

Primeiros raios do Sol

Começa a fuxicada

A sogra fala do genro

Nora arenga com cunhada

Semelham-se a gato e cão

E acabam na prisão

Às tantas da madrugada.

A língua do povo ferve

Borbulha igual a fornalha

E é tão amolada que

Corta mais de que navalha

É como fogo em capim

Se acender o estopim

Velozmente se espalha.

Pela manhã, tarde ou noite

Não importa tanto faz

Nas rodas de bate-papo

É aquele leva e traz

Pois o tema já se estende

Se compra, troca e se vende

A vida de satanás!

E ninguém está imune

Seja velho ou seja novo

As vidas são descascadas

Como se fosse um ovo

Nesse tal disse me disse

Da infância à velhice

Está na língua do povo.

— E como seria o mundo

Sem o popular futrico?

— Não teria muita graça

Sem existir o fuxico

Sem ouvir um aranzel

Não teria este cordel

Se não fosse o mexerico.

FIM

Francisco Luiz Mendes
Enviado por Francisco Luiz Mendes em 02/08/2018
Código do texto: T6407783
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